CULTURA

O cartum gaúcho mostra as suas armas

Por José Weis / Publicado em 17 de julho de 2007

Existe um movimento de renovação, desde a capital ao interior do Estado, do trabalho realizado pelos desenhistas de humor. “Há uma retomada geral de trabalho”, anima-se Eugênio Neves, primeiro secretário da Grafistas Associados do Rio Grande do Sul (Grafar). E não é para menos, começou em junho e se estende até a primeira quinzena de julho o XV Salão de Internacional de Desenho de Imprensa de Porto Alegre (XV SIDI), na Usina do Gasômetro. A exposição reúne 213 obras com a participação de 107 artistas. O evento serviu para, além de reunir os artistas, dar visibilidade da movimentação do setor no Estado. Enquanto isso, Edgar Vasques e a Editora Objetiva estão lançando a antologia da versão em quadrinhos do Analista de Bagé (que foram veiculadas durante sete anos na revista Playboy), o personagem criado por Luis Fernando Verissimo e desenhado por Vasques. Ambos ilustres colaboradores do jornal Extra Classe.

Em quase todos os rincões do Rio Grande, o desenho de humor tem dado sinais de vitalidade. No início de junho, foi lançada a revista Idéia, editada pelos cartunistas Alisson Afonso e Wagner Passos, da cidade de Rio Grande, que também produzem o jornal Peixe Frito. Santa Maria tem o Cartucho, um encontro que reúne cartunistas gaúchos e que acontece desde 1998. O mesmo pessoal anuncia que, em agosto, acontecerá a terceira edição do Santa Maria Cheia de Graça – Salão de Humor do Mercosul, cujo homenageado será Edgar Vasques.

Em Porto Alegre, Eugênio Neves lembra que o Salão Internacional de Desenho de Imprensa (SIDI), ao chegar à sua décima quinta montagem, “é coisa de lei”. Tudo de acordo com o projeto de Lei nº 9.622, de 18 de outubro de 2004. Sua finalidade é a “de difundir a importância do cartum, charge, ilustração, história em quadrinhos e afins, bem como a de sensibilizar o público para esse tipo de produção”, conforme consta no texto do projeto da vereadora Margarete Moraes.

Ana Pettini, da Coordenação de Artes Plásticas da Secretaria Municipal de Cultura, relata que o salão, nesta edição, contou pela primeira vez com inscrições via Internet, “o que possibilitou uma participação maior e o acesso a artistas de locais mais distantes do que nas edições recentes”.

Porém, como já vaticinou o mestre Millôr Fernandes, “não existe humor a favor”. Cado Bottega, segundo secretário da Grafar, tem algumas observações a respeito das dificuldades em concretizar o SIDI que, segundo ele, teria sido preterido pela atual administração municipal. “O Salão deveria constar do Calendário Cultural da cidade”, lamenta.

A coordenadora de Artes Plásticas da Prefeitura admite que houve dificuldades de montagem do Salão, devido ao grande número de trabalhos selecionados, que tiveram de ser distribuídos por categoria para facilitar a visitação. “Tivemos que apertar os trabalhos”, diz Ana Pettini.

O XV SIDI também foi inaugurado no começo de junho na Usina do Gasômetro, em plena etapa de reforma e pintura do prédio. Entre andaimes, operários trabalhando, barulho e muita caliça, é possível se ver as obras em exposição. Para a secretária de Cultura, a Usina, com a afluência de público que tem, não pode parar, “Temos que conciliar as exposições e a pintura. Causa alguns transtornos, mas não atrapalha a visitação e a visibilidade do Salão”, defende Ana Pettini.

Por sua vez, Cado lembra que, em outras edições, o SIDI recebia trabalhos de desenhistas estrangeiros desde a China até a Bélgica, tinha um caráter realmente internacional. Pode-se comprovar isso ao conferir a Mostra Retrospectiva de mais de 60 obras premiadas nas 14 edições anteriores do Salão, pertencentes ao acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli, da Prefeitura de Porto Alegre. Cado observa que, na comparação com eventos semelhantes, inclusive os que são realizados no interior do Estado, o SIDI deixa a desejar. “A premiação do Salão de Santa Maria é melhor do que o de Porto Alegre proporcionalmente”, critica.

