CULTURA

Livro resgata a histórica abertura da Expointer para a agricultura familiar

O pavilhão da agricultura familiar na Expointer neste ano terá recordes de expositores e representação de mulheres e jovens, mas esse espaço foi construído contra a vontade do latifúndio
Por Bárbara Neves / Publicado em 23 de agosto de 2024
Livro resgata a histórica abertura da Expointer para a agricultura familiar

Foto: Murilo Martins/ MDA

“Fortemente contrariada com a nova política do governo Olívio Dutra, que defendia a condição pública do espaço e a inclusão de todos segmentos agropecuários e questionando a tradicional imposição latifundiária na feira, a direção da Farsul aventurou-se em uma tentativa de boicote ao evento”, relata a obra, que apresenta um resgate histórico da agricultura familiar na Expointer

Foto: Murilo Martins/ MDA

Um novo recorde de expositores, com destaque para a liderança das mulheres e dos jovens nos estandes marcam os 25 anos do Pavilhão da Agricultura Familiar (PAF) na Expointer em 2024. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) a agricultura familiar terá a participação de 413 empreendimentos de 181 municípios nesta 47ª edição da feira, que será realizada de 24 de agosto a 1º de setembro, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio. No pavilhão dos pequenos agricultores na Feira, os visitantes também poderão conhecer de perto a produção de 73 agroindústrias familiares no espaço de negócios.

O espaço da agricultura familiar na Expointer, no entanto, nem sempre foi tão amplo. É resultado de uma conquista construída nos últimos 25 anos, como revela o livro 25 Anos da Agricultura Familiar na Expointer – do desafio ao sucesso, (Evangraf, 170 p., 2024), organizado pelo jornalista André Simas Pereira, que resgata a inclusão da agricultura familiar no espaço público da Expointer, promovida pelo governo do estado desde 1999.

Realizada em Esteio desde 1970, a exposição foi administrada até 1999 por grandes fazendeiros e criadores de gado vinculados à Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) em uma terceirização governamental que dissimulava a privatização do espaço de atuais 141 hectares.

Boicote do latifúndio

O livro resgata uma disputa política que se estabeleceu à época devido à inconformidade dos grandes produtores em relação à proposta de abrir espaço para a agricultura familiar na feira. A ideia de democratização da feira escandalizou o latifúndio. “Fortemente contrariada com a nova política do governo Olívio Dutra, que defendia a condição pública do espaço e a inclusão de todos segmentos agropecuários e questionando a tradicional imposição latifundiária na feira, a direção da Farsul aventurou-se em uma tentativa de boicote ao evento, ameaçando impedir a participação de animais justamente na exposição de animais”, relata.

De acordo com os autores, por cerca de duas semanas, a imprensa dedicou-se a repercutir estardalhaços advindos da promessa de boicote. Mas a tentativa estava condenada ao fracasso, pois contrariava a atividade econômica dos cabanheiros que vendiam seus animais na feira e não se sensibilizaram com o pretexto de que uma ocupação de terras na distante Hulha Negra repercutiria em Esteio.

“Enquanto isso, sem seduzir os holofotes midiáticos, o governo continuou com os preparativos para inaugurar o evento no dia 28 de agosto de 1999, com inovações no conceito, na estrutura e na gestão, para construir o que o secretário de Agricultura e Abastecimento, José Hermeto Hoffmann, teimava em apostar que seria uma Nova Expointer. E a mais democrática e inclusiva do século que findava”, ressalta Pereira.

O governo não defendia, de modo solitário, a proposição da Expointer mais diversificada. O apoio público de algumas lideranças foi fundamental para o desfecho que permitiu a abertura da exposição exatamente na data programada.

“Como se verificou nos anos seguintes, o primeiro e modesto estante rústico da agricultura familiar, que instalou-se daquele ano inaugural sem pompa cerimonial, logo foi aprimorado para ser aclamado como o pavilhão mais atrativo da Expointer. Foi copiado por outras exposições estaduais e elevou-se ao patamar nacional no governo Lula”.

Registros históricos

Esta recuperação do contexto dos primórdios do fenômeno de sucesso, entretanto, só foi possível graças aos registros impressos produzidos pela área de comunicação do governo estadual. Informativos, revistas, fôlderes e, sobretudo, o jornal O Estado do Rio Grande do Sul (que circulou de 1999 a 2002) são os únicos documentos históricos disponíveis que restaram daquela gestão, para preencher lacunas dos arquivos dos órgãos públicos destinados a preservar a memória pública riograndense.

A pesquisa vasculhou arquivos, adquiriu fotografia inédita, comprou imagens da TVE/RS, consultou os protagonistas, ouviu depoimentos dos mais de uma dezena de pioneiros expositores e evocou lembranças dos organizadores de um evento inédito de novo formato.

Por fim, adicionou subsídios gerados por estudiosos que se dedicaram a analisar aspectos decorrentes da mudança do perfil da Expointer – “não mais associada apenas às imagens de estancieiros pilchados de botas e bombachas, senhoras elegantes de ponchos estilosos e peões dormindo nas baias com os animais”.

A publicação foi concebida e elaborada por uma uma comissão constituída de dirigentes do primeiro escalão da Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA) da época, liderada pelo titular da pasta, José Hermeto Hoffmann, Angelo Menegat, Inácio Benincá e David Stival, com colaboração especial de  Ailton Croda.

A organização editorial foi do jornalista André Simas-Pereira; com projeto gráfico da designer Cristina Pozzobon e ilustrações de Edgar Vasques e Santiago. O apoio financeiro é do Sindicato de Máquinas Implementos Agrícolas no RS (Simers).

Bárbara Neves é estagiária de jornalismo. Matéria elaborada com supervisão de Gilson Camargo.

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