Se pensarmos que o grande fato editorial deste início de abril foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ter desbancado Bruna Surfistinha no ranking dos livros de não-ficção mais vendidos no país, ficamos querendo um cotidiano mais poético. Mesmo que seja a poesia ácida de Paulo Scott, em Senhor Escuridão (Bertrand Brasil, 160 páginas). Scott utiliza as palavras menos como punhais contra o leitor e mais como um bisturi, que disseca o cotidiano, na maioria das vezes feio, em busca de coisas belas a serem reveladas por debaixo das camadas mais aparentes. O autor, de 34 anos, vem transitando na poesia, no conto e no romance com estilo. É considerado um escritor criativo dentre os novos surgidos neste século, chamando a atenção da “crítica” (leia-se imprensa especializada) do centro do país, que ainda decide quem é bom ou ruim. Scott nasceu em Porto Alegre. Publicou Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros (poesia, 2001), Ainda orangotangos(contos, 2003), Voláteis (romance, 2005) e A timidez do monstro (poesia, 2006). Integrou ainda a coletânea Os Cem menores contos brasileiros do século. Com o ilustrador Fábio Zimbres, criou o cultuado projeto gráfico-literário “Na TáBUA”. Paulo Betancur, escritor e crítico literário daqui e autor da orelha do livro, diz que Scott “é pior (e melhor) do que aqueles artistas que nos põem contra a parede: nos deixa sem paredes, sem céu, sem chão”. Parece uma boa definição. Mas o melhor é saber o que ele pensa de si e de sua obra na entrevista a seguir.
EC – Como você encara as críticas favoráveis que tem rece-bido pelos seus escritos fora da aldeia?
Paulo Scott – O conteúdo de uma crítica literária é sempre inesperado. A compreensão exata, pelos outros, daquilo que você pretende é uma fantasia, dificilmente se realizará – os interlocutores completam aquilo que você iniciou, ampliando ou levando à redução. É claro que, como tem acontecido desde que decidi publicar em 2001, se os elogios vêm eu os encaro com alegria, mas nenhuma crítica favorável ou negativa alterará meu modo áspero de escrever. O fato dos primeiros elogios não terem partido aqui do Sul faz parte de um processo normal. Há um contexto que aceita o novo – o que não integra o circuito das amizades, dos conhecidos – desde que ele prove algumas qualidades. Somente depois que a imprensa do centro do país começou a me elogiar é que o meu nome começou a circular de verdade por aqui. O meu primeiro livro, o Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar o sofrimentos dos monstros, cultuado Brasil a fora, com exceção de uma resenha do Fischer, não recebeu qualquer atenção da imprensa local. É estranho, mas até bem pouco tempo eu era mais conhecido no Rio de Janeiro do que em Porto Alegre.
EC – Em que escola você classifica a poesia (sé é que pode ser classificada) de seu novo livro Senhor Escuridão?
Scott – Não me enquadro em escolas ou correntes, não possuo erudição literária. Escrevo desde cedo, cavando em busca de um equilíbrio que não encontro no cotidiano, de uma combinação que reflita a felicidade e a tristeza de todos e não apenas as dos homens e mulheres brancos, altos, bonitos e ricos – essa ditadura que ainda impera nas novelas e na própria literatura, esse mundo irreal e totalmente descabido em um país pobre e mestiço como o nosso, cujas belezas estão acima desse patamar simplório, falso-norte-americano.
EC – Você se diz um escritor intuitivo e não-erutito, algo que Italo Calvino e Alberto Mangel já definiram como escritor-leitor. Essa característica pode ser considerada, no seu caso, decisiva para o estilo?
