Poesia Slam: as minas soltam o verso
Foto: Igor Sperotto
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O significado da palavra slam, as minas não sabiam explicar exatamente. Não é traduzido do inglês para os países de língua não inglesa por tratar-se de uma onomatopeia que define um grande barulho. Pode ser “campo minado”, uma gíria gringa de “estouro”, disse uma delas. A tradução do inglês indica que pode ser “batida”, mas também uma dura crítica. Quem precisa de definição? Slam é um espaço e um tempo de palavra. Lembra rap, mas não tem a música.
O Slam tem um ritmo de fala em um tom crescente de emoção, que prende a atenção e a respiração de quem escuta, que pode interagir com aplausos, ohhhhhs e ehhhhs sem pudor. Slammers (quem participa de Slam) usam da sua lábia com textos críticos sobre assédio sexual, assédio moral, (falta de) paternidade, violência, política, corrupção, preconceitos, diversidade, realidade. Em comum, têm a vontade de conscientizar e provocar mudanças.
Sete mulheres se inscreveram para participar desta 7ª edição. Durante três rodadas, cada uma apresentou uma poesia de sua autoria, em, no máximo, 3 minutos. Pelas regras, não pode usar instrumento musical, a vestimenta é do cotidiano. Pode ler a poesia, e até usar microfone. O Slam das Minas aceita todas as idades, cores, raças, religiões. O júri é escolhido na hora, na plateia, entre as pessoas que se oferecem. Entre as baterias, acontece um intervalo para contabilizar as notas. É a hora do Verso Livre, em que demais convidados, que não precisam ser “minas”, declamam seus poemas.
O primeiro Slam das Minas foi realizado em 17 de dezembro de 2016 em Porto Alegre, ponto de encontro porque é uma cidade central, já que slammers vêm de todos os lados, da Grande Porto Alegre e interior. Por isso, a internet é ferramenta chave. É por ali que as pessoas descobrem o que é Slam, assistem a vídeos, trocam mensagens e se conectam para saber onde haverá a rodada de poesias mais próxima.
“A slammer (Roberta) Estrela D’alva foi a pioneira, em São Paulo, com a Zona Autônoma da Palavra”, explica Vanessa Girlove, nome artístico de Vanessa de Oliveira, 33 anos, profissional autônoma que vive do artesanato de peças decorativas, e uma das organizadoras do Slam das Minas. Vanessa vem de Viamão, e traz na bagagem a experiência do hip hop e do grafite.
“O Slam das Minas nasceu no Distrito Federal por conta desse recorte de sociedade capitalista, patriarcal, racista, fascista, homofóbica”, conta Daniela Alves da Silva, a Dani, 28 anos, estudante de Educação do Campo – Ciências da Natureza de Eldorado do Sul. Ela cultiva ervas, infusões e temperos, que coloca à venda durante o evento. O Slam é um espaço onde as minas têm voz e são ouvidas, resume.
Foto: Igor Sperotto
Mas os Slams não são só organizados pelas minas. Em Porto Alegre, até agosto, havia outros dois: o Slam Peleia RS e o Slam RS. O Slam Conexões reúne participantes de todos os Slams de Porto Alegre. Em Esteio, há o Slam Liberta, e, em Caxias do Sul, o Slam da Montanha.
Em setembro, estava previsto estrear o Slam Chamego, criado por Josemar (Afrovulto) Albino, 30 anos, fotógrafo, malabarista e educador social de Alvorada. Albino venceu a 1ª primeira edição do Slam Peleia e faz questão de estar no Slam das Minas, onde às vezes declama nos versos livres. Em sua cidade, desenvolve o projeto Figueira Negra, de um documentário sobre a participação da população negra na história de Alvorada. “No Slam Chamego a diferença é temática: vai se falar do amor em suas diversas formas”, avisa.
Assim como no Slam das Minas, nos demais a idade de quem participa pode variar. No Slam RS tem gente de 15 a 35 anos, embora já tenham participado slammers com mais idade, contou Mateus Agliardi, 21 anos. Ele é MC, e tem um grupo de rap. Passou a integrar o movimento do Slam para ampliar sua rede. “Tivemos já pessoas da Argentina e do Uruguai nos nossos Slams”, observou.
Os Slams nem sempre acontecem em lugares fechados. Às vezes, a poesia é levada para praças e outros locais públicos. A inspiração dos versos vem da realidade, conta Verte Belle (nome artístico de Francine Diemer), 20 anos, artesã de Montenegro que estuda Artes Visuais e escreve poesia sempre que se sente mexida com situações que a revoltam, como a diferença de classes e a misoginia. Uma das poesias que apresentou na 7ª edição foi escrita no trem, quando viu um menino entrar no vagão e anunciar que estava vendendo algo. Verte anda sempre com um bloquinho na bolsa ou anota os pensamentos no próprio celular.
