Funarte concede prêmio a Paulo Flores, do Ói Nóis Aqui Traveiz
Foto: Cisco Vasquez/Divulgação
O Ministério da Cultura (MinC), por intermédio da Fundação Nacional de Artes, concedeu ao ator, encenador, cenógrafo, iluminador, produtor e professor Paulo Flores, o Prêmio Funarte Mestras e Mestres das Artes 2023.
Considerado um dos mais importantes agentes culturais do estado, Flores fundou na década de 1970 um dos grupos de teatro mais longevos e ainda em atividade no Brasil, a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre/RS.
Além disso, ele é gestor do centro cultural Terreira da Tribo e de todos os projetos culturais, artísticos e sociais desenvolvidos por este espaço. Em 2024 o artista completa 50 anos de Teatro.
A premiação foi divulgada em novembro e publicada no Diário Oficial da União no último dia 11 de dezembro, contemplando 32 artistas/projetos em todo o país nas categorias: artes visuais, circo, música, teatro, dança e artes integradas. Entre os demais contemplados estão Tom Zé (música) e Teuda Bara (teatro). Mais 18 artistas compõem a lista suplementar de contemplados conforme classificação.
Conforme edital, a premiação busca destacar e prestigiar a trajetória de pessoas que detenham notório conhecimento na atividade, e que atuem como referência nas áreas de artes visuais, circo, dança, música, teatro ou artes integradas (manifestações que associam mais de uma dessas linguagens). As inscrições, gratuitas, estão abertas até 18 de agosto de 2023.
As propostas devem estimular o reconhecimento e a valorização de agentes artísticos e de seus legados, sendo pelo menos um de cada região do Brasil. Foram contemplados 32 projetos. As mestras e os mestres vinculados a essas propostas recebem R$ 100 mil cada. O total investido no programa é de R$ 3,4 milhões.
A Funarte foi reintegrada ao MinC neste ano. O órgão foi desvinculado do munistério em 2019 pelo governo Bolsonaro e foi abrigada inicialmente no Ministério da Cidadania e depois, no Ministério do Turismo. Em 2023, com a recriação do Ministério da Cultura, a Funarte voltou a a fazer parte do escopo dos órgãos de fomento à cultura do MinC.
Trajetória de Paulo Flores
Desde o princípio interessou-se pelo teatro comprometido com a crítica à realidade. Graduou-se em Direção Teatral em 1979 no Departamento de Arte Dramática da Ufrgs, trabalhando como ator e diretor teatral em diferentes espetáculos. Com outros colegas de trabalho criou, no final de 1977, o Ói Nóis Aqui Traveiz, que acaba de completar 45 anos de trajetória ininterrupta. Junto ao grupo, abriu um novo espaço cultural na cidade, o Teatro Ói Nóis Aqui Traveiz, em março de 1978.
Dirigiu o primeiro espetáculo do grupo formado pelas peças A Divina Proporção e A Felicidade Não Esperneia, Patati, Patatá. Ainda nos primeiros anos, foi plantada a semente da encenação e criação coletiva, onde os atuadores são os responsáveis por todo processo criativo. Na retrospectiva da década, a crítica citou o grupo como o fato mais importante do teatro gaúcho nos últimos anos.
Entre 1980 e 1982, criou a Casa para Aventuras Criativas, espaço para laboratório teatral. Foi na Casa que começou a nascer o Teatro de Rua do Ói Nóis Aqui Traveiz, com a preparação das primeiras intervenções cênicas em manifestações ecológicas e pacifistas.
Espaço Terreira da Tribo
Em 1984 constitui a Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, espaço sede do grupo que desde sua origem abrigou diversas manifestações culturais, como espetáculos de teatro, shows musicais, ciclos de filmes, seminários, debates, performances, celebrações, além de oportunizar às pessoas em geral o contato com o fazer teatral.
Hoje, já com seus 39 anos de existência, é reconhecida como Ponto de Cultura pelo governo federal. É um dos principais centros de investigação cênica do país e se constituiu como Escola de Teatro Popular, referência nacional na aprendizagem do teatro. A Terreira da Tribo desenvolve sistematicamente projetos nas áreas de Criação, Compartilhamento, Formação e Memória.
Democratização e descentralização
Em 1988 concebeu dois projetos importantes para a democratização e descentralização cultural, que coordena até hoje: Caminho Para Um Teatro Popular (um circuito regular de apresentações de teatro de rua em ruas, praças e zonas rurais) e Teatro Como Instrumento de Discussão Social (com oficinas teatrais em bairros populares da grande Porto Alegre). Com esse intuito já fomentou a criação de diversos novos grupos teatrais e a formação de importantes agentes culturais nas periferias da cidade. Foi a partir da ação e do Ói Nóis, com oficinas teatrais ministradas em bairros populares, que foi gestado o cerne do programa político-cultural da prefeitura de Porto Alegre chamado “Descentralização da Cultura”.
Atualmente, as Oficinas Populares de Teatro compõem o projeto pedagógico da Escola de Teatro Popular da Terreira da Tribo, fundada por Paulo Flores em 2000, a partir da experiência artístico-pedagógica desenvolvida por mais de quatro décadas. Os fundamentos principais da Escola de Teatro Popular são: a formação do ator, a interferência do artista no meio social e a ética no desenvolvimento profissional. Essa formação, portanto, busca favorecer a emergência do artista competente não apenas no seu ofício, mas também preocupado com o seu desempenho como cidadão, reafirmando o compromisso com a pedagogia da libertação de Paulo Freire. Aprofunda a construção do conhecimento por meio das práticas teatrais e do estudo do teatro, sempre com a ideia de que, mais do que habilitar as pessoas para o ofício do teatro e estimular a cidadania, o importante é o crescimento do ser humano enquanto responsável pela sua comunidade. A Escola de Teatro Popular se desdobra em diferentes oficinas: Teatro como Instrumento de Discussão Social; Formação de Atores; Teatro de Rua – Arte e Política; Teatro Livre; Teatro Ritual; Jogos Lúdicos; e o Laboratório Aberto.
