CINEMÃO – Na Telinha? Nem Tanto…
O mercado cinematográfico portoalegrense foi dinamizado no último mês com a novidade do 3D, sistema de projeção que simula a terceira dimensão, dando ao espectador a sensação de fazer parte da ação do filme. O mecanismo que já existia desde os anos 50 foi melhorado com a tecnologia digital. Os custos envolvidos são altíssimos, mas não há outra saída para a indústria do cinema frente à evasão de público das salas exibidoras. É um fenômeno que afeta as cinematografias no mundo inteiro, para o qual a indústria do cinema responde com a sofisticação dos efeitos especiais.
A preocupação é pertinente, pois cada vez mais os espectadores migram para formas alternativas de ver filmes, oportunizadas pelo desenvolvimento tecnológico. Basta ter um aparelho de DVD ou acesso à internet com banda larga para ver em casa aquilo que o circuito cinematográfico não oferece. Ou que oferece, mas que as novas gerações, formadas na prática de interferir no espetáculo através de dispositivos como o videogame, preferem assistir em casa. É comum entre os adolescentes baixar pela internet cópias piratas dos filmes em cartaz e assistir apenas partes que interessam.
A integridade da obra artística, dentro da idéia clássica de autoria, é um conceito impossível neste cenário. “Quanto menor o esforço para ter acesso, maior o desrespeito à obra”, salienta o especialista Roberto Tietzmann, professor no Curso de Produção Audiovisual da PUCRS. Ele identifica entre seus alunos a geração formada no ambiente digital. “São aquelas crianças que estavam entrando na escola em torno de 1995, quando começou a expansão da internet”. Tietzmann aponta três conceitos dominantes em relação aos conteúdos na rede: qualquer coisa pode ser baixada, tem que ser rápido de achar e pode-se manipular.
Por outro lado, para quem faz cinema, a tecnologia digital trouxe uma facilidade nunca antes experimentada. É o caso exemplar do filme 3Efes, do diretor Carlos Gerbase, da Casa de Cinema de Porto Alegre. Realizado em digital no ano passado, o filme foi lançado ao mesmo tempo nas salas de cinema, comercializado em DVD, disponibilizado na internet, exibido na televisão em sinal aberto (TVCOM) e a cabo (Canal Brasil). Os números são reveladores. No cinema, durante uma semana, em seis salas, foi visto por 1.290 espectadores. Já na web, disponível no Portal Terra, foi solicitado por 109.300 internautas.
Escolher como assistir é a marca dos novos tempos. Por isso, para sair de casa, pagar ingresso e ficar 2 horas vendo um filme é preciso um bom motivo. A sensação quase física de fazer parte é a promessa do 3D, destinado aos jovens, faixa dominante de consumidores da indústria cinematográfica. É assim que filmes como a aventura Viagem ao centro da terra, concebido e realizado com essa nova tecnologia de efeitos especiais, só podem ser plenamente apreciados num único local: a antiga sala de cinema. Em setembro, os cinéfilos adeptos do cinema em 3D puderam assistir a esse clássico na inauguração do Unibanco ArtPlex, primeira sala do gênero em Porto Alegre.
Grandes conteúdos para pequenas dimensões
Além de estabelecer padrões de conduta entre as novas gerações, a tecnologia altera antigos hábitos. Em lugar de ler um livro antes de dormir, o professor de cinema Roberto Tietzmann, já deitado na cama, assiste num iPod filmes que baixou da internet, a um palmo de distância dos olhos. O equipamento surgiu como um tocador de música ao qual foi agregada uma tela para também exibir conteúdos visuais.
Já são produzidos filmetes para essas pequenas telas, mas a maioria do conteúdo ainda vem da internet. A rede permite que “as pessoas saciem sua curiosidade”, afirma o especialista, enfatizando a formação das comunidades de aficionados. São pessoas que traduzem e disponibilizam os programas ou filmes que mais gostam. Desenhos japoneses são um exemplo. Basta surgir uma animação nova que os fãs traduzem e passam adiante. A qualidade da imagem ainda deixa a desejar. “DVDs comercializados por distribuidoras têm mais controle, mas a rapidez do acesso se sobrepõe”.
