CULTURA

Militância artística por vias alternativas

Em paralelo aos movimentos políticos que se organizam em rede e à margem dos espaços tradicionais, produtores e artistas dão o seu recado e ganham espaço
Por Clarinha Glock / Publicado em 11 de abril de 2012
Bandinha Di Dá Dó durante uma apresentação promovida pelo movimento Fora do Eixo

Foto: Fora do Eixo / divulgação

Bandinha Di Dá Dó durante uma apresentação promovida pelo movimento Fora do Eixo

Foto: Fora do Eixo / divulgação

Uma revolução cultural acontece em diferentes estados do Brasil sem que grande parcela da população − aquela que só se liga nos meios de comunicação tradicionais − se dê conta. O circuito Fora do Eixo(foradoeixo.org.br) é uma rede de cultura livre que começou em 2005 para atender a necessidade de produtores culturais das cidades de Cuiabá (Mato Grosso), Rio Branco (Acre), Uberlândia (Minas Gerais) e Londrina (Paraná) de ultrapassar os obstáculos de “nãos” e portas na cara e driblar monopólios. “A gente queria circular mais artistas, distribuir melhor os produtos, e fazer com que veículos de comunicação se integrassem”, explica Pablo Capilé, 30 anos, um dos gestores. “Em 2006 havia três coletivos integrados, hoje temos 120; no início era só música, hoje é música, literatura, artes plásticas, artes cênicas e artes visuais; nos primeiros tempos a gente colocou 200 artistas para circular, este ano são mais de 20 mil”.

Bancar uma revolução desse tipo exige perseverança. “Precisa ter mais recurso, o poder público tem que estar mais atento, a sociedade civil tem que buscar mais, os próprios movimentos têm que estar cada vez mais comprometidos, mas eu só vejo campos de expansão. Nenhum dos obstáculos é capaz de deter a potência dessas redes conectadas”, acredita. O Fora do Eixo (FDE) defende que é preciso perder o controle. Isso mesmo, diz Capilé: “Inexiste controle, inexiste centro, o poder está nas pontas que, sentindo-se empoderadas, só crescem e replicam novas pontas, distribuindo cada vez mais a história. Quanto mais distribuído, descentralizado e sem controle for, mais fácil todo mundo se sentir partícipe e sensibilizar outros para participar”.

Isso não quer dizer que não há regras de convivência, organização, planejamento e transparência (todas as contas estão na internet para quem quiser conferir). É assim nas Casas FDE espalhadas pelo Brasil, que garantem o funcionamento de um banco com uma moeda própria chamada Card, uma universidade e um partido político com a mesma proposta alternativa de economia solidária e afetiva. São simulacros que servem para difundir a proposta em novas frentes. Em todos os casos, eles “saem do eixo” tradicional e vão à luta para distribuir CDs, vídeos, filmes e livros que antigamente ficavam engavetados por falta de patrocínio, e promover festivais e debates. Nas Casas, as decisões são tomadas por consenso: não em assembleias, mas em conversas que servem para mediar eventuais conflitos, explica Tatiana Oliveira, 27 anos, natural de Londrina, que se mudou para a Casa FDE de Porto Alegre.

Fórum Social Temático e I Encontro do PAN 2012

Foto: Fora do Eixo / divulgação

Fórum Social Temático e I Encontro do PAN 2012

Foto: Fora do Eixo / divulgação

Diferente dos coletivos – grupos de pessoas que se reúnem para angariar e dividir trabalhos − em que os integrantes não têm necessariamente dedicação exclusiva, nas Casas FDE a exclusividade dos integrantes garante o andamento de projetos. Não se trata de uma cooperativa, porque o dinheiro não é dividido igualitariamente por todos, mas de acordo com as necessidades. Do caixa único saem os reais e os Cards para pagar as despesas da Casa, assim como as individuais, devidamente justificadas. Ali há quartos para visitantes pernoitarem por tempo determinado e com um objetivo – a pessoa pode estar ali para ter uma vivência e replicar o conhecimento em seu estado, como Julia Albertoni, 20 anos, natural de Erechim, que estuda História na Universidade Federal em Florianópolis, Santa Catarina, e vai ficar de janeiro a julho de 2012 na Casa FDE de Porto Alegre. “O FDE significa trabalhar com algo que é o nosso objeto de desejo”, explica Atílio Alencar, 34 anos, formado em História pela Universidade Federal de Santa Maria. “A gente trabalha porque quer”, acrescenta. O que, diante da pressão do capital, pode parecer incongruente para muitos, menos para os integrantes do FDE.

