Alta costura, carnaval e resistência
Foto: Igor Sperotto
Foto: Igor Sperotto
Derivado do Creole, a língua geral dos negros na diáspora africana, o termo Griot passou a designar os estudantes afrodescendentes “gritadores” da sua cultura na França e em Portugal e chegou ao Brasil com os escravos como Griô. É um termo universalizante – adotado também por povos indígenas – que define aquele que cultua e transmite o universo da tradição oral, guarda a história, a cultura e as ciências das comunidades. Em contraste com o desdém e o desprezo aos velhos que caracterizam a cultura ocidental, os mestres e mestras Griô são figuras merecedoras de reverência e respeito para os afrodescendentes e outros povos.
No final de setembro, o sarau Sopapo Poético – Ponto Negro da Poesia dedicou uma noite de homenagens e reconhecimento, com música e roda de poesias para uma autêntica Mestra Griô, a costureira e carnavalesca Sirley Amaro, 83 anos. Memórias, costumes e resistência nas histórias revividas nas rodas de canto e dança no Centro de Referência do Negro (CRN), no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. O Sopapo Poético é um sarau afro-brasileiro criado em 2012, que evoca o protagonismo negro em uma roda de atuações, reflexões e convivências, reunindo artistas, pensadores e simpatizantes da cultura negra de resistência em encontros mensais promovidos pela Associação Negra de Cultura (ANdC).
Nascida em Pelotas, na zona sul do estado, no dia 12 de janeiro de 1936, filha do cozinheiro e carnavalesco João Xavier da Silva, Sirley Amaro relata que a mãe, Ambrosina Soares, “inventava pomadas e unguentos com ervas e temperos” e que na infância viveu intensamente os conhecimentos transmitidos pelos pais. Começou a trabalhar como costureira profissional de Alta Costura aos 13 anos, em 1949, encerrando sua carreira profissional em 2007, aos 71 anos, no mesmo ano em que foi reconhecida como Mestra Griô pelo Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura.
Também é marcante a sua ligação com o Carnaval, do qual participa desde os oito anos de idade até hoje. “Naquela época, existiam os blocos pequenos que se reuniam e rumavam para o centro da cidade, numa praça chamada Redondo, e ali a festa ia madrugada adentro”, recorda. Integrou os clubes negros de Pelotas Depois da Chuva e Chove-não-Molha, desde 1944. “Em Pelotas, tem um grupo afro que chama-se Grupo Odara, que foi uma das coisas da comunidade negra que eu consegui vingar, e eles até consideram que eu seja uma das que botou água na raiz. Porque a nossa cultura negra, ela custou muito a ter voz, a ser valorizada, a gente poder começar a mostrar a dança, não ficar só, porque durante muitos anos ficou que o negro era só jogador de futebol ou pra fazer carnaval”, ressalta.
Sua primeira oficina como contadora de histórias foi sobre o cabelo afro para as Meninas do Instituto de Menores de Pelotas. Atua junto ao Núcleo de Arte, Linguagem e Subjetividade desde 2010 e especificamente com o projeto Confraria do Fuxico desde 2013, ano em que foi vencedora do Prêmio Culturas Populares Edição 100 anos de Mazzaropi. Em 2015, ganhou o Prêmio Movimenta SeCult/Pelotas e, no ano seguinte, o Prêmio Mestres e Mestras de Tradição, por meio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura/Diretoria de Arte e Cultura/Incubadora Cultura Viva da Ufrgs.
A homenageada se orgulha de ter influenciado o vínculo entre o carnaval e as festas populares de origem africana. “Ela é uma ativista cultural que sempre trabalhou na cultura popular, especificamente no Carnaval, e que, concomitantemente, era costureira de Alta Costura, trabalhando para as madames mais importantes de Pelotas”, explica o professor e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas Felipe da Silva Martins, que estuda o trabalho de Sirley e, em 2007, registrou a sua influência na oralidade e na musicalidade com a dissertação de mestrado É pela arte toda, pela história de vida: As representações da música nas vivências Griô, da Mestra Sirley Amaro.