Zoravia Bettiol: a sublimação do mundo pela arte
Foto: Igor Sperotto
Zoravia Bettiol considera a visão o seu sentido mais aguçado. “É ela que me conduz a observar o mundo de forma muito objetiva e, ao mesmo tempo, recriá-lo e sublimá-lo pela arte”. Assim, de forma simples e igualmente objetiva, a artista define sua escolha pelas artes visuais.
Aos 86 anos, Zoravia mantém uma rotina de intenso trabalho no atelier em sua casa, na zona sul da capital, e em inúmeros outros projetos. Em parceria com vários movimentos e coletivos artísticos, ela está empenhada também em restaurar a Casa dos Leões, na Rua dos Andradas, para sediar o Instituto Zoravia Bettiol e ofertar à cidade mais um espaço de promoção de arte e cultura.
Desde do dia 26 de março, a Galeria Ecarta homenageia Zoravia Bettiol durante as festividades de aniversário de Porto Alegre com a exposição A artista e sua cidade, uma dupla homenagem. A curadoria é de André Venzon. A abertura ocorre no dia 26 de março, das 10h às 15h, e segue até 8 de maio, com visitação de terças a domingos, das 10h às 18h (na Avenida João Pessoa, 943, em Porto Alegre).
“Quanto à exposição que apresentarei na Galeria Ecarta, a convite do André Venzon, ela pertence a um arco no tempo que vai de 1956 a 2021, com 48 obras, sendo que as séries Mendigos e Tipos de Rua e Paisagens de Porto Alegre estão entre os primeiros trabalhos. A série mais recente é Divina Rima, que são gravuras digitais baseadas nos desenhos feitos para o livro Divina Rima – um diálogo com a Divina Comédia de Dante Alighieri, com texto de Gilberto Schwarstmann”, explica Zorávia.
Foto: Reprodução/Divulgação
Homenagem e aniversário da capital
André Venzon, curador da exposição, lembra que o evento integra as atividades culturais do aniversário de 250 anos de Porto Alegre. “Em uma de suas milhares de casas, naquela da Fundação Ecarta, temos a honra de homenagear a cidade através de uma das suas mais ilustres cidadãs”, festeja.
Para ele, se a forma simbólica da cultura é a arte, a vida de Zoravia não é apenas a própria arte, “é um símbolo” da nossa cultura.
“Todos somos por natureza criativos, mas alguns de nós são capazes de fazer os anjos protestarem, colocar “cavalinhos no céu”, evocar dos deuses olímpicos aos orixás com a força e beleza das cores, ter intimidade com a história de Eva a Alice no país das maravilhas, defender a terra e os direitos humanos, estar ao lado do povo não apenas porque é onde todo o artista tem que estar, mas porque “só o povo pode fazer o tempo novo”, define.
60 anos de carreira
A trajetória plástica de Zoravia, ao longo destes mais de 60 anos de carreira, é cheia de diversidade técnica e estética. Forma um vasto conjunto de obras relacionadas à gravura (linoleogravura, xilogravura, monotipia, serigrafia, litografia e ponta seca) arte têxtil (tapeçaria e formas tecidas) pintura, desenho (à lápis, bico de pena, colagem e técnica mista), joias (de prata e têxteis) objetos (cadeiras), esculturas (metal), murais (pintura, pastilha, gravado em cimento, com metal, gravado em madeira), headdresses e figurinos, instalações e performances.
A partir da sua primeira exposição, em 1959, a artista literalmente rodou o mundo, tendo participado de mais de 156 mostras individuais e mais de 350 coletivas em centenas de cidades no exterior. Entre elas, Washington, Paris, Praga, Varsóvia, Genebra, Lisboa, Roma, Milão, Madri, Estocolmo, Buenos Aires, Montevidéu e Punta del Este.