Scott – Como eu já disse, não tive formação acadêmica na área literária, mas tenho essa necessidade incontrolável de escrever e me jogar sobre a cegueira do cotidiano. Meus critérios vieram das leituras que fiz (sou desses que lêem tudo que lhes cai à mão). A crítica literária vem afirmando que possuo um estilo singular, uma solidez pouco vista em nossa literatura. Acho ótimo tudo isso, mas a verdade é que não há programa, catálogo funcional das coisas já produzidas. Guio-me quase exclusivamente pelo critério da insatisfação, cavo sob essa referência, contra ela, sufocando-me em seus tantos sinais vermelhos. Chega a ser uma enorme surpresa a tamanha aceitação dos meus textos, pois não são textos fáceis. Penso que a sintonia entre poeta e leitor é algo incontrolável – ou algo te arrebata ou não te arrebata, estabelece-se um plano de pura sensibilidade e inteligência, como já disse o Leminski uma vez. Há pessoas que não gostam de ler, mas gostam de poesia, como se o poema fosse uma peça sólida e única, um universo resolvido em si mesmo, todavia, capaz de sugar eventuais almas – almas escolhidas a partir de critérios imprevisíveis – para dentro, devolvendo-as transformadas para sempre.
EC – Deixando as opiniões de terceiros de lado, qual a intenção artística da tua obra?
Scott – Agora, essa pergunta me pegou. A intenção da obra é o que se resolve diante dos olhos do leitor. O que posso dizer é: quando escrevo, minha última intenção é chocar – como muita gente dizia antes do meu trabalho poético se tornar mais conhecido e elogiado –, pelo contrário, quero a beleza, esteja ela onde estiver, quero retratos dos excluídos do padrão dominante, suas vidas, seus olhares, seus medos, suas buscas e suas soluções. Talvez seja por isso que as resenhas apontem minha escrita como esquizofrênica, claustrofóbica, ardorosa e instigante. Nesse último livro,Senhor Escuridão, busco o olhar dos rejeitados, a esperança necessária que a vida lhes impõe construir, inventar. Em vários textos a voz é infantil ou feminina, é voz de quem sofre agressão, mas também é a voz de quem espera alguma alegria, alguma redenção. Não tenho dúvida de que é um livro bem mais forte do que o anterior, A timidez do monstro – este um livro de solavancos propositais –, mas também é mais lírico, ousa no conteúdo e não tanto na forma. Se há intenção, nesses conjuntos, assim como nos meus contos e romances, é a de arrancar as pessoas, sem discurso barato e rococós, dessa vida de gado, que às vezes parece a única possível, mas que, com toda a certeza, não é.
OUTROS LANÇAMENTOS
Em Um Stálin Desconhecido (Record, 2006, 443 páginas), os historiadores gêmeos e dissidentes soviéticos Zhores e Roy Medvedev recorrem a arquivos históricos para desvendar o fascínio e mistério que envolvem Josef Stalin, um dos maiores enigmas da história contemporânea, morto em 1959. Nos quinze ensaios que compõem a obra, temas controversos são explorados, como os bastidores da construção de usinas e bombas nucleares, o relacionamento de Stálin com os cientistas, o assassinato de Bukharin, as estratégias militares na Segunda Guerra. Na essência desse que é o primeiro estudo detalhado dos arquivos secretos que vieram a público com o colapso da União Soviética, os irmãos Medvedev jogam por terra a crença de que Stálin teria sido assassinado por lideranças soviéticas (Gilson Camargo).
Rogério Bacon – Obras escolhidas (191 páginas) é o oitavo volume da coleção Pensamento Franciscano, da Edipuc/RS e Editora Universitária São Francisco. Frade franciscano que viveu entre 1210 e 1292, Bacon disputa com Santo Tomás de Aquino o status de pensador do século 13. Professor universitário em Paris e Oxford, não poupava críticas à academia, à igreja e ao cristianismo e julgava ser sua missão lutar pela renovação do pensamento científico e religioso. (GC)
Os mais significativos estudos voltados para o entendimento da área do ensino da Arte com relação à cultura estão reunidos em Arte/Educação Contemporânea – Consonâncias internacionais, organizado por Ana Mae Barbosa (Cortez, 432 páginas). Além do ensino da arte na escola fundamental e na universidade, a obra aborda a formação de professores de Arte. (GC)