Multipalco inaugura Teatro Oficina Olga Reverbel
Foto: Júlia Muri/ Multipalco Theatro São Pedro/ Divulgação
O Multipalco Eva Sopher, pertencente ao complexo cultural Theatro São Pedro, inaugura nesta segunda-feira, 27, Dia Mundial do Teatro, às 18h, o Teatro Oficina Olga Reverbel.
Destinado a apresentações artísticas, o espaço possui palco, galerias e plateia móveis distribuídos em 350 metros quadrados.
A capacidade, em seu formato original, é para 120 espectadores, podendo ser ampliada de acordo com as especificidades de diferentes montagens.
O Teatro Oficina nasce para atender à demanda da criação de espetáculos e propostas experimentais de artistas e coletivos das artes da cena.
O nome da escritora e professora de teatro Olga Reverbel foi escolhido por 54% dos votantes em consulta popular que ocorreu pelo site do Theatro São Pedro entre 1º de fevereiro e 1º de março, numa lista que contou também com os nomes de Carmen Silva, Irene Brietzke, Ivo Bender e Mauro Soares.
A solenidade de inauguração contará com a presença de autoridades, intelectuais, imprensa e convidados da classe artística, e será marcada pela apresentação do monólogo O Homem e a Mancha, texto de Caio Fernando Abreu dirigido por Aimar Labaki e encenado pelo ator Marcos Breda.
O ator falou ao Extra Classe sobre o sentimento e a responsabilidade de ser o artista escolhido para estrear o palco.
“Imensa honra e prazer participar da inauguração do Teatro Oficina Olga Reverbel. Olga e Caio, dois nomes superlativos para a Cultura e a Arte do RS. São nomes que dispensam qualquer apresentação. Sua fama os precede. Parafraseando Barthes (Roland Barthes, O prazer do texto, ed. Perspectiva, 1987), trata-se para mim de honra e prazer. É isso. Mais prazer do que honra, na verdade, pois sabemos que honra por vezes é imerecida. Mas prazer nunca o é. Evoé!”, exaltou Breda.
Elisabeth Reverbel de Souza, artista plástica e filha de Olga, destaca que é “imensa a satisfação” de saber que sua mãe é lembrada pela influência que teve no teatro e na cultura gaúcha.
“Nossa família está orgulhosa por saber que o trabalho da mãe foi valorizado e reconhecido com esta grande homenagem, mais ainda ao observarmos que sua escolha para nomear o Teatro Oficina se deu em uma votação que teve outras personalidades igualmente importantes para o mundo do teatro”, expressou.
Precursora do teatro na educação
Foto: Cristiano Goldschmidt
Olga Garcia Reverbel (São Borja, RS, 1917 – Santa Maria, RS, 2008) é considerada precursora do teatro na educação no RS e uma das pioneiras no Brasil, ao lado de Maria Clara Machado (Belo Horizonte, MG, 1921 – Rio de Janeiro, RJ, 2001), de quem era amiga.
Vinda de Santana do Livramento, Olga chegou a Porto Alegre em 1939, onde passou a lecionar no Instituto de Educação General Flores da Cunha, criando ali o Teatro Infantil Permanente do Instituto de Educação (TIPIE), que alcançou enorme sucesso entre as alunas e a comunidade escolar e local.
Em 1941, Olga casou-se com o jornalista e escritor Carlos Reverbel e, em 1947, ambos partiram para um período de estudos em Paris, França, onde ela ampliou seus conhecimentos da prática teatral.
Durante sua carreira, Olga passou também pelo Colégio de Aplicação e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde lecionou no Departamento de Arte Dramática e na Faculdade de Educação.
Além da docência, escreveu dezenas de livros dedicados ao ensino de teatro e, depois de aposentada, abriu a Oficina de Teatro Olga Reverbel, pioneira do gênero na capital gaúcha, ajudando na formação de artistas e na preparação dos que buscavam o ingresso nos cursos superiores em teatro.
Reconhecimento público e da crítica
Foto: Acervo Olga Reverbel
Crítico teatral, professor da PUC-RS e presidente da Fundação Theatro São Pedro, Antônio Hohlfeldt acentua que Olga Reverbel valorizou os cursos de formação de professores, em especial de professoras, num tempo em que não se reconhecia a importância de tal formação.