E vem da cidade universitária, que já foi o centro ferroviário do Estado, um grupo que já faz a revista Garganta do Diabo, com humor gráfico e de texto, publicada desde os anos 80. Outro criador que faz parte da Garganta, Byrata, acaba de lançar o álbum de HQ Xiru Lautério e os Dinossauros.

Há todo um movimento de jovens desenhistas que são do tipo empreendedores, apostam na criação de novas revistas e jornais, como o Peixe Frito, de Rio Grande. Na mesma cidade, os artistas do projeto Peixe Frito divulgam seus trabalhos por meio do site Vagão do Humor (www.vagaodohumor.com). Existe também o pessoal de Pelotas, liderado pelo cartunista André Macedo.

Bottega vê com otimismo o movimento dos jovens desenhistas e artistas gráficos. A própria Grafar tem mobilizado e participado de exposições temáticas pelo interior. Do eucalipto ao vinho, tudo é uma boa idéia para um cartum ou charge.

Mas o mercado de trabalho atravessa dificuldades e, segundo Eugênio Neves, está saturado de quem não é da área. “Tem um monte de gente que utiliza as ferramentas da Internet”, aponta.

Ele diz que também utiliza o computador, mas antes disso recorre ao processo tradicional em sua criação. Sua produção inclui o desenho feito à mão até a finalização. Só depois disso é que entra o computador. “Uso para escanear e, às vezes, para colorir”, esclarece. Para Eugênio, o que está faltando para muitos artistas é mais criação. “Falta inventividade”, indigna-se. Cado Bottega acrescenta que uma das boas alternativas é o campo editorial, em especial aquelas editoras de livros infantis. “Sempre tenho encomendas”, relata satisfeito.

A volta do homem do joelhaço

Há quase 25 anos, o Brasil ainda era governado por um general-presidente, João Batista Figueiredo, a luta por eleições diretas no país começava ganhar a popularidade e sair às ruas. Nas bancas de revistas, a Playboy, entre a pelada do mês e uma boa entrevista, começava a publicar, em junho de 1983, uma página que reunia o texto de Luis Fernando Verissimo e o desenho de Edgar Vasques. Isso tudo era para dar à luz um tipo e tanto, o tal de O Analista de Bagé, que foi publicado até outubro de 1990.

Agora, a editora Objetiva lança As Melhores do Analista de Bagé (88 páginas, R$ 44,90). “É uma realização de uma velha expectativa de fazer este álbum”, afirma Edgar. Foram 87 sessões, das quais 86 saíram publicadas na revista, uma na Superinteressante e uma que não saiu naPlayboy porque trazia uma situação com uma grávida. “A idéia da revista é vender sexo, não suas conseqüências”, provoca Vasques, o pai do Rango.

A página do analista nascida dessa parceria funcionava em tempos pré-internet. O texto de Verissimo vinha datilografado, só com indicações e os diálogos para que Edgar finalizasse tudo em aquarela. “Às vezes, o Luis Fernando me passava o texto por telefone”, relembra Vasques.

Para ele, foi preciso esperar por uma maior popularização das histórias em quadrinhos (HQ para os aficionados) e despertar a iniciativa das grandes editoras que perceberam que uma boa HQ tem o mesmo valor que a própria literatura. “Uma história em quadrinhos tem a mesma capacidade de resumir toda a experiência humana como qualquer literatura”. Tanto que as HQ passaram a ter nome e sobrenome: graphic novel, ou romance gráfico, assinala.

Além de relançar alguns dos seus trabalhos mais conhecidos, Edgar também está ensinando a técnica de aquarela para jovens desenhistas interessados. Durante esses encontros, os mais novos vão descobrindo as artimanhas do uso de tinta, água e pincel.

Outro projeto em andamento será um curso de extensão na Faculdade de Arquitetura da PUCRS sobre a presença da cidade nas histórias em quadrinhos. Será um retorno de Edgar, que é formado em Arquitetura pela Ufrgs, ao mundo acadêmico.

E também está por sair em breve uma reedição que reúne o traço e o estilo inconfundíveis de Vasques com o humor escrachado da dupla formada pelo maestro Pletskaya e Kraunus Sang. Isso mesmo, sbornianos de plantão, em breve nas melhores casas do ramo o álbum Tangos & Tragédias.

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