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O Slam é um canal de protesto. “Quando eu quero falar coisas boas, eu falo para qualquer pessoa, mas quando não é bom, e as pessoas não querem te escutar, tem que gritar”, resumiu Dani. No Slam das Minas, o grito não precisa alcançar muitos decibéis para chegar a quem está no evento. Lá, há olhos e ouvidos atentos, pensamentos soltos, sensibilidades em alta. Porque no Slam das Minas, como elas mesmo dizem quando cada slammer encerra sua apresentação, poesia contamina.
Nat se descobriu poeta
Nathália Gasparini, 26 anos, a Nat, foi a vencedora da 7ª edição do Slam das Minas. Professora de Inglês e Português na Escola Municipal de Educação Fundamental Nossa Senhora do Carmo, na Restinga, e do curso pré-vestibular Território Popular, com sede no Instituto Estadual Rio Branco e no Instituto Federal em Porto Alegre, já havia participado como plateia de outros Slams, mas esta foi a primeira vez que concorreu com seus próprios poemas. Conheceu Slam pelo documentário Nunca me sonharam, em que a slammer paulista Mel Duarte aparecia recitando. “Gostei muito dela e conversei com meus alunos da educação popular. Eles vinham do Slam. Casualmente, a Mel Duarte esteve em Porto Alegre para o Slam Conexões, ouvi ela falando pessoalmente e fiquei apaixonada”, contou.
Nathália começou a flertar com a poesia quando era adolescente, e, como grande parte das adolescentes, escreveu alguns poemas. Gosta também de rap. Foi ao ler um poema de Elisa Lucinda no Verso Livre que alguém perguntou: por que não escreve uma poesia tua? E assim fez. Estudantes do curso popular em que é professora vieram abraçar a mestra, emocionadas, quando ela ganhou o Slam das Minas. “Muito obrigada, muito obrigada, muito obrigada”!, foi o que mais ouviu ao final do evento. Um dos poemas de Nat falava da experiência de ter um “não pai”, ou um pai ausente – e era véspera do Dia dos Pais. Quando chegou ao final da poesia, entre aplausos e elogios, descobriu que muita gente ali na sala viveu ou vivia uma situação semelhante. Os versos tinham atingido os corações.
(N.E.: ouça o áudio na versão web de Nathália recitando o poema em homenagem a seu “não” pai).
Duda quer mudar o mundo
Foto: Igor Sperotto
“(…) Violência, covardia, hipocrisia com toque de… ironia
A gente vê por aqui
Uma raça podre que mata sem nenhum pudor
Que a verdade seja dita: raça podre, sem coração
O que esperar de um país onde o candidato a presidente fala no seu discurso machista: “eu tenho cinco filhos, quatro homens, e na quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”?
Porra de revolução classista, machista, racista
E ainda dizem que a bancada evangélica é idealista, otimista e conquista?
Nesse cárcere, oposição é discórdia,
Transformada em ódio
Ódio do preto, do favelado, do gay, da lésbica (…)”
Trecho do poema de Eduarda (Duda ou Duds) dos Santos, 20 anos, estudante de Artes Visuais, vendedora de trufas, que veio de São Leopoldo para participar do Slam das Minas. “Em versos se consegue expressar melhor o que se sente. O Slam é democrático, e é uma troca também. Gosto de escrever. É legal sentar num lugar, observar as coisas ao redor e pensar que se pode contribuir para mudar o mundo”, diz Duda.
Ju faz poesia como forma de resistência
“Trabalhar pra caramba
Sem poder se aposentar
Vejo seres humanos gritando por salvação
Outros sentados, comendo bicho morto em frente à televisão
(…)
Não se engana com a falsa liberdade
Te vendem ilusão
Na livre espontânea vontade
Você compra, consome, e a tristeza que vem pronta
Seu remédio matinal te deixa o dia inteiro tonta
É que o nível de raiva essa hora já passou da conta”
Trecho da poesia de Juliana Luise, 18 anos, estudante do ensino médio no Colégio Padre Reus. Ju, como é seu nome de slammer, fala de política no colégio e com a mãe. E lê muito, na internet e em livros. “Falo da minha realidade, porque estudo numa escola pública em que os professores estão sofrendo um monte pela falta de salário e outras coisas que afetam o aluno também, e eu tento passar isso nas poesias”, explica. “Uma vez, declamei uma poesia que falava de feminismo, da luta da mulher e, no final, uma menina chorando me disse: me tocou. Posso ajudar a transformar a realidade inspirando outras pessoas e resistindo, porque a poesia é uma forma de resistência”, completa.