A cultura e as tradições gaúchas perdem Nilza Lessa
Foto: Stela Pastore
Natural de Santana do Livramento, Nilza Lessa, viúva do escritor, poeta e folclorista Luiz Carlos Barbosa Lessa, faleceu na manhã desta terça-feira, 2, em Porto Alegre.
Nilza casou-se em 1961 com Lessa, que se notabilizou também como compositor e pesquisador da história do Rio Grande do Sul e foi colunista do Extra Classe desde o início do jornal até a data de seu falecimento, em 2002.
O casal teve dois filhos, Guilherme (que vive e trabalha em Porto Alegre) e Valéria, que migrou para os EUA nos anos 1980. Em Nova Jersey, ela dá continuidade ao trabalho dos pais, contribuindo para a divulgação das tradições e do folclore gaúchos, ministrando aulas de danças gauchescas para os imigrantes brasileiros, especialmente para a comunidade do Rio Grande do Sul que lá se estabeleceu.
Assim como o marido, Nilza também se tornou um ícone do tradicionalismo gaúcho. Em 2012, aos 79 anos, fez história no RS ao ser eleita a primeira mulher patrona dos festejos farroupilhas.
Representatividade
Na época, a viúva do escritor, folclorista e historiador foi escolhida por unanimidade pela comissão organizadora. Ouvida pelo EC, Beatriz Araújo, Secretária da Cultura do RS, destaca a contribuição de Nilza, chamando atenção para aspectos importantes, como o fato de ter sido a primeira mulher a ser eleita patrona dos festejos farroupilhas, em 2012.
“É com pesar que recebi a notícia do falecimento de Nilza Lessa, cuja contribuição para a cultura gaúcha é ampla e de conhecimento público. Seus engajamentos com o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e com os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) ajudaram a consolidar aspectos importantes da identidade do nosso povo. O reconhecimento por toda a sua contribuição veio ainda em vida, quando, em 2012, foi eleita a primeira mulher patrona dos festejos farroupilhas. Assim como Barbosa Lessa, Nilza deixa um vazio enorme na cultura do Rio Grande do Sul. Neste momento de despedida, me solidarizo com familiares e amigos”, manifesta.
Para Elma Sant’Ana, escritora e Conselheira Honorária do MTG, a morte da amiga representa uma perda irreparável para as mulheres do tradicionalismo gaúcho, lembrando que ela sempre será considerada uma referência.
“Fiel às tradições, foi uma parceira constante quando fui eleita a 2a. Patrona dos Festejos Farroupilhas, em 2017, tendo a honra e a responsabilidade de sucedê-la. Seus ensinamentos e seu apoio foram fundamentais na minha trajetória no tradicionalismo”, reconhece.
Mulheres artesãs
Jac Sanchotene, captadora cultural, amiga e vizinha de Nilza, destaca que ela não era apenas a viúva de um homem cujas contribuições foram igualmente importantes.
Para Jac, Nilza tinha luz própria e teceu parcela significativa de contribuição junto ao MTG e a um grupo de mulheres artesãs.
“Foi também uma exímia artesã, que ajudou a criar e a consolidar o grupo de artesanato Bichos do Mar de Dentro, que confeccionava peças únicas, desde pequenos botons até grandes colchas em patchwork que reproduzem bichos originários das áreas de margem da Lagoa dos Patos. Ajudou não só a resgatar e a mostrar a cultura da região, mas também a gerar trabalho e renda para muitas artesãs. Moradora do Centro Histórico de Porto Alegre, foi uma importante participante das ações do Movimento Viva Gasômetro. Vai deixar muita saudade”.
Companheirismo
“Não tenho palavras para externar a tristeza que sinto pela perda de uma amiga. Éramos amigas e estávamos sempre juntas. Sempre a visitava no centro de Porto Alegre. Foi uma pessoa que fazia um trabalho muito bonito, e acompanhou o Lessa a vida toda, sempre ao lado dele. Foi uma mulher que teve uma atividade importante e reconhecida pela comunidade. Sinto muito pela sua passagem”, expressa Marina Paixão Côrtes, viúva do Folclorista Paixão Côrtes.
Baluarte do feminismo
“Nilza, mulher gaúcha pioneira do movimento de 47, à frente do seu tempo. Nilza Lessa leva muito do que somos e a base do sentido e valor do tradicionalismo através da nossa simplicidade e autenticidade. Nunca se curvou às regras impostas pelo movimento, seguiu sempre sendo autêntica e divulgando o tradicional, simplicidade, liberdade, humanidade, igualdade que os nossos pioneiros como Lessa enraizaram”, acrescenta Liliana Cardoso, primeira patrona negra dos festejos farroupilhas, em 2021.
Construção da identidade do gaúcho urbano
Foto: Acervo Pessoal/ Reprodução
“Dona Nilza Lessa era uma pessoa afável no trato e firme nas ideias. Participou ativamente dos trabalhos e desafios que notabilizaram seu marido, Luiz Carlos Barbosa Lessa, apoiando as pesquisas que vieram constituir a identidade do gaúcho moderno e urbano”, define o historiador Luiz Claudio Knierim.
“Ela fez parte do primeiro time de mulheres que iniciaram o movimento cultural tradicionalista. Por essa razão, em 2012, quando diretor técnico da Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (IGTF), propus o nome dela, e a Dona Nilza foi a primeira mulher a ser Patrona Estadual dos Festejos Farroupilhas”, relembra.
Ele relata que no seu longo período de viuvez, Nilza preservou e manteve o acervo e a obra de Barbosa Lessa, fiscalizando as apropriações ou deturpações que frequentemente surgiam.
“Certa vez, em um espetáculo musical no Teatro da Assembleia Legislativa, um artista anunciou que a próxima canção a ser apresentada seria Negrinho do Pastoreio, uma música anônima do Folclore Rio-grandense. Dona Nilza se levantou no meio da plateia e, com uma voz alta e firme, sentenciou: ‘O autor do Negrinho do Pastoreio dormiu comigo por muitos anos, e ele não é anônimo, ele é Luiz Carlos Barbosa Lessa’”, relata.
Em 2013, o historiador e museólogo Giovanni Mesquita, por meio da IGTF, organizou a Exposição 10 vezes Lessa. Na ocasião, Dona Nilza ofereceu todo o seu apoio e, generosamente, abriu sua casa e disponibilizou o acervo pessoal do esposo para compor aquela manifestação de memória, relata Knierim.
“Manteve uma vida sempre ativa com seu trabalho de artista e artesã, criando e confeccionando colchas e travesseiros. Nos tecidos, reproduzia a imagem da fauna pampeana, dos personagens das lendas”. O historiador lembra ainda que, além de se ocupar com a arte e o folclore, Dona Nilza atuou em causas ambientais. “Foi junto com Barbosa a idealizadora e fundadora da Feira Ecológica do Bom Fim, que existe há mais de 30 anos”.