Tradutores e intérpretes de Libras aumentam acessibilidade em eventos culturais
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Oficializada há mais de 20 anos, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é um das principais formas de comunicação da comunidade surda no país. O Brasil conta com 10,7 milhões de pessoas que apresentam algum grau de perda auditiva. Dessas, 2,3 milhões são surdas. Os dados são do Instituto Locomotiva, em parceria com a Semana da Acessibilidade Surda.
Promotora de acessibilidade, a Libras é a forma que muitas pessoas da comunidade surda encontram para consumir conteúdos culturais educacionais. Apesar de não ser um idioma utilizado por todas as pessoas com deficiência auditiva, a tradução é um passo a mais para esta parcela da população acessar eventos, shows e palestras.
De acordo com Alessandra Goulart, secretária geral da Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul (SSRS), a participação dos tradutores e intérpretes de Libras é um dos caminhos para a acessibilidade, mas requer cuidados.
“Planejar e realizar uma apresentação acessível, que atenda as expectativas e envolva o público, exige uma série de cuidados. Contratar o profissional tradutor intérprete de Libras é apenas um dos passos. É necessário pensar onde esse profissional vai estar e que ele fique num lugar iluminado. Se a atração principal fica de um lado e o intérprete do outro, como ele irá acompanhar os dois?”, indaga.
Ela explica que, muitas vezes, esse não é um fator pensado, o que prejudica a experiência das pessoas surdas presentes nos eventos.
“O aumento de (tradutores e intérpretes) vêm em virtude da Lei. Os espaços tem se forçado a fazer as devidas adequações e acabam correndo em procurar soluções. O problema é que, para baratear os custos, pegam pessoas com orçamentos muito abaixo do mercado e estas muitas vezes não têm fluência linguística. Então, de novo, quem sai perdendo é a pessoa surda”, aponta.
Intérprete há 25 anos, Ângela Russo explica que a formação de plateias surdas em eventos culturais é um debate tão importante quanto oferecer acessibilidade em eventos.
“Devemos lembrar que por muitos anos as pessoas surdas não tiveram acesso de forma integral a eventos culturais. Não será através de uma passe de mágica que elas lotarão as plateias. Particularmente, quando atuo em algum evento faço questão de divulgar através de minhas redes sociais e enviar para escolas de surdos, para que mais pessoas possam saber e talvez ir ao evento”, conta.
Para a profissional, esse tipo de atitude é uma contrapartida social que deveria fazer parte da atividade profissional. Mas ela confirma que cada vez mais pessoas surdas estão participando de eventos, muito pelo fato do aumento da promoção de acessibilidade.
Alessandra afirma que informar a presença dos intérpretes é uma forma de chamar a comunidade surda para os eventos.
“A Sociedade constantemente produz diversos tipos de eventos, educacionais e culturais. Claro que neste momento a língua majoritária é a Libras, mas damos acessibilidade às pessoas ouvintes. As nossas participações em shows abertos ao público geral se dá, principalmente, naqueles que são anunciados com a presença do intérprete”, afirma.
Dentro das telas
Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
A participação e o consumo de conteúdo cultural não se restringe ao presencial. Lives, transmissão de campeonatos e até programas de televisão já contam, além das legendas, com intérpretes de Libras, permitindo que a comunidade surda consuma conteúdos diversos.
No mundo dos esportes eletrônicos, o Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL), desde janeiro de 2022, conta com a tradução de Libras. Jéssyka “Suuhgetsu” Maia de Souza, coordenadora e intérprete de Libras no CBLOL, explica que a acessibilidade linguística dentro dos esportes eletrônicos é uma forma de trazer pessoas surdas para esses espaços que há muito tempo é ocupado por pessoas ouvintes.
“Mas esse é um processo muito longo, já que eu sou a primeira intérprete e a primeira empresa especializada em games e esportes eletrônicos. No entanto, é muito gratificante quando as empresas do meio reconhecem a necessidade da acessibilidade e fazem questão de tê-la. É muito importante no combate do isolamento social de pessoas com deficiência auditiva”, afirma.
Jéssyka também conta que a implementação da Libras teve uma recepção majoritariamente positiva. De acordo com ela, as pessoas entram em contato querendo saber mais sobre a língua, solicitando aulas, workshops e seguindo suas redes sociais para aprender mais.
“O interesse ficou bem maior depois que a Riot (empresa responsável pelo CBLOL) implementou a tradução. A nível mundial, as outras ligas elogiaram e também já pedem por expansão nos outros campeonatos. É maravilhoso de ver, porque isso gera interesse não só pela língua, mas pela acessibilidade e pela inclusão das pessoas com deficiência, uma coisa vai levando a outra”, aponta.
Formação e mercado
Oferecido há sete anos, o curso Bacharelado em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) apresenta a opção habilitação para tradutor e intérprete de Libras.
De acordo com a professora do Departamento de Línguas Modernas da instituição, a doutora Carina Rebello Cruz, o curso busca promover atividades acadêmico-científico-culturais e desenvolver atividades para a comunidade externa, visando a formação de um profissional que exercerá as atividades de tradutor e intérprete, de forma qualificada e ética em diferentes contextos.
Apesar da formação e da habilitação, a professora aponta que o profissional da área precisa estar sempre atualizado. “Após a conclusão da graduação é fundamental a formação continuada, assim como comumente ocorre com profissionais de diferentes áreas”, informa Carina.
Ângela Russo explica que o mercado para esses profissionais têm ganhado espaço e visibilidade, ocasionando no crescimento do número de profissionais.
“Especificamente no âmbito cultural, devido às legislações de garantia de acessibilidade como a Lei Brasileira de Inclusão, a procura também cresceu. Contudo, o aumento significativo das demandas nem sempre vem agregado a qualidade na prestação dos serviços oferecidos. Algo que ainda requer uma atenção especial dos contratantes já que não há nenhum órgão que fiscalize a nossa atuação”, salienta.
Douglas Glier Schütz é estagiário de jornalismo. Matéria elaborada com supervisão de César Fraga.