CULTURA

Sem medo da Lei Rouanet

Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 26 de julho de 2024

Foto: Filipe Araújo/ Minc

Foto: Filipe Araújo/ Minc

Assim como a educação crítica, a cultura no Brasil é alvo preferencial de fake news disseminadas por radicais de direita. Proliferam mentiras, segundo as quais um consagrado compositor “do petê” teria enriquecido às custas da Lei Rouanet; ou verbas da cultura seriam embolsadas por artistas em troca de apoio político. Nada mais fantasioso e irreal, ainda mais em se tratando da mais eficiente das políticas de incentivo à cultura por meio de renúncia fiscal no Brasil.

Demonizada há pelo menos uma década com objetivos de propaganda política, a Lei Federal de Incentivo à Cultura (8.313/1991) autoriza pessoas físicas e jurídicas a destinar recursos financeiros para projetos culturais em troca de descontos no Imposto de Renda. Os percentuais permitidos são 4% do imposto devido para empresas e 6% para pessoas físicas.

Para o titular da Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural do Ministério da Cultura (Sefic/Minc), Henilton Menezes, “de forma deliberada, havia a intenção de enfraquecer as estruturas de funcionamento da Lei Rouanet, na tentativa de descredibilizá-la, especialmente junto à sociedade brasileira e potenciais patrocinadores”.

A partir dessa falsa premissa, começaram a surgir boatos voltados para a difamação da lei e incentivo. Possivelmente, um dos mais fantasiosos delírios anti-Rouanet mirou justamente em Chico Buarque, inventando que ele teria se radicado na Ille Saint-Louis – uma das duas ilhas no meio do rio Sena, em Paris – por ser um dos beneficiados da legislação.

Ocorre que o compositor, cantor e escritor premiado pelo Camões, o mais cobiçado prêmio da Literatura em língua portuguesa, sempre fez questão de deixar claro que não é contra a Lei Rouanet, porém nunca usou o incentivo em seus projetos.

A verdade

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Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

“A Lei Rouanet é o maior patrimônio da cultura brasileira, mais longevo e que resistiu aos ataques e ultrapassou as diversas colorações políticas dos diversos governos, desde 1991”, destaca Henilton Menezes

Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

A verdade é que a lei que leva o nome do seu criador, o então secretário de Cultura da Presidência da República de Fernando Collor de Mello, Sérgio Paulo Rouanet (1934-2022), integra uma série de políticas fiscais que não são exclusividades do Brasil e servem para incentivar determinados setores econômicos.

No país, para se ter uma ideia, de aproximadamente R$ 523,7 bilhões destinados à renúncia fiscal, a Rouanet utiliza 0,57% do montante, ou seja, pouco menos de R$ 3 bilhões.

É um valor abaixo até do destinado para o incentivo à fabricação de embarcações e aeronaves, que fica com 1,18% do total, o que equivale a R$ 6,1 bilhões, e muito distante dos recordistas, Comércio e Serviços, os quais abocanham o percentual de 25,25%, ou mais de R$ 132 bilhões.

Âncora de financiamento

Diante da ausência de dados sistematizados que dificultam a avaliação precisa do impacto da Lei Rouanet na economia nacional, o MinC encomendou um estudo à Fundação Getúlio Vargas, que já tinha um trabalho que aponta R$ 1,60 de retorno para a União a cada Real de renúncia fiscal destinado à Rouanet.

Isso, explica Menezes, por conta da grande movimentação da cadeia produtiva. Assim, a Lei Rouanet serve como uma âncora de financiamento, que ajuda agentes culturais a atrair outras fontes de recursos e formalizar suas operações.

“Eles (produtores culturais) conseguem catapultar outras fontes de recursos, desde leis estaduais e municipais, até apoios diretos com fornecimento de itens, como passagens aéreas, alimentação, estruturas, transporte e hospedagem. Precisamos medir esses investimentos indiretos”, ressalta.

O fato é que a Rouanet trouxe profissionalização para o setor cultural. Passa pela formalização dos agentes, pois “usar a lei exige, do agente, uma institucionalização que ele não tinha”, registra Menezes.

