CULTURA

Entre flores e serpentes, Cláudia Sperb comemora três décadas de arte

Por Lelei Teixeira / Publicado em 17 de maio de 2021
 Cláudia Sperb comemora seus 30 anos de carreira em exposição na Galeria Ecarta, em Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto

Cláudia Sperb comemora seus 30 anos de carreira em exposição na Galeria Ecarta, em Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto

Instigar olhares. Trazer múltiplas e novas narrativas para uma produção vasta. Expandir a visão e democratizar conhecimento sobre uma arte múltipla, rica em detalhes e totalmente gerada em meio à natureza. É com base nessas premissas que a artista e professora de arte Cláudia Sperb comemora seus 30 anos de carreira em exposição na Galeria Ecarta, em Porto Alegre.

Natural de Novo Hamburgo, ela é uma das artistas visuais mais respeitadas do estado. Nesta exposição, intitulada Cláudia Sperb – 30 Anos de Arte, o público encontrará uma seleção de 35 obras em xilogravura, que destacam as diferentes fases criativas de Cláudia. A visitação presencial (Av. João Pessoa, 943) ou virtual (www.ecarta.org.br) pode ser feita até o dia 23 de maio. (NE: foi prorrogada até 30 de maio)

Todas as obras estão acompanhadas de textos expressivos sobre sua produção, assinados por personalidades de várias áreas da cena cultural brasileira, que transitam tanto no mundo das artes como da ciência: Alice Urbim, Arlete Santarosa, Armindo Trevisan, Cíntia Moscovich, Edgar Mai, Gal Opido, Helena Thonnigs, Isabela Schiaffino Sperotto, Jards Macalé, Marcelo Delacroix, Maria Tomaselli, Maristela Salvatori, Rejane Zilles, Renata Rubim, Romero de Andrade Lima, Rubem Grillo, Vagner Cunha e Walter Karwatzki.

ESPAÇO CULTURAL – A Fundação Cultural e Assistencial Ecarta também comemora em 2021 seus 16 anos. Faz parte das celebrações o projeto Seleção Ecarta, que neste ano apresenta o trabalho de Cláudia Sperb. A mostra dá continuidade a uma série anual, que já apresentou nomes significativos da produção artística contemporânea no Rio Grande do Sul, como: Mário Röhnelt, em 2018; Clóvis Dariano, em 2019; e Milton Kurtz, em 2020.

Todas as estações

Ela transita com naturalidade e leveza pelas estações do ano, faça chuva ou faça sol, frio ou calor, com o soprar do vento, forte ou não, entre claros e escuros, luzes e sombras. Cláudia abre horizontes ao desenhar ou esculpir outras possibilidades para os devaneios. E sua dança vai se desenvolvendo entre tons, cores, aromas e outras formas que pulsam vida e querem liberdade.

Do povo do sertão, que resiste às travessias para sobreviver – entre desertos, espinhos e, talvez, algumas flores –, podemos chegar com suas xilogravuras ao cordel e ao Movimento Armorial da década de 1970, idealizado pelo escritor e dramaturgo Ariano Suassuna. Ações que jogaram luzes e enalteceram a cultura popular do nordeste brasileiro.

É a arte ancorada em nossas raízes, misturando tudo para refletir a plenitude do andar da vida, que carrega dor e alegria, afeto e desafeto, guerra e paz. São os alicerces necessários para a sobrevivência/resistência. É o masculino, o feminino e a fecundidade. E nesse andar, a arte de Cláudia Sperb é também literatura porque ela é uma grande contadora de histórias. Histórias que se espalham pelo seu jardim – um ateliê-parque de mosaicos coloridos, xilogravuras, entre outras técnicas, em um ambiente mágico que integra arte e natureza nativa, no município de Morro Reuter/RS.

Música que brota das imagens

Sem dúvida, Cláudia Sperb faz música enquanto toca e tece a matéria bruta com que trabalha e vai transformando em gravuras, quadros e esculturas. A afirmação é do reconhecido ator, compositor e cantor Jards Macalé: “Sou músico e, para mim, Cláudia, em seu trabalho plástico, é uma grande musicista.

