Mercado digital cresce e muda comportamento de editoras, livreiros e leitores
Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil
“A CBL acredita que as livrarias físicas desempenham um papel importante como espaços culturais e de promoção da leitura.” A afirmação da presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Sevani Matos demonstra a importância dos ambientes literários para além da economia. Em um país com uma população tão grande como a do Brasil (215,3 milhões de pessoas de acordo com o Censo do IBGE 2022), apenas 16% das pessoas maiores de 18 anos compraram um livro em todo o ano passado.
Esse é o cenário apresentado pela CBL em pesquisa feita pela Nielsen BookData em dezembro de 2023. Entre os gêneros, as mulheres são as que mais leem, formando um percentual de 57% do total dos compradores. A renda também é importante: 34% da classe A e 25% da B, compram livros e, em contraponto, só 13% da classe C e 5% da D possuem esse hábito.
Foto: CBL/ Divulgação
Em entrevista ao Extra Classe a presidente da CBL, Sevani Matos afirmou que houve uma queda nas vendas em 2023 em relação ao ano anterior. “Em 2023, as editoras registraram faturamento de R$ 4 bilhões nas vendas ao mercado, o que representa decréscimo nominal de 0,8%. Segundo a pesquisa, o setor registrou retração no faturamento de 5,1% em termos reais, considerando a variação do IPCA de 4,62%, na comparação com 2022.
Sobre o impacto nas vendas dos e-books e audiolivros, a dirigente destaca o crescimento desse mercado em diversas análises e comparações. “O faturamento das editoras com conteúdo digital apresentou um crescimento nominal de 39% em 2023. Esse crescimento foi impulsionado principalmente por plataformas educacionais e bibliotecas virtuais, que registraram altas nominais de 68% e 59%, respectivamente. Nos últimos cinco anos, o faturamento com conteúdo digital cresceu 158% em termos reais. Em 2023, os conteúdos digitais corresponderam a 8% no faturamento das editoras (impresso + digital), isso significa um aumento de 2 pontos percentuais em relação ao ano anterior.”
Questionada em relação a percepção da instituição sobre os diversos fechamentos de livrarias no país, a presidente surpreendeu ao revelar que há de fato espaço para esse mercado mesmo com a concorrência das vendas on-line. “A CBL acredita que as livrarias físicas desempenham um papel importante como espaços culturais e de promoção da leitura. De acordo com um estudo, publicado na 5ª edição do Anuário Nacional de Livrarias, com levantamento de dados de 2023, o Brasil tem 2.972 livrarias. Dados da Associação Nacional de Livrarias mostram que, desde 2022, foram inaugurados mais de 100 novos estabelecimentos. Atualmente, temos quase 3 mil livrarias em nosso território. Mas ainda há muito espaço para outras”, aponta.
Formação de leitores
Foto: Acervo Pessoal/ Divulgação
Sevani ainda ressalta a importância de iniciativas do poder público que incentivem a leitura. “O Brasil é um país grande e em muitas cidades ainda não existem livrarias. É importante a adoção de medidas que favoreçam a concorrência saudável, iniciativas que favoreçam a abertura de novas livrarias e permitam sua sobrevivência. Além disso, é urgente a implantação de políticas públicas robustas e eficientes para ampliar o número de leitores e desenvolver o hábito da leitura no Brasil.”
A estudante de jornalismo, Luísa Bell, 22 anos, revela que ainda pequena criou o hábito de ler livros com a sua mãe. Mas foi por volta dos 12 anos, com o “Diário de um Banana” e livros do John Green que virou uma bookwarm (leitora ávida). Sua preferência é pelos livros físicos: “Dificilmente compro um e-book. Faço uso do kindle (leitor digital) para ler livros que ficam gratuitos e às vezes assino o kindle unlimited (livros sob demanda) quando tem promoção de três meses por R$ 3,00”.
Luísa também leva em conta se a história é intrigante, avalia a beleza da capa e se a obra será adaptada para o cinema ou tv, para ler antes de assistir a nova versão. Nos últimos anos, ela leu, em média, de 10 a 14 livros por ano e possui o padrão de sempre comprar em promoções como black friday e aniversário das lojas, além de sempre pedir livros de presente de Natal e aniversário.
O sócio-fundador da editora L&PM, Ivan Pinheiro explica quais são as estratégias para atrair novos leitores e manter os antigos: “Fazer o nosso trabalho focando em obras de qualidade, reservando um espaço nobre na nossa programação para livros destinados a um público jovem. É política prioritária da empresa reforçar e ampliar a nossa coleção L&PM Pocket, – a maior coleção de livros de bolso do Brasil – com cerca de 1.500 títulos publicados, mais de 30 milhões de exemplares vendidos e com enorme trânsito entre os leitores jovens.”
