Histórias dos tempos do celulóide
Foto: César Fraga
Quem assistiu ao filme Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore, recordará a história do garoto Totó, que de tanto olhar o trabalho de Alfredo, um velho projecionista de cinema, aprendeu o ofício. Em Pelotas, nos anos 40, mesma época em que se passou a trama deste clássico contemporâneo, a ficção encontrou a realidade. Um menino de dez anos, chamado José Camillo, foi levado pelo dono do cinema, que era seu amigo, a aprender o ofício. Desde então, dedicou sua vida aos projetores de cinema e às películas.
Curiosamente, além da semelhança com a história do filme de Tornatore, também algumas situações são similares. Em Cinema Paradiso, as cenas de beijo eram cortadas. Por aqui, não era muito diferente, conta Camillo. “Eu projetava filmes em uma paróquia, com um padre muito conservador, que sempre assistia aos filmes antes que fossem exibidos aos fiéis. As cenas consideradas fortes eram encobertas por uma folha, que o padre colocava diante da lente. Nesses pontos, eu aplicava uma máscara de papel e as cenas de beijo não eram projetadas. Para as pessoas, era como se elas cenas não existissem!”, conta, divertindo-se com a própria história.
Ele recebeu a reportagem do Extra Classe em sua residência, localizada no bairro Niterói, em Canoas. Lá ele acondiciona, em uma garagem nos fundos da casa, um verdadeiro museu particular. Diversos equipamentos raros, como filmadoras e projetores de 8mm e Super 8, 9,5mm, 16mm e 35 mm, peças de reposição, filmes e ou tros equipamentos. Muitas latas de filme. Ainda é proprietário do acervo da Distribuidora Porto-alegrense de Filmes Ltda., a lendária Dipa Filmes. Atualmente, com 73 anos, não faz mais projeções comerciais, mas é um dos dois únicos técnicos que prestam serviços de manutenção nos projetores de cinema com película ainda existentes no estado. Apesar do amor pelo que faz, quer desfazer-se de todo o material acumulado. Espera encontrar alguma prefeitura ou governo interessados em adquirir seu acervo para um museu do cinema.
Camillo foi quem adaptou duas máquinas de projeção para a bitola 16 milímetros, idealizadas por ele e fabricadas pela extinta empresa IEC, para uma exposição de artes plásticas que utiliza película como suporte. Seu Camillo, como é mais conhecido, virou figurinha carimbada no meio cinematográfico para várias gerações de jovens cineastas e aficcionados em busca de câmeras Super 8 e 16 mm e seus respectivos projetores. Vale lembrar que Porto Alegre, desde o final dos anos 70 e início dos 80, foi celeiro de cineastas hoje consolidados, mas que fizeram seus primeiros longas nessas bitolas.
EXPOSIÇÃO – “Sem as soluções apresentadas pelo seu Camillo, parte da exposição não seria possível”, explica Bernardo José de Souza, curador da exposição de artes visuais Vanishing Point (Ponto de Fuga), na galeria de arte da Fundação Ecarta, de 18 de novembro e 23 de dezembro, com obras de Cristiano Lenhardt, Gustavo Jahn & Melissa Dullius e Luiz Roque. Os projetores 16mm utilizados nas obras de Gustavo Jhan & Melissa Dullius, por exemplo, foram montados por José Camillo, para que os filmes utilizados pelos artistas pudessem ser projetados em loop infinito.
Mais detalhes em www.fundacaoecarta.com.br