Cada obra dela eu traduzo em som para meus olhos. Vejo/Ouço seus materiais. Suas gravuras, quadros, esculturas me levam a um universo imerso em imagens fantásticas. Amo a imaginação de Cláudia. Ela é a cobra, cavalo e as borboletas que tanto amo”.

Mãos mágicas e a recriação da natureza

É ouvindo, observando e recriando a natureza com suas mãos mágicas, as quais enchem de cores, formas, luzes e sons os nossos caminhos, que ela descortina outros universos. É “uma artista evolucionária, na linha de Darwin”, como tão bem definiu o historiador de arte Armindo Trevisan, que diz ainda que ela consegue “despojar os seres da sua aparente agressividade, humanizando-os”, como faz com as cobras, presença marcante no seu trabalho.

As mãos fecundas de Cláudia também fazem dança ao mexer na matéria-prima. Germinam vidas, geram alimentos e atiçam o nosso imaginário ao dar luz às plantas, flores e jardins que realçam o encantamento, o lúdico e a diversidade em movimento. Enaltecem a magia da biodiversidade com leveza, “mosaico a mosaico”, afirma o biólogo Edgar Mai.

Para ele, sua arte parece não ter limites, permitindo uma ou todas as possibilidades: “As floreiras são sem limites e os canteiros infinitos horizontes, uma a uma, todas em conjunto, convidam o olhar a um lugar para dialogar, brincar, passear, amar, sonhar, se apaixonar e viver o Jardim Cláudia Sperb!”.

Todas as obras estão acompanhadas de textos expressivos sobre sua produção, assinados por personalidades de várias áreas da cena cultural brasileira

Foto: Igor Sperotto

Todas as obras estão acompanhadas de textos expressivos sobre sua produção, assinados por personalidades de várias áreas da cena cultural brasileira

Foto: Igor Sperotto

Sentido ao olhar e as histórias da avó

Ela dá um novo sentido ao nosso olhar. É interessante observar que seus mosaicos redimensionam a percepção que temos das serpentes. E aqui volto ao que diz Armindo Trevisan: “O que importa em Arte é tentar sentir o que se vê, e ver o que se sente. No caso da Cláudia Sperb, sinto o que talvez pouca gente sente: que suas cobras são belas porque não são venenosas. Uma das funções da Arte Visual é despojar os seres de sua aparente agressividade, humanizando-os, inserindo-os no imaginário dos seres racionais”.

Essa trajetória é também reconhecida pelo colega Walter Karwatzki: “Inspirada nas histórias da avó, de que ‘as flores nascem do arroto das cobras’, Cláudia Sperb se tornou uma grande contadora de histórias. Este é o seu grande dom. Sua arte é contação”. Contação que ainda se traduz em poesia, como definiu a escritora Cíntia Moscovich: “Serpente encantada, / forma jubilosa, / que se concentra em pedaços de cor / e de tanta luz, / tanta, / na língua sinuosa / dos teus caminhos / seremos os sinais / de fim ou de início / de partida ou chegada. / Tudo lindo: / tudo é caminho”.

O enigma da serpente e as flores pelo caminho

Foi ainda na infância, em Novo Hamburgo, que ouviu da avó uma frase poética e não esqueceu. Ao perguntar sobre a origem das flores, ouviu dela: “Elas nascem de um arroto das cobras”

Foto: Igor Sperotto

Foi ainda na infância, em Novo Hamburgo, que ouviu da avó uma frase poética e não esqueceu. Ao perguntar sobre a origem das flores, ouviu dela: “Elas nascem de um arroto das cobras”

Foto: Igor Sperotto

Consagrada no espaço das gravuras, Cláudia Sperb encarou muito cedo o enigma das serpentes como objeto para a sua arte. Começou a desvendá-lo pouco a pouco, aproximando-se de um universo de interesse restrito dos cientistas. Foi ainda na infância, em Novo Hamburgo, que ouviu da avó uma frase poética e não esqueceu.

Ao perguntar sobre a origem das flores, ouviu dela: “Elas nascem de um arroto das cobras”. Uma resposta que aguçou sua fantasia infantil e a fez abandonar o estigma que associa a serpente à traição e ao pecado original, descrito no Gênesis.

