A canção urbana nasceu brasileira e negra
Ganha edição brasileira, pela primeira vez, tardiamente, depois de 14 anos, As origens da música urbana (Editora 34, 219 p.), do português radicado no Brasil, José Ramos Tinhorão, 83 anos. Estudioso e crítico musical dos mais polêmicos ficou também conhecido por desancar com suas críticas medalhões da MPB como Chico Buarque, Paulinho da Viola e até mesmo Tom Jobim, ao afirmar, por exemplo, que Águas de março seria um plágio.
Neste livro, originalmente lançado em Portugal, em 1997, Tinhorão defende que a música popular tipicamente urbana tem seus primeiros registros no final do século 18, a partir de dois gêneros musicais: a modinha e o lundu, introduzidos na Corte, em Lisboa, pelo cantor e compositor brasileiro, carioca, Domingos Caldas Barbosa (1740- 1800), que tocava viola de cordas de arame.
Em outras palavras, como refere Luis Antônio Giron na apresentação do livro, a música popular praticada na Bahia e Rio de Janeiro teriam, de acordo com o autor, inaugurado a música de mercado no mundo, meio século antes do aparecimento das cançonetas de cabaré parisiense e napolitana. Enquanto a cançoneta de cabaré saiu de moda para ceder lugar ao tango argentino, ao ragtime e ao onestep, só resistiram a cançoneta napolitana, a modinha e o lundu. Outro dado histórico que a obra de Tinhorão contesta é que a modinha surgira primeiro em Portugal e depois teria migrado para o Brasil. Para ele, baseado na documentação encontrada, ocorreu justamente o contrário. Com isso, cai por terra a tese comumente aceita de que a modinha nasceu em berço erudito e de que o sistema tonal é consequência da evolução formal da polifonia até chegar à opera. O estudioso afirma categoricamente que a modinha nasceu no Brasil com sotaque dos negros brasileiros e acabou conquistando Lisboa, onde brancos e negros já conviviam e se misturavam desde o final do século 15, antes do descobrimento. Já a origem do canto propriamente dito teria vindo da entoação épica grega e do romance medieval.
Está para sair, também pela editora 34, do mesmo autor, o livro Festa de negro em devoção de branco: do carnaval na procissão ao teatro no círio, cujo título logo indica um olhar sobre a influência negra, festiva, na tradição cristã, que originou o carnaval tipicamente brasileiro como o conhecemos, iniciando pelos bailes e conquistando a avenida.
Pesquisador e colecionador incansável de partituras, gravações, discos e documentos das mais variadas épocas tendo por objeto a música popular, José Ramos Tinhorão, em 2001, vendeu todo o seu acervo para o Instituto Moreira Salles, de São Paulo, onde pode ser consultado por pesquisadores e interessados pelo site http://ims.oul.com. br/Jose_Ramos_Tinhorao/D132. Fazem parte deste acervo de raridades cerca de 13 mil músicas brasileiras gravadas originalmente em discos de vinil de 78 rotações por minuto.