CULTURA

Ecarta Musical: um exemplo a ser seguido

Por Daniel Wolff * / Publicado em 14 de julho de 2014

Ecarta Musical: um exemplo a ser seguido

Fotos: Igor Sperotto

Fotos: Igor Sperotto

Uma das maiores preocupações do músico em formação é o mercado de trabalho. São duas dúvidas concomitantes: Onde vou mostrar minha música? E qual será meu ganha-pão? Em raros casos, a resposta das duas perguntas é a mesma: nos grandes shows, que atrairão um público considerável e polpudos patrocínios.

Isto se dá principalmente em gêneros musicais que agradam às massas, os quais – por causa ou consequência disto – são promovidos nas mídias e reproduzidos nas novelas das grandes redes de televisão. Mas a grande maioria dos músicos, assim como ocorre em qualquer área profissional, é desconhecida do grande público. Isto não significa que sua música é de menor qualidade, apenas menos difundida.

Para estes, o ganha-pão normalmente virá do trabalho como professor (seja em aulas particulares, em escolas de música ou mesma em universidades) ou como membro de uma orquestra ou de um conjunto que atua com regularidade (em casas noturnas, eventos, estúdios).

E a produção musical desta grande maioria de músicos, onde será divulgada? Quando se trata de gravações, além de rádios e de mídias tradicionais, como o CD, temos hoje a internet como principal veículo de divulgação. A rede cumpre um importante papel na democratização da distribuição musical, pois serve tanto ao astro internacional quanto ao músico desconhecido; ambos podem valer-se de inúmeros serviços on-line para fazer com que sua música atinja ouvintes em potencial.

A situação é um pouco mais complicada quando se trata de apresentações ao vivo. Assim como o advento do cinema e da televisão não acabou com o teatro, tampouco os discos, as rádios ou a internet foram capazes de eliminar os concertos, shows, recitais e outras formas de apresentação musical ao vivo. Valoriza-se ainda aquele momento em que vamos a determinado local com o único – ou principal – propósito de ouvir música, de estar próximos ao intérprete que cria, naquele instante, uma performance que também será única.

Mas se tais ocasiões de presenciar o fazer musical in loco ainda existem, não podemos negar que sua frequência foi reduzida em função da música gravada e retransmitida por diversos meios. Até o século 19 as apresentações ao vivo eram a única forma de ouvir música, mas nos últimos cem anos, os discos, a rádio, a televisão e a internet ofereceram uma forte concorrência à música presencial. Por tal razão, é de fundamental importância a criação de séries de apresentações musicais regulares, como é o caso do Ecarta Musical, projeto da Fundação Ecarta.

O principal objetivo do projeto é valorizar a produção musical do Rio Grande do Sul, através de shows quinzenais com entrada franca, sempre aos sábados, na sede da Fundação Ecarta (Avenida João Pessoa, 943, em Porto Alegre).

O horário escolhido, das 18h, é estratégico: aproveita o público que está terminando seu passeio no vizinho parque da Redenção e, ao mesmo tempo, evita a colisão com os tradicionais compromissos de sábado à noite, normalmente marcados a partir das 20h. Como as apresentações ocorrem no mesmo espaço em que funciona a galeria de arte, o público pode aproveitar a mesma visita para escutar um concerto e apreciar uma exposição. Nos seus quase 200 shows realizados desde 2005, participaram músicos de renome como Geraldo Flach, Plauto Cruz, Bebeto Alves e Jerônimo Jardim, entre outros.

Contudo, é importante ressaltar que o Ecarta Musical não oferece espaço unicamente para músicos consagrados: através de editais, são selecionados também artistas em início de carreira, para apresentar lá a sua produção musical. E também estudantes: uma parceria com a Ufrgs permitiu que alunos de destaque do departamento de Música e do programa de pós-graduação em Música  da universidade fizessem a abertura dos shows.

Outro diferencial é a versão itinerante do projeto, que levou a mim, Raul Ellwanger, Quinteto Persch e inúmeros outros artistas para apresentações em cerca de 20 cidades no interior do Rio Grande do Sul. Desta forma, o Ecarta Musical alcança o importante objetivo de descentralizar a cultura, para que a mesma não beneficie apenas o público da capital do estado.

Temos que aplaudir iniciativas como esta, que não apenas valorizam a música gaúcha em suas mais variadas vertentes, como também cumprem uma importante função na formação de plateia. Esperemos que o Ecarta Musical tenha uma longa vida e que inspire a criação de muitos outros projetos semelhantes.

*Músico, professor do departamento de Música e do programa de pós-graduação em Música da Ufgrs – www.danielwolff.com

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