CULTURA

Casa de Cultura sob denúncia

Por Gilson Camargo / Publicado em 12 de julho de 2016

Casa de Cultura sob denúncia

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Após o fechamento parcial por falta de segurança, em fevereiro deste ano, quando perdeu quatro vigilantes por atraso no pagamento à empresa terceirizada que faz a segurança do prédio, a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) está no centro de nova polêmica.

Desta vez, um manifesto de artistas aponta supostas irregularidades na ocupação das salas de espetáculos, que passou a ser feita por agendamentos e não segue mais os critérios estabelecidos em editais. Eles também questionam a substituição de servidores de carreira lotados na CCMQ por prestadores de serviços terceirizados, denunciam o “esvaziamento” das funções culturais e a “privatização” da Casa com a realização de eventos e festas de cunho comercial, cobrança por sessões de fotografias e filmagens promocionais particulares, retirada de móveis e equipamentos e centralização de decisões pela atual diretoria, entre outras alegações. “A Casa virou um set de filmagem privada para noivas e turistas”, ironiza um servidor público afastado pela atual direção.

Em meio às denúncias da classe artística, no dia 29 de junho a direção da CCMQ empossou o diretor afastado do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. Yuri Victorino da Silva assumiu o cargo de assistente de direção da Casa menos de uma semana depois de ter sido afastado, no dia 24, da direção do Museu pelo secretário de Estado da Cultura, Victor Hugo Alves da Silva. O caso aguarda parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) sobre denúncia de irregularidades e incompatibilidade de Victorino com o cargo que ocupava de diretor do Museu, já que ele é colecionador e comerciante de peças de arte e acervos. No dia 29, um pedido de investigação encaminhado de forma anônima chegou ao Tribunal de Contas do Estado. A denúncia contém uma lista de nomes e irregularidades a serem investigadas na Casa de Cultura.

O Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (Sated/RS) já havia antecipado as denúncias ao deputado estadual Adão Villaverde, da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa. O parlamentar informou que as alegações da classe artística estão sendo analisadas. A proposição de uma audiência pública da Comissão para debater o assunto não está descartada. O presidente do Sated/RS, Fábio Cunha, por sua vez, promete encaminhar um manifesto à Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) e à direção da CCMQ e não descarta levar o caso ao Ministério Público. O secretário Victor Hugo estava em férias. O adjunto, André Kryszczun, não quis se manifestar.

“Questionamos o desligamento de oito servidores de carreira que foram afastados, a perda de projetos de circulação de oficinas, teatro e malabares dos municípios e dos espaços que eram disponibilizados para os jurados do Instituto Estadual de Artes Cênicas e reivindicamos maior transparência na agenda de utilização dos espaços. A gente briga por um edital de ocupação que nunca ocorreu e foi substituído por chamamento público com prazo para a entrega de projetos. Que critérios definem os projetos vencedores?”, indaga Cunha. O presidente do Sated/RS também cobra transparência nas contas e nos contratos da CCMQ. “Queremos saber os valores e como é investida a receita da locação dos espaços, que, aliás, aumentaram 100%, bem como o valor e a destinação do repasse mensal feito pelo Banrisul”, acrescenta.

Descaracterização e esvaziamento
Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (Sated/RS) também questiona a retirada de mesas, cadeiras, vasos de plantas e outros itens, além da interdição de banheiros e corte do acesso à internet sem fio, detalhes que favoreciam a convivência no local. “A passarela de vidro que leva à oficina de arte Sapato Florido, localizada no 5º andar, por exemplo, sofreu uma descaracterização. Os simbólicos sapatos e botinas coloridos transformados em vasos de flores que decoravam o saguão foram retirados”, relata Fábio Cunha. No mesmo andar, na entrada da Biblioteca Lucília Minssen, já não existem mais as mesinhas e cadeiras para os frequentadores. “Cobramos uma definição do significado da CCMQ, se é espaço de acolhimento ou de circulação. A Casa de Cultura é um espaço público e não pode ser usada para fins privados”, justifica Fábio Cunha.