“Foi com aquelas jovens que Olga resolveu constituir um binário entre a educação e a arte, através do teatro. Por outro lado, Olga Reverbel também valorizou a educação na medida em que incluiu a formação em teatro no campo da educação de crianças”, ressalta.
Hohlfeldt lembra que ainda hoje, na universidade, quando fala em dramaturgia, os alunos lhe perguntam por que existe o preconceito em não incluí-la na literatura, oportunidade em que ele consegue elucidar questões importantes a respeito do assunto.
“Olga Reverbel antecipou-se a este distanciamento, ultrapassando-o: as alunas dela conheciam Literatura a partir da Dramaturgia, o que significava não apenas formar professores, mas formar público para o teatro. Valorizar o teatro para crianças enquanto caminho para a valorização da dramaturgia em geral foi outro pioneirismo de Olga Reverbel. Devemos muito a ela neste campo. Infelizmente, os responsáveis pelas políticas públicas da educação não aprenderam com ela nem souberam seguir suas lições”, observa.
Nesse sentido, Beatriz Araujo, Secretária de Estado da Cultura, afirma que a escolha do nome de Olga para o Teatro Oficina foi providencial, uma vez que o espaço oferecerá múltiplas possibilidades a serem exploradas pelos atuadores.
“E não apenas no Teatro Oficina, mas em todos os espaços que fazem parte do Complexo Multipalco. Estamos preparando as estruturas e o ambiente para os artistas e para o público, organizando programas permanentes de aprendizagem em arte e cultura, tudo em diálogo com as práticas pedagógicas de Reverbel, contribuindo para que o estado avance no campo da educação e da formação profissional, numa tarefa enfrentada em conjunto, de forma transversal, por todos os órgãos da administração pública”, detalha.
Lúcia de Fátima Royes Nunes, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), lembra que defendeu sua dissertação de Mestrado sobre a professora gaúcha em 31 de março de 2003 – portanto, há 20 anos.
Ela recorda que foram muitas as vidas “transformadas pela generosidade” de Olga, e que o “privilégio da convivência” durante o período da pesquisa a fizeram entender a intensidade do trabalho e da personalidade da mestra.
Para Lúcia, Olga foi uma mulher à frente da sua época, que deixou um legado imenso aos artistas e aos educadores. Passados 20 anos da defesa do seu mestrado, neste momento em que a comunidade cultural reconhece o talento, a contribuição e o pioneirismo de Olga, a professora da UFSM recorda uma passagem que consta da sua dissertação e que demonstra a preocupação, o cuidado e o carinho que Reverbel tinha não só com seus alunos, mas com quem demonstrasse interesse por seu trabalho.
“Comentei com a Olga sobre o meu comportamento ao expressar-me como professora, como atriz e como pesquisadora, situações que desencadeavam um tremor nas mãos e um aperto no estômago, e a Olga afirmou que essa reação seria o meu termômetro – e isso está escrito em minha dissertação. É interessante que guardo e mantenho comigo este olhar sensível da Olga. Após 20 anos de defesa, continuo com o termômetro vivo!”, revela.
Depoimentos
Foto: Acervo Olga Reverbel
“O ano é 1978. Recém-chegada a Porto Alegre, entro pela primeira vez na residência de Olga pelas mãos de Suzana Saldanha. Duas lembranças marcantes: livros transbordando das paredes e a formidável vitalidade da dona da casa, atravessada pela curiosidade sobre o meu percurso. Bem antes disso, as publicações de Olga já eram referência na formação em licenciatura em Teatro na Universidade de São Paulo, de onde eu vinha. Junto a Tatiana Belinky na capital paulista e Maria Clara Machado no Rio de Janeiro, essas fortes mulheres de teatro compunham uma tríade que, atuando em espaços distintos, possuía um lastro comum. Todas viveram experiências marcantes no teatro europeu e foram capazes de, numa particular alquimia especialmente bem sucedida, formular perspectivas lúdicas que impulsionaram as relações entre o teatro e a educação entre nós e o fizeram permitindo aos jovens descobrir e explorar dinâmicas da nossa cultura. Um desafio que vale a pena ser lançado: como reinventar experimentações que traduzam, na ótica das Artes Cênicas de hoje, modos de operar capazes de gerar engajamento e entusiasmo similares àqueles que marcaram o brilho do TIPIE?”
Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, professora da Escola de Comunicação e Artes da USP
“Integrante da turma inaugural do Curso de Cultura Teatral (1958) da Faculdade de Filosofia da Ufrgs, precursor do Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes da Ufrgs, que este ano completa 65 anos de atividades, Olga Reverbel teve a sua formação como mulher de teatro conectada ao movimento teatral do seu tempo e marcada pelo compromisso com o ensino de teatro no meio escolar. Na trajetória dessa importante professora e teórica gaúcha evidencia-se o envolvimento com eventos teatrais e artísticos de expressão local, a relação aproximada com grupos protagonistas do movimento de teatro estudantil, efervescente na Porto Alegre da década de 1950, e o interesse detido na obra de teóricos do teatro nacional e internacional, a exemplo da sua grande mestra, Maria Clara Machado, e de autores de língua francesa. Tais aspectos refletem-se de forma exemplar no seu trabalho docente e intelectual, reconhecido nacionalmente como pioneiro do Teatro na Educação, campo de estudos teatrais que precede o atual Pedagogia do Teatro”.
Vera Lúcia Bertoni dos Santos, professora do Departamento de Arte Dramática e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Ufrgs
“Olga Reverbel foi a primeira orientadora da cadeira de direção teatral do Curso de Diretor de Teatro do então Centro de Arte Dramática (CAD) da Ufrgs. Convidou seu jovem aluno para ir à sua casa e juntos discutirem o plano de encenação a ser adotado. Quando sua filha chegou da aula da Escola de Belas Artes, surpreendeu a mãe – destituída de qualquer “ranço acadêmico” – rodopiando pela sala de estar, para sugerir ao aluno, enlevado, uma possível movimentação de personagens movidas pelo vento. No semestre seguinte, para a montagem de As Cartas Marcadas ou Os Assassinos, de Ivo Bender, Olga convidou o diretor e os atores a se hospedarem alguns dias em sua casa de Gramado e mergulharmos todos em improvisações que serviriam de base para a tessitura cênica da obra. Olga era assim em sua pedagogia: direta, viva, ousada, generosa. Já longa experiência possuía no ensino do teatro com crianças e adolescentes, quando Gerd Bornheim a chamou para integrar o corpo de professores do CAD (atualmente DAD). Adaptou-se logo ao trabalho com estudantes de arte dramática de nível superior. Sua familiaridade com as práticas educativas na escola, que davam ênfase a uma especificidade do teatro na educação, ao mesmo tempo lhe deram condições de promover um equilíbrio entre pedagogia e teatro. Nela, o “que-dizer” e o “para-que-dizer” se equilibra(va)m com o “como-dizer”, e garantiam (garantem), no fazer educativo, a presença da linguagem artística. Para ela, o teatro na educação está a serviço da arte; do conhecimento, da criação, da estruturação e da prática de uma linguagem artística. Agradeço a oportunidade de evocar uma mestra que iluminou a vida de tantas pessoas no Rio Grande do Sul e no Brasil. Fico me perguntando que palavras Olga Reverbel gostaria de ouvir ou de ler, que palavras ela consideraria condizentes com o trabalho que realizou. Ela – que queria em sua lápide a inscrição “Gostou de festas e teve amigos” – certamente está contente, exultante, ao ter o seu nome unido ao Teatro Oficina do Multipalco Eva Sopher, em grande festa, em merecida homenagem, que aplaudo com gratidão”.
José Ronaldo Faleiro, professor titular da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc)
“Dar o nome de Olga Reverbel a um teatro não é uma homenagem apenas para ela; é uma homenagem a todo o campo que estuda, cria e estabelece relações entre as artes cênicas e a educação. Pioneira nas pesquisas, publicações e práticas que exploram esse fértil território, o legado que Olga nos deixou é impalpável: mais que seus livros, o que permanece é a própria força da área da Pedagogia do Teatro, tanto em nossas universidades (seja nos cursos de Licenciatura, seja na pós-graduação) quanto nos ambientes escolares e em propostas de ação cultural. Não se trata de algo pequeno, visto que a renovação das artes cênicas como linguagem artística avança justamente no espaço exploratório do jogo, da ludicidade e da exploração formal, aspectos que ela sempre valorizou em sua obra. O reconhecimento da relevância das conexões entre educação e artes cênicas não foi algo espontâneo, vale dizer. Se hoje somos um território respeitado, isso é fruto de ação coletiva, mas certamente a dedicação de Olga é uma das pedras basilares desse fato”.
Vicente Concilio, diretor teatral e professor de teatro na Graduação e na Pós-Graduação da Udesc