Canini morreu, longa vida ao Canini!
Ilustração: Edgar Vasques
Ilustração: Edgar Vasques
Ela também descobriu, na mesma Bíblia, uma lista de nomes de parentes e amigos, além de todos os membros da Grafar (associação aberta a cartunistas, chargistas, caricaturistas, ilustradores e quadrinistas gaúchos). Tratava-se de uma relação de pessoas a quem dedicava orações de forma sistemática. “Nunca fui tão eu como no tempo em que dividi com ele. Humilde, generoso e essencialmente bom”, diz Lourdes, emocionada e com a voz embargada, lembrando que certa vez mandou fazer um pequeno troféu, com a inscrição: “marido ideal”. Mimo que Renato guardava junto com os prêmios e homenagens nacionais e internacionais que conquistou por intermédio do desenho e do humor. O casal vivia atualmente em Pelotas e mantinha um apartamento em Porto Alegre. Não tiveram filhos; além da esposa, Canini deixou três irmãs: Eunice, Damaris e Consuelo Canini.
Para José Fraga, um dos amigos mais próximos nas últimas décadas, trata-se de um episódio emblemático e revelador, que nos explica um pouco mais do homem que existia dentro do artista, esposo, irmão e amigo, surpreendente até na ausência. Como se sabe, além do humor, Canini levava a religiosidade muito a sério, era metodista praticante, lia a Bíblia sempre e orava tanto quanto dedicava-se ao desenho.
Dr. Fraud/Canini
Dr. Fraud/Canini
Kactus Kid/Canini
Kactus Kid/Canini
Tibica/Canini
Tibica/Canini
Entre alguns dos prêmios que recebeu estão o HQ Mix e o Angelo Agostini. Canini também foi eleito o primeiro Mestre Disney brasileiro, além de ter sido homenageado pelo FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, em 2009.
No ano passado, Canini lançou o livro Pago pra ver, coletânea de cartuns, desenhos e ilustrações tendo como tema o pampa e o gaúcho.
Zé Carioca/Canini
Zé Carioca/Canini
Criada originalmente em 2005, para compor o volume 5 da série Mestres Disney – estrelada por Canini –, a história permanece inédita (na época da publicação, a aventura foi substituída por outra escrita e desenhada pelo próprio homenageado). Emulando o inconfundível estilo gráfico de Canini, a HQ estava guardada nos arquivos digitais de Fernando Ventura e foi resgatada para se transformar nessa homenagem especial.
Depoimentos
Edgar Vasques
Edgar Vasques
“No começo dos anos 1970, os desenhos animados na TV eram tudo preto e branco. Quando conheci a Recreio, com aquela explosão de cores e, principalmente, um desenhista que fazia umas galinhas quadradas, foi paixão eterna à primeira vista. Adorava o Zé Carioca verde e amarelo, depois veio o Tibica, Kaktus Kid. Conheci o Canini pessoalmente em 1983 e somos amigos até hoje e continuaremos, mesmo depois dele ter partido. Quando eu quero conversar com o Canini, é só pegar um dos livros dele e abrir…” (Lancast)
“Felizmente já foi dito por todos que o Renato Vinícius Canini era um enorme artista dentro de uma pessoa maravilhosa. Felizes fomos nós os amigos chegados, que usufruímos dos dois. Seguindo a mesma evolução dos grandes mestres da pintura, chegou à sua maturidade artística se expressando por uma extrema síntese gráfica do desenho. Não foi diferente com Joan Miró e Pablo Picasso, que no fim da vida tentavam atingir a depuração, a espontaneidade e a doçura do desenho das crianças”.(Santiago)
“O Canini é sempre citado como aquele que afrontou o imperialismo cultural e abrasileirou o Zé Carioca, mas na verdade o que é mais interessante é que ele fez isso e tudo o mais que ele fez na área – brincou com Freud e o western, ensinou ecologia, explorou o Pampa e seus personagens – com a doçura que lhe era característica”. (Fabio Zimbres)
“Sempre achei que o Canini tinha algo de etéreo, de anjo desgarrado. É um consolo pensar que ele agora está em casa”. (Luis Fernando Verissimo)
Santiago sobre obra de Canini
Santiago sobre obra de Canini
“Eu tive contato com os desenhos do Canini, quando era criança, através da revista infantil Bem-te-vi, editada pela imprensa metodista, de São Paulo. Certa vez, quando eu tinha 5 anos, minha mãe mandou um desenho meu de Santa Maria para lá, ele selecionou e a revista publicou. Os primeiros personagens que eu conheci foram o vagalume Cafuru e a abelha Zabelinha (ali por 1964). Só fui conhecer o Canini pessoalmente em 1975, através do Juska, no tempo em que desenhava o Zé Carioca para a Abril. Mas nessa época ele também fazia cartuns maravilhosos e engraçadíssimos. Além de ser um gênio do humor e da síntese, o Canini era um cara de uma grandeza humana comovente”. (Augusto Bier)
“O Canini era um gozador nato: do mundo, dos outros, de si mesmo. E era tudo isso sem deixar de ser religioso. E era religioso sem ser puritano – a pior forma da religião. E era um cartunista com compaixão pelo humano – a melhor forma de humor. E além disso era sempre civilizado – a mais perfeita forma de conviver. O Canini aperfeiçoou de tal forma a gozação e o convívio que nos pastoreou sem a gente notar – só notamos a sua pastorinha gozada pela ovelha negra. E quando ele se foi, foi em plena forma: no auge da sua arte. Nunca mais outro Canini – a forma quebrou”.(Fraga)