CULTURA

Camelos e a invenção do Brasil

O ponto de partida deste vigoroso retrato sobre as mazelas das origens do Brasil é o inusitado desembarque de camelos no cais de Fortaleza, na manhã ensolarada de 18 de junho de 1859
Por Gilson Camargo / Publicado em 16 de setembro de 2022

Foto: Renato Parada

Delmo Moreira, autor de ‘Catorze Camelos’: “Ali o país se inventou como nação”

Foto: Renato Parada

No livro Catorze camelos para o Ceará – A história da primeira expedição científica brasileira (Todavia, 2021, 288 p.), o jornalista gaúcho Delmo Moreira reconstitui, à base de muita pesquisa e contextualização, uma aventura épica recheada de pioneirismo, tragicomédia, burocracia, traições e escândalos – com uma narrativa que investiga as origens de boa parte dos problemas do Brasil contemporâneo, como o racismo.

“A nossa incapacidade de apoiar a ciência e a pesquisa vem desde lá”, suspeita. Para o autor, sempre que olhamos de perto um acontecimento do século 19, vem uma sensação de atualidade, de coisas bem conhecidas. “Ali, o nosso país foi sendo inventado como nação. O problema é que grande parte da agenda ficou incompleta, com desafios que até hoje não superamos. O maior deles é o que fazer com 300 anos de escravidão”, afirma o jornalista, que tem passagens pelas principais redações do país.

Uma expedição improvável

Foto: Arquivo Nacional

O barão de Capanema (1824-1908) foi um dos três grandes personagens envolvidos na expedição científica reconstituída no livro

Foto: Arquivo Nacional

O ponto de partida deste vigoroso retrato sobre as mazelas das origens do Brasil é o inusitado desembarque de camelos no cais de Fortaleza, na manhã ensolarada de 18 de junho de 1859. Na praia, uma comitiva de políticos e cientistas acompanha o içamento dos animais, que chegam saudáveis ao Brasil depois de uma viagem abaixo de tempestades por 34 dias desde Argel, capital da Argélia.

A ideia era aclimatar os dromedários no estado, reproduzi-los e usá-los para substituir as mulas de carga, em uma tentativa de aproximação científica com a França em um momento de projeção do Império no cenário político mundial. Assim começava a expedição patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) para registrar a fauna, a flora, elementos da topografia e os hábitos do país.

Capa: Reprodução

Catorze camelos para o Ceará – A história da primeira expedição científica brasileira (Todavia, 2021, 288 p.)

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A expedição, do Rio de Janeiro para o Nordeste e Norte do Brasil, foi capitaneada pelo engenheiro e mineralogista Barão de Capanema, o botânico Freire Alemão e o poeta e etnólogo Gonçalves Dias, autor de Canção do Exílio e de I-Juca-Pirama. “A história de vida dessas personalidades, brilhantes, contraditórias e muito diferentes entre si, foi tão importante para a narrativa quanto as viagens. Entender o mundo deles, o lugar de onde vinham, os conhecimentos que dispunham, as expectativas que levavam. Compreender melhor aquele tempo ajuda a compreender melhor aquela história”, destaca.

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