Foto: Tânia Meinerz
Foto: Tânia Meinerz
Depois de passar por vários formatos de disco, fitas, CDs e outros tipos de suporte físico,
a música avança de maneira vertiginosa para a desnecessidade de mídia, circulando livremente pela Internet, transformada em bits, até chegar aos computadores, aos aparelhinhos tocadores de Mp3, aos nossos ouvidos. Mas nem sempre foi assim. Para se chegar a esse estágio, muita coisa aconteceu tanto nos hábitos de ouvir música quanto na evolução tecnológica para que isso fosse possível, desde que Thomas Edison fez a primeira gravação sonora em 1878 e inventou o fonógrafo. Já no início do século passado, foi necessário que pioneiros espalhados pelo mundo realizassem os primeiros registros elétricos em discos (em escala industrial) para que as pessoas pudessem ouvir música sem a necessidade da presença ao vivo do artista. Parte dessa história ocorreu em Porto Alegre, na fábrica de discos e gravadora A Elétrica, cujo selo Disco Gaúcho marcou época. Enquanto a Europa aprofundava-se na Primeira Guerra Mundial, a jovem indústria fonográfica latino-americana expandia-se, história que é contada em livro pelo pesquisador e músico Hardy Vedana (foto).
Grande parte dos moradores do bairro Glória, na capital gaúcha, desconhece que ali, no antigo número 9, hoje 220, da Avenida Sergipe, funcionou a partir de 1913, por vários anos, a segunda mais importante gravadora e fábrica de discos da América Latina. Atualmente, o prédio está em ruínas, tombado graças ao esforço de Hardy Vedana, mas em estado de abandono e sem perspectivas de mudança dessa situação. O pesquisador sonha em transformá-lo em sede do Museu da Imagem e do Som, cujo acervo estaria “se deteriorando” nas dependências do Auditório Araújo Vianna, segundo ele.
Hardy Vedana tem 78 anos, é natural de Erechim e erradicado na capital. É músico de jazz. Uma lenda viva. Ele está à frente de um importante trabalho de recuperação da memória musical do Estado. Ele é também fundador e presidente do Museu da Imagem e do Som. Essa vivacidade é facilmente comprovada pela farta produção de livros, a maioria versando sobre a memória cultural do Estado. Segundo ele, dezenas de projetos seus estão prontos esperando ganhar luz, faltando apenas finalização; porém, para isso, precisa de financiamento, o que já é outra história. Seu mais recente trabalho é o surpreendente A Elétrica e os Discos Gaúcho, livro de 252 páginas, em capa dura, que remonta a história de dois imigrantes italianos que fundaram em 1913 a segunda fábrica de discos do país e que chegou a ser a segunda mais importante do continente e a quarta do mundo.
Foto: Tânia Meinerz
Pesquisador autodidata, Vedana, já fez de tudo, inclusive foi publicitário, trabalhou na época da fundação da TV Piratini e escreveu em jornais, além, é claro da música, sua atividade principal. Em conversa com o Extra Classe no seu escritório doméstico, local onde fica seu arquivo pessoal, que vai de gibis do Spirit até um catálogo invejável de discos de jazz e literatura, ele garantiu que a repercussão do livro, desde setembro passado, quando foi lançado, até agora, tem aumentado gradualmente, e o interesse das pessoas manifesta-se na procura crescente. “Muita gente vem aqui em casa, até mesmo de outras cidades, para obter o livro”, orgulha-se. Ele admite que se interessou tardiamente pela A Elétrica, pois sempre desprezava a produção regional em detrimento do jazz, sua paixão primeira. Mas isso mudou, quando recebeu uma coleção de discos produzidos nesta fábrica e teve a noção da importância que essa indústria possuiu em determinado período e da falta de documentação e registros sobre o assunto. Começou, então, a pesquisar. Para isso, viajou à Argentina, Uruguai e outras localidades em busca de informações e documentação para remontar o catálogo da gravadora.
A saga dos irmãos Leonetti
Foto: Tânia Meinerz/Reprodução
Vedana conta a história dessa fábrica de discos, como uma saga de dois irmãos italianos, Savério e Emílio Leonetti – um deles teria tirado a virgindade de uma moça em seu país natal e ambos vieram fugidos para a América (isso não está no livro, mas o autor nos relatou extra-oficialmente). Ambiciosos, montaram uma fábrica de discos planos, feitos de cera, instalada na Porto Alegre de 1913 e que chegou a registrar não apenas a música feita no Rio Grande do Sul, mas também artistas de São Paulo, de Montevidéu e de Buenos Aires. O próprio Carlos Gardel, lenda do tango mundial, fez registros sonoros por ali.
“Foi de um pioneirismo indiscutível. Na época, era a segunda indústria do ramo na América do Sul, a quarta no mundo. A outra fábrica sul-americana ficava no Rio de Janeiro. Havia ainda uma na Alemanha e outra nos Estados Unidos: eis aí o quarteto fundador da fabricação de discos planos na história”, conta.
Foto: Tânia Meinerz
Foto: Tânia Meinerz
A obra não se restringe ao formato de livro, conta também com três CDs que trazem registros raros dessas gravações. O livro teve a edição de textos e revisão do jornalista Gilmar Eitelwein, organização e administração de Márcio Gobatto, além da coordenação gráfica de Vitor Hugo Turuga. A apresentação é de Luiz Antônio de Assis Brasil. O projeto contou também com o patrocínio da Petrobrás, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Reprodução e foto: Tânia Meinerz