Cláudia cresceu entre flores e serpentes. Ao instalar seu ateliê em um dos cumes dos mais elevados do Rio Grande do Sul, já se inspirava nas curvas e peles das serpentes para gravar suas primeiras xilogravuras.

Criadas a partir de quebras de azulejo, suas serpentes sugerem um novo sentido ao olhar, especialmente pelos padrões coloridos que modificam a relação das pessoas com os bichos. No seu caso, os peçonhentos.

Seus mosaicos coloridos lembram as criações do arquiteto espanhol Antoni Gaudí. Sem dúvida, Cláudia Sperb faz parte daquele grupo de artistas que são impulsionados por uma força interior de construção de um mundo melhor. Um mundo mais diverso e criativo, com menos preconceito, de paz e sonhos, que transborda pelo seu pequeno bosque, nas paredes das construções e nos caminhos e jardins que compõem o ambiente em meio à sombra das árvores.

"As obras da artista enaltecem a magia da biodiversidade com leveza, mosaico a mosaico”, afirma o biólogo Edgar Mai.

Foto: Igor Sperotto

“As obras da artista enaltecem a magia da biodiversidade com leveza, mosaico a mosaico”, afirma o biólogo Edgar Mai.

Foto: Igor Sperotto

EXPOSIÇÃO PERMANENTE – Para usufruir das sensações provocadas pela arte de Cláudia Sperb, além da visita à exposição na Fundação Ecarta, também podem ser agendadas visitas ao Jardim de Cláudia – Caminho das Serpentes (em Morro Reuter, Via RS 873, Km 2), em um espaço totalmente integrado à natureza, aberto aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 18h, com agendamento pelo telefone 51 998114432. No local, há uma pequena loja com algumas obras de arte, camisetas, vestidos, livros exclusivos, etc. No local, também é possível ficar hospedado em um dos pequenos quartos de casal, simples, mas acolhedores. Veja no Facebook e Instagram (@caminhodasserpentesoficial ).

Sobre a artista

Cláudia Sperb nasceu em Novo Hamburgo. Formada em Artes Plásticas pela Feevale-RS, fez várias especializações em artes visuais e história da arte no Brasil e no exterior. Hoje vive no seu ateliê-parque de mosaicos, no Caminho das Serpentes Encantadas, no município de Morro Reuter. Seus mosaicos coloridos, xilogravuras e outras técnicas são fruto de pesquisas. Já realizou exposições individuais e coletivas, no Brasil e no exterior, com o tema das serpentes e as múltiplas texturas criadas para peles imaginárias de serpentes, na técnica de xilogravura.

Cursou cerâmica em Valência/Espanha, realizou viagens de estudos à Índia, desde quando passou a se dedicar à gravura, especialmente a xilogravura. Residiu e trabalhou em São Paulo/SP e já expôs em diversos museus no país. Tem obras espalhadas pelo mundo e participou de exposições coletivas na Alemanha, Argentina, Austrália, Bélgica, China, Cuba, Japão, Egito, Estados Unidos, França, Polônia e Portugal. Suas obras estão também em acervos públicos e privados no Egito, Argentina (Buenos Aires), Índia (Calcutá) e Polônia (Biala). Entre as premiações que recebeu, destacam-se o Prêmio Açorianos de Artes Plásticas do RS – Destaque Gravura/ 2006; Prêmio Exposição, 16º Salão de Artes Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre/RS; Prêmio Aquisição – Salão de Arte Pará/ 2004.

Na exposição, intitulada Cláudia Sperb – 30 Anos de Arte, o público encontrará uma seleção de 35 obras em xilogravura, que destacam as diferentes fases criativas de Cláudia. A visitação presencial (Av. João Pessoa, 943) ou virtual (www.ecarta.org.br) pode ser feita até o dia 23 de maio.

Foto: Igor Sperotto

Na exposição, intitulada Cláudia Sperb – 30 Anos de Arte, o público encontrará uma seleção de 35 obras em xilogravura, que destacam as diferentes fases criativas de Cláudia. A visitação presencial (Av. João Pessoa, 943) ou virtual (www.ecarta.org.br) pode ser feita até o dia 23 de maio.

Foto: Igor Sperotto

 

 

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