O secretário assinala, ainda, que essa institucionalização requer qualificação não só para a formulação e apresentação de projetos culturais, mas também para a captação de recursos, caso sejam chancelados, e a posterior prestação de contas do realizado. “Um processo cada vez mais rigoroso para coibir ao máximo possíveis tentativas de fraudes e dar transparência à utilização dos recursos”, esclarece.

Pessoa Física

Menezes não poupa elogios à política de incentivo cultural em vigor no país há 32 anos. “A Lei Rouanet é o maior patrimônio da cultura brasileira, mais longevo e que resistiu aos ataques e ultrapassou as diversas colorações políticas dos diversos governos, desde 1991”, define, reconhecendo que a Lei precisa ser aprimorada.

A crítica à concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo, por exemplo, é válida, para o secretário, porém tem que ser contextualizada. “Ela representa, na realidade, a concentração econômica do Brasil, com grandes empresas que podem investir via Lei Rouanet, localizadas em centros econômicos robustos”, assinala. Entre as formas de contornar o problema, ele aponta o aumento da base de potenciais investidores na Rouanet para distribuir melhor os recursos pelo país, o que já está em tratativas com a Receita Federal. A exemplo dos fundos da Infância e Adolescente e do Idoso, o MinC irá viabilizar que qualquer pessoa física que tiver interesse em destinar parte do seu Imposto de Renda a projetos culturais possa fazer isso diretamente na sua declaração.

Se, hoje, uma empresa pode investir diretamente na Rouanet na hora de pagar seu imposto, a pessoa física precisa fazer o investimento até dezembro e só recupera o valor no ano seguinte.

A ideia não é aumentar a renúncia, frisa o secretário, mas ampliar a possibilidade de desconcentração dos recursos. “Ao contrário do investimento da Pessoa Jurídica, a Pessoa Física já é um investimento desconcentrado. Ela já nasce desconcentrada”, defende.

Rio Grande do Sul

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Foto: Igor Sperotto

Em visita ao RS, no início de julho, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, anunciou investidores que irão financiar projetos pela Lei Rouanet e critérios para análise de projetos emergenciais

Foto: Igor Sperotto

Em visita ao Rio Grande do Sul no último dia 3 de julho, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, anunciou um pool de investidores que destinarão parte do seu potencial de utilização da Lei Rouanet para investimentos no estado que sofre os efeitos da pior catástrofe ambiental de sua história.

A ministra apresentou, também, uma Instrução Normativa que flexibiliza o mecanismo para a emergência, priorizando projetos culturais locais e estabelecendo um grupo gestor para definir critérios de análise dos projetos emergenciais.

Discurso fácil x realidade

O discurso fácil contra a Rouanet disseminado nos últimos anos gera um fenômeno típico, o de perguntar a qualquer opositor raso como ela funciona e ele não sabe responder nada além das famosas histórias já conhecidas.

Além do dinheiro não sair diretamente dos cofres do Tesouro para a mão dos produtores e artistas, dados do MinC dão conta de que os 20 maiores proponentes da Lei Rouanet são instituições sem fins lucrativos ou empresas que realizam eventos coletivos,  os quais resultam em uma variedade de ações culturais.

Dos cerca de 3,5 mil projetos financiados por ano sob a chancela da Lei Rouanet, a maioria é de pequeno porte, com orçamento abaixo de R$ 1 milhão. Mas são as iniciativas que têm à frente artistas famosos que acabam tendo maior visibilidade. Segundo Henilton Menezes, isso contribui para a disseminação de preconceitos contra a Rouanet. Em especial, porque se desconhece ou se omite que há limitações de cachês, que só podem chegar ao máximo de R$ 25 mil.

“Muitas vezes, artistas recebem mais do que esse teto, mas são viabilizados com recursos diretos do patrocinador, sem uso do incentivo fiscal. Há muita desinformação sobre projetos patrocinados com a Lei”, reclama o secretário do MinC.

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