E se as vítimas fossem israelenses
Foto: Twitter/Reprodução
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O clima de tensão e violência registrado nos protestos pela instalação da embaixada americana em Jerusalém, que marcaram os 70 anos de fundação do Estado de Israel na segunda-feira, 14, tomou conta da reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, chamada para discutir o conflito na última terça-feira, 15.
Guerra retórica no lugar das bombas e tiroteios. Enquanto o representante da Palestina afirmou ter ocorrido um “crime contra a humanidade”, o embaixador de Israel acusou os governantes de Gaza, o Hamas, de usar seu próprio povo como refém. Até o momento foram registrados 60 palestinos mortos e cerca de 2700 feridos, metade queimados ou atingidos por balas do exército de Israel. Não há informação de vítimas do lado israelense e ONU critica o uso de munição letal em protestos, uma vez que as vítimas estariam desarmadas.
No dia 15, a Oxfam, uma organização humanitária internacional que surgiu em 1942 para socorrer vítimas da Segunda Guerra, condenou em nota as mortes e a desproporção chamada de confronto pelo Governo de Israel: “os soldados israelenses usaram balas reais e de borracha, além de drones, espalhando gás lacrimogênio. Os palestinos respondiam com paus e pedras”, diz o site da organização.
Apesar da reunião do Conselho de Segurança da ONU ter se iniciado após um minuto de silêncio pelos mortos em Gaza, solicitado pela representante da Polônia, Joanna Wronecka, que presidiu os trabalhos e depois que várias nações expressaram preocupação com a violência e outras pediram uma investigação, os enviados palestinos e israelenses iniciaram suas trocas de farpas.
Foto: Eskinder Debeb/ONU Divulgação
“Condenamos, nos termos mais enfáticos, o odioso massacre cometido por Israel na Faixa de Gaza”, disse o palestino Riyad Mansour que pediu a suspensão das operações militares de Israel e um inquérito internacional transparente sobre o que ele afirmou ser um “brutal ataque israelense ao povo palestino que expressou sua resistência”. Mansour ainda criticou a própria ONU por não ter realizado investigações no passado sobre o que chama de violações dos direitos humanos, crimes de guerra e crime contra a humanidade por parte de Israel. “Quantos palestinos têm que morrer antes de agir? Eles mereciam morrer? As crianças mereciam ser tiradas de seus pais?”, afirmou
Foto: Manuel Elias / ONU Divulgação
Para o representante de Israel, Danny Danon, os que os eventos na fronteira “não foram manifestações, não foram protestos, foram tumultos violentos”. Danon declarou que o Hamas tomou o povo de Gaza como refém. “Eles incitam as pessoas à violência, colocam o maior número possível de civis na linha de fogo para maximizar as baixas civis, depois culpam Israel e vêm à ONU para reclamar. É um jogo mortal que eles jogam às custas de crianças inocentes”, destacou.
Danon ainda ironizou o movimento palestino: “Quando eles dizem dia de protesto, eles querem dizer dia de terrorismo; direito de retorno significa a destruição de Israel; protesto pacífico significa incitação e violência.”
EUA apoia Israel, mas outros países pedem investigação
Em sintonia com o seu principal aliado no Oriente Médio, a embaixadora dos Estados Unidos, Nikki Haley, defendeu a força utilizada por Israel. Para ela, “Nenhum país nesta câmara agiria com mais moderação do que Israel”. Nikki Haley disse ainda que os americanos “deploram a perda da vida humana”, mas afirmou aos membros do conselho da ONU: “não se enganem, o Hamas está satisfeito com os resultados de ontem”.
Apesar da ponderação americana, Alemanha, Reino Unido, Irlanda e Bélgica pediram uma investigação independente. Para Karen Pierce, embaixadora do Reino Unido, “O volume de fogo usado em Gaza ontem e o conseqüente número de mortes é angustiante e não pode ser ignorado pelo conselho”.
França defendeu o direito dos palestinos protestarem
Nesta terça-feira outras ações marcaram o campo da diplomacia contra o ocorrido na faixa de Gaza. A Irlanda convocou o embaixador israelense para expressar sua insatisfação; a Turquia, que está pedindo que os países de maioria muçulmana revejam seus laços com Israel, pediu a saída temporária do embaixador de Israel em seu território e Israel fez o mesmo com o cônsul turco em Jerusalém. O recado mais duro foi o da França: em ligação telefônica para o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, o presidente Emmanuel Macron disse que os civis palestinos tinham o direito de protestar pacificamente.
MARCHA – Os eventos de segunda e terça-feira ocorreram após um protesto palestino de seis semanas chamado “Grande Marcha de Retorno”. Segunda-feira foi o aniversário da criação de Israel e terça-feira marcou o dia em que os palestinos chamam de “Nakba”, ou “Dia da Desgraça”, que lembra anualmente os mais de 700.000 palestinos que fugiram ou foram expulsos de suas casas após a fundação do estado judeu.
O Nakba deste ano foi marcado pelos funerais dos 58 palestinos mortos na segunda-feira. Nesta terça-feira, mais duas mortes foram relatadas e, apesar dos receios de uma nova onda de violência, a calma prevaleceu quando os mortos foram enterrados.
Reprodução/YouTube
Repórter britânico questiona: “e se fossem 50 israelenses?”
Em artigo publicado nesta terça para o The Guardian, o veterano jornalista britânico Jonathan Steele, questiona “imagine o ultraje que os governos ocidentais expressariam se terroristas matassem mais de 50 israelenses nas ruas de Tel Aviv em um único dia”. Para o jornalista, o silêncio da maioria das lideranças políticas ocidentais “é ensurdecedor”.
Considerado um dos principais correspondentes do jornal britânico, com passagens por conflitos como a guerra civil em El Salvador, revolução nicaraguense, Invasão dos Estados Unidos em Granada e a cobertura da guerra do Kosovo entre histórias no Oriente Médio como a cobertura da invasão americana e inglesa no Iraque, Steele afirma ainda em seu artigo que o pior são as tentativas de justificar as mortes como autodefesa legítima.
“O Hamas certamente encoraja os protestos, buscando destacar a intransigência e a crueldade israelenses; mas taxar os jovens manifestantes como se fossem robôs sendo manipulados para agir como ‘escudos humanos do Hamas – como os porta-vozes oficiais israelenses fazem – é minimizar a genuína frustração e agonia que muitos moradores de Gaza sentem”, sentenciou.
São Paulo: ato em frente à Fiesp
Manifestações de solidariedade ao povo palestino ocorreram simultaneamente no mundo inteiro. Em São Paulo, o Nakba Day foi realizado na avenida Paulista em frente a sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo Soraya Misleh, coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino, a ideia do ato em frente à Fiesp objetivou denunciar o apoio da federação ao estado de Israel. Entre os dias 18 e 22 passados, a Fiesp projetou em sua fachada a bandeira de Israel, disse Soraya. Para a ativista, “é hora de amplificar o chamado por embargo militar a Israel no Brasil e fortalecer o movimento internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) pelos direitos humanos do povo palestino”.