Uma Feira do Livro órfã de patrono em Carlos Barbosa
Foto: Igor Sperotto
Carlos Barbosa não terá patrono na Feira do Livro 2024, em novembro. Na verdade, a Feira teve patrono, mas o cargo esteve ocupado por menos de 24 horas. O inusitado se deu na semana passada. Um resumido cronograma do quiproquó que agitou a cidade serrana:
– Quarta-feira, 21, à tarde: o cineasta e escritor Ivanir Migotto, o Boca, é convidado e aceita ser patrono. À noite, é avisado por um amigo que seu nome está sendo atacado nas redes sociais por pessoas que discordam de sua orientação política;
– Quinta-feira, 22, pela manhã: impactado pela repercussão negativa ao seu nome, Boca começa a redigir uma Carta Aberta em que renuncia ao cargo. Um abaixo-assinado começa a circular pedindo o desconvite a Boca. À tarde, ele publica a Carta em sua rede social. “Eu não ia esperar eles me desconvidarem, provocando uma saia-justa à prefeitura: preferi eu mesmo renunciar ao convite”, revela;
– Quinta-feira, à tarde: Após a Carta vir a público, a promotora da Feira e autora do convite ao escritor, a Fundação de Cultura e Arte (Proarte) divulga nota em que lamenta a desistência e informa que a Feira do Livro de Barbosa não terá patrono em 2024.
Sexta-feira, 23: o agora ex-patrono recebe mensagens de apoio de populares e de entidades, como da Associação Gaúcha de Escritores (Ages), e participa de live para dar sua versão do acontecido. Os ataques praticamente cessam.
Carlos Barbosa, distante 110 km de Porto Alegre, possui 30.420 habitantes (IBGE 2022). A cidade é governada por Everson Kirch (PP). No segundo turno das eleições de 2022, Barbosa repetiu a performance da maioria das cidades serranas: Jair Bolsonaro, do PL, obteve 14.478 votos (74,59%). Lula, do PT, fez 4.931 votos (25,41%).
Boca é natural de Carlos Barbosa. Deixou a cidade aos 18 anos (hoje tem 47 anos). Desde então, mora em Porto Alegre, mas até pouco anos atrás voltava à cidade natal com frequência para visitar os pais, hoje falecidos. Também até poucos anos votava em Barbosa. Jamais se filiou a algum partido, mas possui opiniões políticas contundentes e coerentes com sua própria história.
Cineasta e escritor, a obra de Boca foca na história e na cultura serranas, inclusive em Carlos Barbosa. Aceitou o convite para ser patrono com uma condição: desenvolver trabalhos que perpassassem o ano, culminando na Feira em novembro.
A Proarte concordou.
“Eles curtiram muito, eu me empolguei”, lamenta Boca.
O plano era levar seus filmes e livros para escolas ao longo dos próximos meses a fim de debater a história do povo serrano. Boca lançou todos seus livros na feira da cidade.
“Não recordo de ver essas pessoas que me atacaram com todo esse ódio nas Feiras do Livro”, conta.
Boca Migotto escreveu Na Antessala do Fim do Mundo (2021), Um Certo Cinema Gaúcho de Porto Alegre – Ou como o Cinema Imagina a Capital dos Gaúchos (2022) e A Última Praia do Brasil (2023).