Aos três anos de idade, já andava cantarolando pelo pátio de casa, na Ilhota, bairro pobre de Porto Alegre, versos e melodias que ela mesma inventava. Foi batizada em casa pelo vizinho, homem de olhos melancólicos, cantor, boêmio. “Esta menina vai ser cantora porque já chora afinado”, insistia o padrinho, Lupicinio Rodrigues. “Nasci nos braços do Lupi. Ele me deu as dicas, me botou nesse negócio de cantar”, relata Zilah Machado, 78 anos, três discos gravados, mais de 200 composições próprias e muitas histórias para contar.
A mãe, Maria José, hoje com 94 anos, queria que ela fosse professora. “Acho que aconteceu tudo ao contrário”, constata. Na escola, teve problemas “seríssimos”, não queria estudar, teve um bloqueio. “Fui parar num colégio em que não gostavam de negros. Só fui até a quarta série”. Quando completou dez anos de idade, a mãe a matriculou num curso de música clássica. Estudou por 11 anos com o maestro Roberto Eggers. Mas a carreira de soprano ligeiro esbarrou no preconceito: não se admitiam músicos negros nas orquestras. “A música clássica era uma imposição da mãe. Eu queria era cantar samba”.
Deixando clássicos de lado, Zilah seguiu para a Argentina com a orquestra do maestro Délcio Vieira. A turnê durou três meses. Era o início dos anos 60, auge dos programas de auditório com artistas locais cantando ao vivo nas rádios, como o Clube do Guri, apresentado por Ary Rego, naFarroupilha, e o programa de Maurício Sobrinho, na Gaúcha. “Eu cantava num bar em Porto Alegre, depois de voltar da Argentina, quando um senhor elogiou minha voz e sugeriu que fizesse um teste na Gaúcha, estavam selecionando uma cantora para substituir a Elis no programa de Maurício Sobrinho”. Foi selecionada. “Queriam assinar contrato, mas eu falei pro seu Maurício que não ia dar, não tinha roupas para me apresentar em programa de auditório, era filha de empregada doméstica. Ele fez um cheque e me mandou no Guaspari comprar vestidos, sapatos”. Estourou no rádio e na noite da Capital cantando Lupi, Tom Jobim, Vinícius de Moraes no Clube dos Cozinheiros, casa de shows de Lupi e Rubens Santos, no Chão de Estrelas, no Varanda.
Em 1975, deixou os quatro filhos com a avó e foi para o Rio, onde ficaria por nove anos. Trabalhou como lavadeira, morou no subúrbio. Um dia entrou nos estúdios da Rádio Globo. No ensaio, o apresentador do show de calouros provocou a gaúcha: “vai cantar o quê, minha filha? Uma vaneira?”. Zilah cantou Lupicinio Rodrigues. “Gostaram e me contrataram”, relata.
As aparições no programa de Adelzon Alves, na Rádio Globo, renderam convites para cantar com Emílio Santiago, Vando, Ivone Lara, Sargentelli e participações na TV Rio. E também manifestações de preconceito, por ser negra, filha de empregada doméstica, gaúcha. “Elza Soares me chamou publicamente de negrinha comedora de churrasco”, recorda Zilah, soltando uma gargalhada. “Contra a discriminação e as ironias minha única arma é a voz”. Voltou a Porto Alegre com o primeiro disco gravado, Já se dança samba como antigamente (1980). Oito anos depois, veio Lupiciniana e, em 2000, o CD Passageira da nave dos sonhos, com 13 composições de sua autoria. O próximo trabalho, Flamboyant, terá composições de Zilah com arranjos e direção artística de Gelson Oliveira. “Não quero mais gravar coisas dos outros. Quero cantar umas músicas que o povo não ouviu ainda”.
Ao vivo no dia 18 de agosto
No dia 18, às 18h, a cantora e compositora Zilah Machado se apresenta na Fundação Cultural e Assistencial Ecarta (Av. João Pessoa, 943 – Porto Alegre) com o show Zilah Machado canta e conta, acompanhada da cantora Sil, do violonista Silfarnei e do percussionista Marquinhos. Zilah tem muitas canções pra cantar. No repertório, músicas do CD Passageira e composições inéditas que estarão no novo disco, Flamboyant, a ser gravado com recursos do Fumproarte.
Foto: René Cabrales
O show de Zilah assinala os dois anos ininterruptos de shows quinzenais do projeto Ecarta Musical e reafirma a proposta: valorizar a música e os músicos locais e democratizar o acesso da população a esse bem, respeitando a diversidade cultural. Os shows têm entrada franca.
Já passaram pelo palco do Ecarta Musical músicos como Flora Almeida, Frank Jorge, Luciana Costa, Gelson Oliveira, Nelson Coelho de Castro, Nanci Araújo, Jerônimo Jardim, Sema, Marcelo Delacroix, Lucia Helena, Necka Ayala, Loma, Karine Cunha e Bethy Krieger.