Preocupação social
Zoravia conta que constatou, ainda criança, a pobreza no mundo. Essa experiência foi impactante para a menina de apenas cinco anos. O que inspirou fortemente suas primeiras obras. “Minha primeira série de gravuras retrata este universo da pobreza que, como constatei depois de adulta, é de uma grande injustiça social. Por estes motivos, eu, como cidadã e artista, me envolvo para denunciar e combater, pois a maior chaga no nosso país é a desigualdade social, cultural e econômica”, sintetiza.
Foto: Reprodução/Divulgação
Seleção, a escrita sobre a obra
A exposição de Zoravia Bettiol integra a quinta edição do projeto Seleção Ecarta, uma atividade especial da Galeria Ecarta que a cada ano destaca um artista. Além da mostra, são convidadas diversas personalidades para escrever sobre uma obra específica do artista. Os textos são publicados ao lado da obra durante a exposição, no site e nas redes sociais da Fundação Ecarta.
Entre os nomes convidados e já confirmados para a homenagem a Zoravia estão: Alice Urbin, Beatriz Araujo, Claudia Sperb, Fábio Baraldo Pimentel, Francisco Dalcol, Francisco Marshall, Gilberto Schwartsmann, Graça Craidy, Henrique de Freitas Lima, Irene Santos, Jane Tutikian, Jessica De Carli, Leonardo Melgarejo, Liana Timm, Luciano Alabarse, Marcio Carvalho, Margarete Moraes, Paulo Amaral, Paulo Herkenhof, Renato Rosa, Roger Lerina, Sandra Dani, Tulio Milman, Valeria Barcellos, Vera Pellin e Zeca Brito.
Exuberante em vitalidade e imaginação
Para o professor, promotor cultural e escritor Francisco Marshall, “a arte de Zoravia Bettiol é exuberante em vitalidade, inteligência, imaginação, ironia, humor, cor e belos efeitos. É a arte perfeita, que convida e premia a sensibilidade, e torna melhor a nossa vida. Isso porque a artista é também uma cidadã de mente arguta, sensível às questões decisivas e pronta para converter em imagens as mensagens que todos devem compreender, em nossa comunidade, na cidade, nesta nação e no mundo”.
“Nada de alienação, mas também nada de sucumbir ao peso dos fatos: a estes, por graves que sejam, Zoravia reage imediatamente com o pensamento certo e a atitude alegre e criativa que nos infundem otimismo e esperança. O caminho desta arte tão direta requer um conhecimento profundo da história da cultura, das linguagens da arte e suas possibilidades, e opções que Zoravia adota sempre com grande generosidade, querendo ir com graça ao encontro de seu público. É fácil e gratificante tornar-se admirador de Zoravia e apaixonar-se por sua arte. Temos todos que rejubilar por vivermos no mundo de Zoravia Bettiol, um mundo de encanto, saber, atitude e vida plena”, conclui.
Vida, livros e filme
A artista visual nasceu na capital gaúcha em 1935, graduou-se em pintura pelo Instituto de Belas Artes de Porto Alegre. Estudou desenho e xilogravura em meados dos anos 1950 no ateliê do escultor Vasco Prado (1914-1998), com quem foi casada durante 28 anos.
Em 2007 foi lançado o livro em edição bilíngue (português e inglês) Zoravia Bettiol: a mais simples complexidade, com textos de seis especialistas. Ela também teve sua vida e obra contadas no documentário de longa-metragem Zoravia, o Filme, dirigido por Henrique de Freitas Lima.
Um de seus trabalhos mais recentes foram as ilustrações do livro Divina Rima, lançado no final de 2021, a Divina Comédia para jovens, escrito por Gilberto Schwartsmann, contendo 39 ilustrações da artista produzidas em apenas cinco meses durante a pandemia.
Outra iniciativa atual que tem seu empenho é a mostra Amazônia – Universo de Contrastes, uma parceria entre a Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa e o Instituto Zoravia Bettiol, que reúne obras de artistas visuais, refletindo a cultura indígena e denunciando a situação crítica enfrentada pela maior floresta tropical do mundo.