Chimangos X Maragatos
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O ano de 1923 começou com mais um entrevero de Chimangos, de lenço branco, contra os Maragatos, de lenço vermelho. Eles se engalfinharam para saber quem mandaria no estado. Na verdade, não era uma disputa pelo poder político e sim razões econômicas e sociais que determinaram a Revolução de 23. Uma refrega armada entre Assis Brasil e Borges de Medeiros.
O historiador Moacyr Flores aponta a situação em que viviam os rio-grandenses à época. “O Brasil ainda estava com estruturas arcaicas que já não correspondiam aos movimentos sociais que estavam acontecendo. Principalmente os dos operários, comandados pelos anarquistas”, relembra. Havia também uma migração do campo para a cidade, porque a produção agrícola passava por um processo de mecanização. “A plantação de arroz que era a principal economia agrícola estava usando máquinas”. “Isso dispensou a mão de obra porque antes o arroz era cortado à foice”, exemplifica. Não havia casas nem escolas para tanta gente, que passava a ocupar espaços nos arrabaldes das cidades. A área da educação não era nada animadora: 64% da população gaúcha era analfabeta.
“Os governos de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros perseguiram a utopia positivista de uma sociedade industrial – nas palavras do professor Moacyr – e abandonaram os investimentos no campo”. Priorizaram a industrialização, mas não fomentaram indústrias de base. Começaram com fábricas de tecidos e de alimentos. As máquinas e equipamentos vinham importadas, principalmente da Alemanha.
Opção equivocada para a industrialização
Voltando um instante no tempo, a primeira Grande Guerra (1914-1918) provocou um colapso, porque não foi mais possível manter aquela política econômica de importação de maquinários que vinham da Europa. Na parte agrícola, a grande compradora do arroz produzido no Rio Grande era a Argentina. Também se vendia para outros estados, mas sempre era de produção primária, charque, banha e feijão, sem nenhum valor agregado.
Uma medida arriscada do presidente do estado, Borges de Medeiros, foi a encampação da companhia francesa, responsável pela construção dos molhes do porto de Rio Grande, que dominava as ferrovias no estado. Para isso, Borges de Medeiros retirou os fundos dos bancos e pegou um empréstimo em dólares, dos Estados Unidos – não pode recorrer aos bancos da Europa, pois esta vivia a grande guerra. Desse modo, o governo do Rio Grande do Sul ficou descapitalizado e seus bancos também. Para piorar a situação, quem determinava os preços de produtos como a carne bovina eram os grandes frigoríficos, todos estrangeiros. O controle era tal que, o frigorífico Armour tinha uma linha férrea que entrava na sua propriedade e ia direto ao porto de Montevidéu. Ou seja, um ganho a menos na exportação. “Era uma situação econômica de bancarrota”, analisa o professor Moacyr.
Um tal de Antônio Chimango
O poemeto campestre, publicado em 1915, por Amaro Juvenal, chegou a circular de forma clandestina. Na verdade, o nome do autor era Ramiro Barcelos, aliado e depois um desafeto político de Borges de Medeiros, o Antônio Chimango. No prefácio da 25ª edição, publicada pela Martins Livreiro, o jornalista Carlos Reverbel ressalta que entre as duas primeiras edições houve um hiato de oito anos, a segunda edição saiu em 1923. A obra teve a intenção de caricaturar Borges de Medeiros. Em 1923, também lutou usando magistralmente a verve literária.
Metralhadora para meter medo
Havia um descontentamento desde os grandes estancieiros até os desgarrados, que vinham do campo para a cidade. O historiador analisa que a luta de 23 não foi apenas uma questão política. “A Revolução de 23 é muito mais complexa do que a de 93”, afirma. Derrotado de maneira fraudulenta, Joaquim Francisco de Assis Brasil propôs um Tribunal de Honra, mas não obteve sucesso. O próprio Borges de Medeiros nomeou uma comissão para apurar a fraude eleitoral, que contava apenas com correligionários, entre os quais, aparece o nome de Getúlio Vargas, quanto aos da oposição, simplesmente não foram incluídos.
O objetivo do levante era depor Borges de Medeiros via uma intervenção federal, do presidente Artur Bernardes (1922-1926), porém as forças da União não dispunham de contingente suficiente para interferir. Por sua vez, os maragatos também não tinham armamento pesado à disposição. Os governistas contavam com a Brigada Militar e tinham melhor armamento, inclusive as temíveis metralhadoras. Existe um telegrama que determinava que estas armas só disparassem por cima das tropas inimigas. Não era para atingir diretamente os revoltosos. “Todos sabiam dos horrores que aconteceram na Europa durante a Grande Guerra, quando as tropas eram massacradas pelas metralhadoras”, relembra o professor Moacyr.
O governo federal, embora oficialmente tenha tomado uma posição de neutralidade, “por baixo do poncho” repassava armamento e munições aos legalistas. Borges de Medeiros comandava a resistência desde Porto Alegre através de telefonemas e telegramas. Muitos destes documentos davam conta de libertar algum prisioneiro maragato mais conhecido. Enfim, de acordo com Moacyr Flores, a revolução de 23 não repetiu aquele barbarismo que houve na de 1893.
Havia um o pacto de respeito, as famílias eram poupadas quando os maragatos tomavam uma cidade. “Faziam três coisas; na prefeitura empossavam um novo intendente, queimavam todos os documentos, por isso é que há prefeituras que não têm nenhum registro anterior a 1923, e tiravam o retrato de Borges de Medeiros da parede”.
O fim da reeleição
O jornalista e professor Juremir Machado da Silva aponta que um dos objetivos dos Maragatos foi atingido. Na assinatura do tratado de paz, em dezembro de 1923, no castelo de Pedras Altas, a constituição estadual terminou a possibilidade de reeleição. Com isso, Borges de Medeiros chegou a cumprir seu mandato até 1928, não poderia se candidatar. Assim, os dois grandes grupos políticos, federalistas e republicanos, assisistas e borgistas, os sempre chimangos e maragatos, teoricamente poderiam se revezar no poder. Na eleição seguinte venceu um candidato da situação que daria muito que falar, Getúlio Vargas.
“Esse pessoal da época era muito interessante, porque eram homens de grandes virtudes, de discurso morais, mas na questão eleitoral eles não tinham nenhum problema em fraudar, em fazer morto votar e também eram violentos”, relembra o professor Juremir.
Ele classifica estes tempos como uma pré-história política do Rio Grande do Sul, porém muito recente, afinal faz apenas 90 anos em que matavam com aquela facilidade. Resolviam suas diferenças na ponta de uma adaga e nas patas de um cavalo. E, nesta briga entre chimangos e maragatos, os operários ficaram de fora. Como as direções dos sindicatos eram na maioria de cunho anarquista, o líderes proibiram os filiados de tomarem parte. “A população ficou alheia a tudo isso”, completa.
No seu livro O Combate da Ponte Ibirpuitã (Martins Livreiro, 1982), o pesquisador Antônio Augusto Fagundes encerra com a seguinte exposição: “A Revolução de 23 foi última guerra gaúcha fechando a trindade que se iniciara em 1835 e continuaria em 1893. (…) Como os Farrapos de 35, os Maragatos de 23 conseguiram com a paz o que não conseguiram com a guerra: cláusulas altamente favoráveis na redação final do tratado de paz”.
No entanto, para Juremir Machado da Silva a Revolução de 23 é pouco lembrada porque ela foi “menos heróica, menos sangrenta e de menor duração, menos de um ano”.