Ninguém chega ao grupo por acaso. Julia fazia parte do movimento estudantil de Florianópolis e, junto com amigos, organizava festivais de música. Queria ampliar o número de festivais, não só na universidade. Mapeou as iniciativas que existiam e descobriu o FDE. Tatiana, formada em Letras e Jornalismo, começou fazendo uma “cobertura colaborativa” no Festival DemoSul de Londrina. Participou do Fórum de Cultura Digital e entendeu que havia gente como ela no país todo, querendo pensar algo novo, em formatos e objetivos. Atílio, que coordena o “partido que não é partido, mas uma organização suprapartidária que faz um contraponto aos partidos formais”, era do Coletivo Macondo, de Santa Maria, e descobriu o FDE em 2007, em um festival independente em Porto Alegre. Voltou para sua cidade municiado para articular uma rede nacional, primeiro como parceiro, meio ano depois como um ponto de articulação regional, e agora atua na capital do estado.

A Associação de Produtores Independentes Macondo Coletivo de Santa Maria, criada em 2009, e que leva o nome em homenagem ao escritor colombiano Gabriel García Márquez e a cidade fictícia do livro Cem anos de Solidão, é um dos coletivos integrantes do FDE. No início, eram 30 pessoas, agora são seis, que se dedicam mais ao audiovisual e à comunicação. Fazem sessões semanais do Cine Clube e participam do Grito Rock − Festival Integrado FDE. “É um grupo diverso, que vai se renovando”, explica a socióloga Francine Nunes, 27 anos, com mestrado em Ciências Sociais, que atua no coletivo de Santa Maria.

Com a moeda Card, usada por toda a rede, que adquire cores e nomes locais, o valor monetário é relativizado. “Há locais em que o Card pode ser trocado por refeições em troca de divulgação, em outros por uma consulta ao dentista”, comenta Francine. “Vejo o FDE como um movimento relevante para debates. A gente sabe que os partidos e os grêmios estudantis não dão mais conta, por isso estão surgindo movimentos coletivos mais amplos. Os jovens não estão só reclamando, estão indo atrás para se qualificarem e inscreverem projetos. O FDE é um movimento cada vez menos ligado ao FDE − por isso estamos propondo que o próximo congresso, programado para novembro ou dezembro deste ano, se chame JUNTOS”, observa.

O FDE aposta na continuidade e na formação de novos agentes que saibam dialogar e tenham consciência de sua própria história. Atílio explica que, ao mesmo tempo que entende que a sociedade tem que assumir o controle da esfera pública, não pode dar as costas aos partidos estabelecidos. Neste momento, o Partido da Cultura do FDE busca pautar os candidatos das futuras eleições para que sejam efetivadas políticas públicas que de fato deem conta das manifestações legítimas dos vários “Brasis”. Para isso está organizando um abaixo-assinado contra a “não política” adotada pelo Ministério da Cultura de rompimento do diálogo com a sociedade civil. Em dois dias, entre 21 e 22 de março de 2012, a petição já contava com 5 mil assinaturas.

ARTES VISUAIS 

Ecarta: arte na fachada

Ecarta

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Em 5 de abril, a Galeria Ecarta inaugura a intervenção artísticaConvivência Eterna, da artista Adauany Zimovsky (foto) na fachada do prédio da Fundação. “A ideia foi apropriar-se de um ícone da linguagem urbana contemporânea brasileira, o pixo, revestindo a fachada da Ecarta de maneira a criar uma estampa de frases e palavras. O projeto suscita um debate sobre as polêmicas da pichação”, explica a artista. Segundo ela, o pichador usa o espaço urbano para deixar sua marca, muitas vezes compreendida apenas por seus pares. Diferente das assinaturas e tags dos pichadores, no entanto, a intervenção de Adauany propõe uma outra visão, transformando o indesejado da paisagem urbana em veículo de poesia ao utilizar palavras retiradas de um trecho do livroPedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. O projeto contou com a colaboração de Renan Leandro e Gerson Marques.

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