Artistas lutam pelos recursos dos fundos de Cultura em Porto Alegre
Foto: Igor Sperotto
Foto: Igor Sperotto
O segundo semestre deste ano será crucial para o setor cultural de Porto Alegre. A partir de agosto, uma série de esforços iniciados em junho deve se acirrar, com o objetivo de resgatar os recursos públicos de direito do setor.
De um lado, os artistas, com o apoio dos partidos de esquerda, pleiteiam a aprovação do Projeto de Lei do Legislativo nº 057/20, o qual busca a utilização dos fundos de Cultura para pagamento de auxílio emergencial a trabalhadores do setor na Capital.
De outro, o secretário municipal de Cultura, Gunter Axt, trabalha para retomar os editais do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (Fumproarte), enquanto planeja aplicar R$ 1 milhão do Fundo Pró-Cultura (Funcultura, criado em 1978) no Edital de Coinvestimento para Auxílio Emergencial do governo do estado.
Ambos os lados lutam pela volta da aplicabilidade das verbas, que passaram a ser escassas nos últimos quatro anos.
Criados para fomentar a atividade artística e a preservação do patrimônio histórico e cultural do município, na prática os fundos de Cultura nunca foram executados integralmente.
“Mesmo nos governos de esquerda, não se usava toda a potência desses recursos”, considera o ator, produtor e oficineiro teatral Hamilton Leite, integrante da Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais. “Ainda assim, os governos de esquerda foram os que mais utilizaram esses recursos para o fomento da criação artística, e, na época, a verba aplicada era superior a 80% – apesar de não chegar a 100%, ficava próximo disso”, avalia.
Cultura a pão e água
Foto:Mateus Raugust/ PMPA Foto: Margareth Leite / Divulgação
“O sucateamento do Fumproarte, criado em 1993” teve início em 2004, recorda a atriz e produtora Tânia Farias, integrante do grupo teatral Ói Nóis Aqui Traveiz.
Ela observa que os recursos desse fundo – nos anos que ocorriam editais para o setor – viabilizaram a criação de vários espetáculos de rua e de palco.
“É significativa a participação nas artes de Porto Alegre neste período. Somente no segmento do teatro, o Fumproarte possibilitou uma multiplicação de grupos, que hoje não recebem mais incentivo nenhum”, destaca Tânia, lamentando o desmonte na Cultura também em âmbito nacional.
Por conta desse abandono, os artistas têm se mobilizado de várias formas, inclusive indo para as ruas, para defender o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Em Porto Alegre, o cenário de escassez agravou com a implementação da Lei Complementar nº 869, de 27 de dezembro de 2019.
A partir daí, 90% dos recursos que eram repassados ao fomento da Cultura na cidade passaram a escoar para outros compromissos do Executivo.
Lembrando que a legislação é uma iniciativa do governo Marchezan (2017 a 2020), Axt resume: “Na época, entendeu-se que existiam outras prioridades, como pagar o salário dos servidores em dia, e direcionar recursos para a saúde, educação, etc.”.
Além de autorizar o Executivo municipal a reverter os saldos financeiros de fundos ativos e extintos ao Tesouro Municipal, e estabelecer regras para a movimentação financeira da maioria dos fundos (não somente os da Cultura, mas com exceção dos Fundos da Criança e do Idoso), a lei criou o Fundo de Reforma e Desenvolvimento Municipal e extinguiu o Fundo Municipal de Compras Coletivas e o Fundo Monumenta Porto Alegre. Este último também era destinado ao setor cultural.
Herança maldita
Foto: Mateus Raugust/PMPA
Com isso, os recursos dos fundos foram drenados para o ajuste fiscal do governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), e o (pouco) orçamento que sobrou minguou as ações do setor.
Além de verba escassa do Funcultura utilizada pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC), também não foram realizados durante os quatro anos da gestão passada editais importantes, como os do Fumproarte.
“Nós não recebemos dívida do Fumproarte, mas o orçamento deixado pelo governo anterior é muito baixo”, admite o atual gestor da SMC.
Ele destaca que, apesar de não abrir editais de incentivo por quatro anos, o ex-secretário da pasta, Luciano Alabarse, sanou o passivo da gestão anterior (Fortunati/Melo).
“Os projetos selecionados nos últimos editais do Fumproarte não tinham recebido os recursos por falta de dotação orçamentária”, explica.
Axt também observa que, “por conta do contingenciamento determinado no último governo”, atualmente o orçamento executável, do Fumproarte “na prática”, é de R$ 11 mil.
Para se ter uma ideia do que isso representa em termos de desmonte, levantamento realizado junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) sinaliza que de janeiro a julho de 2021 o Fumproarte e o Funcultura somavam, cada um, R$ 4.538.678,91.
Já o Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Fumpahc, criado em 1977) tinha R$ 1.512.892,97. Juntos, os três fundos somam R$ 10.590.250,00, mas, em função da Lei Complementar nº 869, seguem sendo destinados para outras ações do município.
Auxílio emergencial
O secretário de Cultura pontua o esforço da pasta em se credenciar no edital do governo do estado para empenhar R$ 1 milhão do Funcultura com foco em auxílio emergencial para os trabalhadores do setor.
Pelo edital, o governo do estado complementaria os recursos com pelo menos mais R$ 2 milhões, mas pode chegar a R$ 3 milhões. Ele também destaca que há compromisso de recomposição gradual dos fundos da Cultura.
“A meta é recuperar 20% dos fundos em 2021 e 50% em 2022, e assim por diante”, afirma. Sobre os editais que a SMC pretende abrir com recursos do Fumproarte, ele adianta que ambos serão de R$ 150 mil. “Um será destinado para o segmento de hip hop e outro para mulheres negras do artesanato.”
Tânia Farias ressalta que, apesar do aceno dos recursos provenientes do Edital de Coinvestimento do Estado, que só irá beneficiar CPFs, a classe artística deve continuar lutando pela aprovação do PL nº 057/20 (batizado de PL Malu Viana).
Uma das emendas do projeto defende a proposta de utilizar os valores dos três fundos de Cultura para o pagamento de um salário mínimo mensal para cada profissional autônomo, mas também para coletivos e espaços culturais independentes (Pessoa Jurídica) que tenham perdido suas fontes de renda em função da pandemia do novo coronavírus.