Descaracterização e esvaziamento

Foto: Igor Sperotto

Cunha, do Sated/RS, questiona critérios de ocupação da Casa de Cultura e reivindica mais transparência

Foto: Igor Sperotto

O diretor da CCMQ, Emerson Martinez Fortes, argumenta que a retirada de móveis é temporária, devido às reformas no prédio ou para reposição, já que “alguns estavam sucateados”. Ele alega que itens como vasos de flores representam uma ameaça à estrutura do prédio. “Ninguém calculou o peso daqueles vasos, que estavam em desacordo com o projeto original da Casa e não tinham o aval do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae)”, justifica. Ele garante que o critério para ocupação dos espaços é a diversidade das atividades culturais. “Optamos por não lançar editais porque não havia garantia de ocupação de espaços que estavam em obras”, defende-se. Quanto à terceirização, revela que são dois contratos, com as empresas Job Segurança e Compense Serviços Gerais, e com três profissionais da área técnica que substituíram servidores em cargos de confiança afastados em março por decreto do Governo. Fortes informa que o repasse do Banrisul foi reajustado em 2015 para R$ 50 mil mensais, sendo que 30% desse valor é retido regimentalmente pela Associação de Amigos (AACCMQ).

Descaracterização e esvaziamento

Foto: Igor Sperotto

Fortes quer contemplar “todas as linguagens” e diz que contas são transparentes

Foto: Igor Sperotto

Ele confirma que os valores das locações de espaços foram reajustados em 100% devido ao custo de manutenção da Casa. Em relação à transparência das contas da CCMQ, Fortes afirma que todos os documentos estariam à disposição do Sated/RS. Jornalista e produtor cultural com experiência na promoção de eventos de kerb e outras festas temáticas em Ivoti e ex-assessor na Assembleia Legislativa do então deputado estadual Alceu Moreira (PMDB) – que atualmente é deputado federal da bancada ruralista na Câmara –, Fortes assumiu a direção da instituição em fevereiro de 2015. Explica que a proposta da sua gestão é “abranger todas as linguagens”. “Essa gurizada mais nova acostumada com a ocupação dos espaços públicos também é uma manifestação cultural e queremos cada vez mais dialogar com eles”, resume.

Relações perigosas
Na noite de 7 de abril, o show cênico-musical Fernando em Pessoa, do músico Fernando Büergel, no Teatro Bruno Kiefer, foi interrompido por uma sobrecarga no sistema elétrico, para espanto dos 70 espectadores. Cercado de cuidados, já que o trabalho estava sendo gravado em DVD, o show só pôde ser reiniciado graças à intervenção de um integrante da banda, pois não havia um técnico na Casa. “Foi desconcertante”, define Büergel.

Relações perigosas

Foto: Igor Sperotto

Carvalho, “Seu Zé”, que atuou como iluminador cênico na CCMQ durante 25 anos

Foto: Igor Sperotto

A precariedade dos serviços devido ao corte de servidores de carreira e a falta de estrutura são recorrentes nos relatos de ex-funcionários. “Não há recursos, nem estrutura, o que transforma qualquer profissional qualificado em ‘gambiarreiro’”, sintetiza o técnico de informática José Mário Strattmann, 62 anos, afastado depois de dez anos na CCMQ. “Trabalhei na instituição por quase 25 anos, passei por oito diretores e fui afastado sem maiores explicações”, diz o iluminador cênico José Antônio Souza Carvalho, figura popular entre artistas e frequentadores da Casa.

A relação do técnico de som Francisco José Navarro Ferreira, o Kyco, com a instituição é questionada pela classe artística. Contratado no início do ano para atuar nos teatros, teve o contrato de R$ 4,5 mil mensais rejeitado pela Associação. O documento não foi assinado, mas Kyco continuou prestando os serviços. O técnico confirma que retirou equipamentos de som dos teatros para consertar e os substituiu por equipamentos próprios. Ele explica que esse “é um diferencial” que oferece aos clientes. “Não vamos manter esse tipo de contrato porque o valor é muito elevado e porque essa é uma função do Estado”, explica o presidente da AACCMQ, Eduardo Vital. A associação não tinha conhecimento da decisão de Emerson Fortes de nomear o ex-diretor do Museu de Comunicação Yuri Victorino da Silva, alvo de uma investigação da PGE.

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