Teatro e aprendizagem
Paulo Flores também coordena o Festival de Teatro: Jogos de Aprendizagem que nasceu em 2010 do desejo de dialogar com outros grupos brasileiros e latino-americanos e oferecer um palco para o teatro popular em Porto Alegre, dar visibilidade e reconhecimento à produção artística de grupos teatrais de longa trajetória, comprometidos com sua comunidade de origem, o panorama sócio-político latino-americano e a constante pesquisa estética. Além dos espetáculos nacionais e internacionais, o festival conta com oficinas, debates e mostra pedagógica.
Nestes 45 anos de trajetória do grupo participou de mais de trinta encenações, sendo as mais premiadas: Fim de Partida (1986), Ostal (1987), Antígona Ritos de Paixão e Morte (1990), Missa para Atores e Público sobre a Paixão e o Nascimento do Doutor Fausto de Acordo com o Espírito de Nosso Tempo (1994), Aos Que Virão Depois de Nós – Kassandra In Process (2002), Viúvas Performance Sobre a Ausência (2011), Medeia Vozes (2013), Meierhold (2018) e as peças de Teatro de Rua que marcaram o teatro brasileiro como A Saga de Canudos (2000), O Amargo Santo da Purificação (2008) e Caliban – A Tempestade de Augusto Boal (2017). Nestes anos de trajetória apresentou os seus espetáculos por quase todos os estados brasileiros e também nos seguintes países: Portugal, Cuba, Argentina, Chile e Uruguai.
Paulo Flores é um dos editores da Cavalo Louco – Revista de Teatro, criada em 2006, e do Selo Ói Nóis Na Memória, que produz livros e dvds com o intuito de guardar a memória de um dos grupos de teatro mais importantes do país. É autor dos livros Diário de Bordo – A Saga de Canudos em Santa Catarina (2004), Ói Nóis Aqui Traveiz – Um Cavalo Louco no Sul do Brasil (2016) e, em conjunto com Tânia Farias, o Ói Nóis Aqui Traveiz – Poéticas de Ousadia e Ruptura (2013).
Flores escreveu artigos para os jornais Correio do Povo e Zero Hora, e para revistas de teatro de outros estados como a Subtexto e Vila Vox, além de ensaio para o livro Abordagens Teórico-Práticas do Teatro Contemporâneo Brasileiro (2020). Realizou as palestras Teatro de Rua no Brasil e A Censura no Teatro Brasileiro durante a Ditadura Militar em diversas cidades do país. Por duas vezes integrou a direção do SATED/RS, foi Conselheiro do Orçamento Participativo pela Temática de Educação, Cultura e Lazer e presidente da AGACEN. Dentre todos os reconhecimentos e premiações junto ao grupo, recebeu do Ministério da Cultura em 2015 a condecoração Ordem do Mérito Cultural por sua contribuição à cultura brasileira e em 2022 recebeu o Prêmio Milú VillelIa/Itaú Cultural 35 anos, que homenageia personalidades relevantes na vida artística e cultural do país. Recebeu também a Medalha de Porto Alegre concedida pela Prefeitura de Porto Alegre e a Cruz do Mérito das Artes do Palco concedido pela Câmara Brasileira de Cultura (SP). Premiado como melhor ator, Prêmio Açorianos, por Fim de Partida (1986) e Prêmios Açorianos e Braskem, por Meierhold (2018).
Neste momento, Paulo Flores se empenha, junto ao grupo, na construção do Museu da Cena – Ói Nóis Aqui Traveiz, um espaço de preservação e exposição da história de um dos grupos mais longevos do Brasil e também na construção do espaço da Terreira da Tribo, que sobrevive e resiste apesar das grandes dificuldades financeiras que assombram os trabalhadores da cultura.
O prêmio
A Funarte divulgou a lista dos contemplados pelo Prêmio Funarte Mestras e Mestres das Artes 2023 no dia 11 de dezembro no Diário Oficial da União.
Acesse aqui a lista das 32 propostas contempladas.
Como houve grande demanda e disponibilidade orçamentária, a Funarte também anunciou nova suplementação no valor de R$ 1,8 milhões, que permitiu incluir mais 18 propostas na lista, conforme a ordem de classificação estabelecida pela Comissão de Seleção – de acordo com o no item 10.7 do edital.
Acesse aqui a lista provisória das 18 novas propostas convocadas para a etapa de Habilitação.
Além dos Resultados, também foi publicada, no dia 11 de dezembro de 2023 no Diário Oficial da União, portaria que informa a composição da Comissão de Seleção – conforme edital, nomeada pela presidenta da Funarte.
O que é Funarte
Criada em 1975, a Fundação Nacional de Artes (Funarte) é o órgão do Governo Federal brasileiro cuja missão é promover e incentivar a produção, a prática, o desenvolvimento e a difusão das artes no país. É responsável pelas políticas públicas federais de estímulo à atividade produtiva artística brasileiras; e atua para que a população possa cada vez mais usufruir das artes.
Atualmente a Funarte, vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), alcança as áreas de circo, dança e teatro; de música, de concerto, popular e de bandas; e de artes visuais; e também a preservação da memória das artes e a pesquisa na esfera artística. É a única instituição no Estado brasileiro com as atribuições e especialidades necessárias para tratar desses campos de atividade.