Pequenos bastidores da escrita de Ernani Ssó
Foto: Igor Sperotto
O escritor Ernani Ssó está lançando nos próximos meses seu novo livro de contos Corvos Na chuva. Segundo próprio autor, uma forma de resistência ao desinteresse das grandes editoras em publicar contos. “Não é rentável para elas. Simplesmente não vende. Por isso, aceitei a proposta de uma editora de Natal chamada Jovens Escribas e aproveitei para conhecer a cidade, que ainda não conhecia”, diz brincalhão, esparramado no sofá de sua casa no bairro Vila Nova, onde recebeu a equipe do Extra Classe, numa tarde de maio deste ano. Conversamos sobre sua produção recente que envolve literatura a tradução do Dom Quixote, de Cervantes e seus livros mais recentes. Um deles, Espertos, espertinhos, espertalhões (editora Edelbra), que “são contos populares do folclore mundial (vários do Brasil) sobre gente esperta que acaba sendo enganada por outra mais esperta ainda. Um bom livro que conversa com crianças, de certa forma sobre o momento em que vivemos. As histórias são todas bem-humoradas e o tema, nunca dito diretamente, é a ética, claro”, explica Ssó. Em 2015, ao apagar das luzes da editora Cosac Naify, lançou Como o Diabo Gosta, que marcou um retorno de Ernani à narrativa longa, que desde O Emblema da Sombra, romance de 1998, não publicava. Com o fechamento da Cosac, Como o Diabo Gosta ficou praticamente sem divulgação e distribuição, mas pode ser encontrado na Amazon, juntamente com o restante do acervo da editora.
Extra Classe – Por que as editoras não gostam de publicar contos?
Ernani Só – É um fenômeno mundial. Não acredito em descrédito. Existe um problema comercial. Vende menos, aliás sempre vendeu menos. Uma época virou moda. Todo mundo era contista. Dezenas. Centenas. Concursos, inclusive.
EC – A facilidade de ler os contos na internet não agrava isso, por ser um texto mais curto, de leitura mais rápida, e muitos autores publicarem sua produção em blogs e sites especializados?
Ssó – Há uma diferenciação, pelo menos eu sinto isso, de um conto escrito para ser publicado em livro e um conto para jornal, revista ou internet.
EC – Com mais cara de crônica?
Ssó – É mais ou menos isso. Me parece que quando não é para livro, o resultado é um texto mais leve, menos denso.
EC – E Corvos na Chuva foi pensado para ser um livro ou é um apanhado de coisas que foram sendo produzidas de forma esparsa?
Ssó – A história desse livro é muito longa. Na verdade, comecei a escrevê-lo não como um livro. Eram contos soltos e foram escritos de forma aleatória. Mesmo do ponto de vista formal é um livro diverso, um pouco por causa da época de cada conto e outro pouco porque eu gosto de experimentar coisas diferentes.
Reprodução/Divulgação Reprodução/Divulgação
Ssó – Os últimos foram Baleado e Outra Missa que são já do século 21, mas não recordo qual dos dois foi o mais recente. O que dá nome ao livro foi escrito ainda nos anos 90. O primeiro a ser escrito, baseado em notícia de jornais, como quase todos, chama-se Enterro dos ossos. É de 1977. Surgiu como um argumento para um filme super 8. Eu tinha lido uma notícia na Folha da Manhã sobre um adolescente que roubou um revólver e aprontou horrores já na primeira noite com a arma, inclusive assalto e homicídio. O filme nunca foi feito, mas sobrou o conto. Claro que ficou na gaveta e reescrevi milhares de vezes. O livro era para ter sido muito maior, mas minha autocrítica que não é muito construtiva e não deixou que eu publicasse todo o material arquivado. Meu negócio é escrever contos e jogar fora. Os que se aguentam, que não consigo jogar no lixo acabam em algum livro. (risos)
EC – Mas e o problema do mercado de contos?
Ssó – É que muitas vezes o livro de contos era que nem um LP. Tinha um hit, uma música de trabalho e o resto era meio enchimento de linguiça, porque precisava um determinado número de músicas para completar o disco. E, livros de contos tem muito disso ainda. (mais risos) O cara tem uns dois ou três bons contos e o resto é embromação. Uma vez comprei uma antologia do Rubem Fonseca e fiquei impressionado. Só tinha conto bom. Mais tarde fui ler os primeiros livros entre outros e alguns só gostava de um ou outro conto. Então é isso, a lógica do Best Of, da coletânea.
EC – E o conto que dá nome para o livro, o que tem de autobiográfico e ficção?Ssó – O que tem de biográfico é somente a construção do conto, porque ao longo da narrativa o autor vai distinguindo o que é invenção e o que foi a realidade que inspirou, já que se trata de um conto sobre o próprio processo da escrita de um conto, com um conto dentro. A ideia foi mostrar o bastidor do próprio texto. Aliás, foi dos textos mais rápidos que escrevi, praticamente produzido em duas sentadas, em intervalos de espera entre um compromisso e outro em um só dia.