Questionado sobre a concorrência dos e-books, ele afirma que a editora já produz materiais para esse mercado. “A L&PM tem mais de mil títulos em plataformas digitais. Nosso trabalho é criar e disponibilizar conteúdos que poderão ser consumidos em plataformas físicas ou digitais. Qualquer conteúdo que a L&PM produza só pode ser comercializado com a autorização da editora. Fora disso, é pirataria, é crime. Não temos preocupações com “concorrência” de e-book, pois nós produzimos e-book e estes não ocupam mais do que 6% do faturamento da empresa”, destaca.
Editores e livreiros
Foto: Divulgação
Ivan ressalta que não há como estipular o custo médio de produção de um livro. “Cada livro tem um custo, dependendo de formato, número de páginas, tradução, se houver, cor, se houver, ilustrações, etc, etc, etc. Impossível ‘chutar’ um custo, pois além dos custos diretos, há os custos indiretos com funcionários, instalações, etc.” O sócio-fundador também destacou quais são os títulos mais vendidos pela editora: “A L&PM tem dezenas de lançamentos neste ano de 2024. A coleção de bolso é responsável por mais de 50% do faturamento da empresa. Nela estão best sellers modernos e clássicos , como Agatha Christie, Freud, Fernando Pessoa, Millôr Fernandes, Martha Medeiros, James Joyce, Jack Kerouac, Moacyr Scliar, Charles Bukowski, Nietzsche, Mario Quintana, Kafka, Eduardo Bueno, Eduardo Galeano, Balzac”.
O sócio e livreiro da Macun Livraria, Pedro Nambuco, explica que pelo fato do espaço ter inaugurado há apenas oito meses ainda não é possível cravar as preferências do público, mas a curadoria prioriza a variedade de títulos. “Percebemos que o consumo principal dos livros são de lançamentos. Então, por exemplo, Vemos-nos em agosto, de Gabriel García Márquez, tem vendido bastante e neste mês ele está como o mais vendido. Mas também já tivemos outro perfil de livro mais vendido, da literatura nacional, Tudo é Rio, de Carla Madeira, foi bastante vendido. Tem um autor gaúcho pelo qual temos um apreço muito grande, que também vende bastante, que é o José Faleiro. Então, a nossa livraria, como tem essa dimensão de ser um espaço com curadoria por indicação geográfica, abrange literatura do mundo todo e também literatura brasileira, seja por regiões, estados, enfim”, descreve.
Leitores em busca de novas experiências
Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil
Para o livreiro, o importante é ler, seja comprando na livraria, seja pegando um livro emprestado. “Há clubes de leitura que têm frequentado bastante o espaço e vêm se repetindo esses encontros. Então identificamos um padrão de consumo que é justamente vinculado a essa experiência, vivência. Falamos muito numa coisa que é a construção de memória, acreditamos muito nesse diferencial dessa experiência aqui no nosso endereço. Viemos de uma influência, bebendo nessa dimensão do que foi o modernismo brasileiro, nosso nome vem de Macunaíma, que é uma personagem do Mário de Andrade. Criamos, de certa forma, um conceito que tem essa questão de criação ficcional também, então, o quanto nos aproximamos dessa dimensão imaginária, o que faz com que nosso público queira consumir essa experiência, vivência,” ressalta Nambuco sobre o comportamento dos clientes.
Ele afirma que a pandemia foi determinante para se perceber a concorrência das vendas on-line, mas reforça que o isolamento fez com que as pessoas necessitassem de encontros presenciais e que isso se refletiu também no mercado literário. “Existe um comportamento das pessoas nesses momentos pós-pandemia, quando elas precisam e querem vivenciar essa experiência presencial. Então, acho que temos o presencial como um elemento que qualifica a relação de compra e venda de livros. Nesse sentido, reconhecemos e identificamos que o mercado de venda de livros on-line representa uma fatia extremamente considerável desse mercado, porém estamos num outro nicho que é justamente as livrarias de rua e agora já atendemos uma comunidade que vai além do nosso bairro”, conclui Pedro.
Como pode-se perceber, é difícil estipular um perfil dos leitores brasileiros, mas já é possível tirar algumas conclusões como o fato de que, mesmo em constante crescimento, o mercado digital não dificilmente levará ao fechamento de livrarias nem haverá uma migração em massa de leitores do físico para o e-book, já que as duas modalidades se completam. Também é possível perceber que até as editoras mais tradicionais estão buscando se adaptar ao novo mercado literário e aos jovens leitores, mas sem deixar de fidelizar e agradar os consumidores antigos.
Bárbara Neves é estagiária de jornalismo. Matéria elaborada com supervisão de Valéria Ochôa.