Entusiasta dos dispositivos tecnológicos de imagem em movimento, Tietzmann andou se deliciando com programas de 30 minutos sobre a arte das iluminuras na Idade Média, produzidos pela BBC. Para as telinhas os conteúdos não podem ser extensos. O reflexo é o crescimento das séries, produtos audiovisuais versáteis, que transitam com facilidade entre as várias mídias.
Toda essa acessibilidade, no entanto, tem impacto sobre a sensibilidade contemporânea. Pesquisas indicam que a atenção na internet, cuja assistência é de natureza casual e não-motivada, dura no máximo 3 minutos e meio. O resultado é uma atenção cada vez mais fugaz. Em relação a tudo na vida.
Os novos rituais domésticos
Sábado é um dia que o advogado Marco Antonio Bezerra Campos aguarda com expectativa. Instalado numa poltrona confortável ele assiste até três filmes, projetados por um equipamento multimídia numa tela de 94 polegadas. É o home theater, o cinema em casa que simula as condições de uma sala convencional. Sozinho ou acompanhado pela esposa ou amigos, vê filmes que nunca teve oportunidade de ver no cinema, agora disponíveis em DVD.
Campos não chega ao exagero de personalizar como fazem cinéfilos que agregam tapete vermelho, cartazes, pipoca e até um teaser, pequeno filmete de abertura da sessão. Mesmo assim, a escolha do apartamento foi definida pela possibilidade de se instalar um telão. Essa sofisticação tecnológica tem produzido mudanças de hábito. “Os homens passaram a se interessar mais pela casa”, afirma o advogado, ao perceber em colegas uma preocupação que não havia sobre o melhor lugar para instalar a televisão ou as caixas de som.
Mesmo tendo excelentes condições de assistência em casa, vai ao cinema pelo menos duas vezes por semana. Assiste as estréias e não responsabiliza as novas tecnologias pelo afastamento do público. Em sua opinião, a violência nos centros urbanos é o principal fator que mantém as pessoas em casa.
Para Campos, a sala convencional é insuperável. Viajando em função do trabalho, em todas as cidades por ande passa, vai assistir filmes. Nos Estados Unidos, foi aos cinemas imax, cujas telas podem alcançar até 30 metros de altura. Em casa ou nas salas exibidoras, ele não tem dúvida: “quanto maior, melhor”.
Experiência coletiva é insubstituível
Ainda existem pessoas que escolhem assistir filmes da maneira convencional, em grupo, na sala escura iluminada apenas pela tela grande. São os cineclubistas, integrantes do movimento que valorizou o cinema como arte e cultura no início do século 20. O caso mais emblemático é do vigoroso Clube de Cinema de Porto Alegre, com 60 anos de atividade ininterrupta e fiel à experiência da assistência coletiva.
Desde a fundação, em 1948, são realizadas sessões semanais nas salas de cinema da cidade, exibindo filmes aos sábados e domingos, que agora ganham o reforço do acervo em DVD. “É uma maravilha”, entusiasma-se o presidente Hiron Goidanich, o conhecido crítico Goida, que aos 73 anos mantém intacto o entusiasmo de cinéfilo formado nas salas escuras. Não adiantou ter sido presenteado com um aparelho de DVD. Nunca ligou, pois se recusa a ver filmes na telinha. Os cineclubistas só assistem na tela grande, nas salas equipadas com o dispositivo.
Para o aniversário de 60 anos exibiu-se o musical Cantando na chuva, de 1952, e um ciclo de grandes clássicos marca a programação festiva até o final do ano. Além das sessões no circuito, uma vez por mês são realizados encontros na Sociedade Germânia, onde se reconstitui a ambientação de uma sessão convencional, escura, com tela grande iluminada pela projeção, e a assistência em silêncio, atenta ao espetáculo.
A internet e as novas tecnologias revigoraram o cineclubismo, que em 2008 completa 80 anos no Brasil. Depois de uma crise na década de 80, o movimento renasceu das cinzas pela acessibilidade aos filmes, criando novas comunidades de espectadores identificados na paixão pelo cinema.