Biografia desfaz mitos e revela histórias inéditas sobre a vida de Leonel Brizola

Foto: Gil Pinheiro / Fatos & Fotos / Reprodução
No Palácio Piratini, Brizola liderou a campanha da Legalidade em defesa da posse de Jango em 1961 e sofreu perseguições de militares, da Globo e do governo dos EUA mesmo depois de 15 anos de exílio
Foto: Gil Pinheiro / Fatos & Fotos / Reprodução
O jornalista Cleber Dioni Tentardini lança na próxima quinta-feira, 13 de março, em Porto Alegre, biografia inédita de Leonel de Moura Brizola. O livro No fio da história (D’fato editora, 2025, 294 p.) é resultado de mais de duas décadas de pesquisas, pesquisas, entrevistas e reportagens, que revelaram aspectos ainda desconhecidos sobre a história do líder trabalhista gaúcho (1922-2004).
Em meio às apurações para escrever essa que é uma das mais completas e minuciosas biografias do líder político que liderou a resistência ao golpe de 1964, o autor já havia lançado em 2013 o livro-reportagem O menino que se tornou Brizola. Desta vez, Tentardini vai mais longe na sua proposta de dissecar o perfil do ex-governador de esquerda que sofreu perseguições internas e externas.
“O livro traz recortes da atuação política de Brizola que tratam, por exemplo, dos boicotes que ele sofreu nos noticiários do principal jornal da família Marinho e de como o governo norte-americano monitorava a vida do líder trabalhista”, revela o autor.
São histórias inéditas, a exemplo daquela que mostra a participação do político nos Grupos de Onze Companheiros que motivou perseguições, prisões e torturas por parte do aparato policial a serviço da ditatura militar. A pesquisa minuciosa de uma advogada revelou o processo de encampação da companhia de energia que atuava no Rio Grande do Sul, desconstruindo uma versão consagrada pelos livros de história.
Brizola nunca se enquadrou nos padrões tradicionais dos políticos, sublinha o jornalista. Carismático, arrojado, seria o clássico demagogo, que cativa a massa instintiva e instantaneamente. “Mas não era isso. Era um gestor, um planejador, um realizador, tudo isso temperado por uma capacidade de trabalho descomunal e uma refinada sensibilidade para a questão social”, reconhece.

Foto: Memorial do Legislativo RS
Frente trabalhista nas escadarias do Viaduto Otávio Rocha, em Porto Alegre, entre eles, Sereno Chaise, Carlos Araújo, A. Carlos Contursi, Brizola e Cel. Neme
Foto: Memorial do Legislativo RS
Brizola nasceu em 22 de janeiro de 1922, no distrito de Cruzinha, em Passo Fundo, formou-se em engenharia civil na Ufrgs e engrenou na militância de esquerda e na vida política. Foi deputado estadual e federal, prefeito de Porto Alegre, governador do estado por dez anos – de sua estreia em 1947 à eleição espetacular de 1958.
O autor sublinha o perfil populista do líder trabalhista que revolucionou a educação e sempre priorizou os direitos humanos, a habitação e a questão fundiária. “Brizola pagou um alto preço por se manter fiel ao povo do qual emergiu. Se o tivessem apanhado nos dias do golpe de 1964, ele teria sido morto”, afirma, lembrando a campanha da Legalidade, em 1961, na qual o governador gaúcho liderou a resistência ao golpe contra o presidente João Goulart.
Há também casos inusitados dos bastidores do poder. E pérolas reveladas pelo autor. Brizola escapou do cerco dos militares no golpe de 1964 usando uma farda de brigadiano (policial militar) que conservou como um souvenir de guerrilha quando se refugiu em sua estância no Uruguai. Ele só voltaria ao Brasil 15 anos depois, mas as perseguições por ter se insurgido contra os militares golpistas nunca cessaram. Brizola foi duas vezes governador do Rio de Janeiro, “mas as elites, mais uma vez, o impediram de chegar à presidência da República”.
A filha não reconhecida

Foto: Memorial do Legislativo RS
Entrega de escrituras de terras a colonos assentamento Banhado do Colégio
Foto: Memorial do Legislativo RS
O autor destaca que o livro teve edição minuciosa de João Borges de Souza (em memória) e contribuição decisiva de jornalistas e editores como Elmar Bones da Costa e Fernando Brito. Tentardini detalha que foi a campo vasculhar arquivos históricos, museus, bibliotecas, secretarias de escolas, igrejas e cartórios, até reconstituir a vida dos pais de Brizola e da região onde nasceu e cresceu no norte do Rio Grande do Sul.
Ele entrevistou os irmãos do político e a sobrinha, criada como sua irmã. Também encontrou outros familiares, colegas e professores das séries iniciais, amigos de infância, todos já falecidos. Localizou, inclusive, a mulher que acompanhou Brizola de trem, aos 14 anos, do interior para a capital gaúcha. Uma das revelações do livro que ganhou repercussão na imprensa foi a história da mais nova e única filha viva do ex-governador, que apesar da comprovação por teste de DNA, nunca foi reconhecida pela Justiça. Para o autor, revelações como essas contribuem para ampliar a percepção sobre dimensão humana do personagem.

Foto: Acervo Pessoal
Tentardini reconstituiu vida de Brizola por meio de pesquisas documentais e entrevistas que retratam o personagem desde a infância
Foto: Acervo Pessoal
“Quem se propõe a escrever a biografia de um personagem importante da história do Brasil, e que seja realmente honesta com os leitores, tem que estar preparado para desconstruir mitos, mexer nos pontos sensíveis, às vezes são vespeiros, mas é o preço de um trabalho sério, porque senão, vai ser mais um livro a jogar confetes, apenas”, antecipa.
A obra está recheada de curiosidades, vitórias, derrotas, decepções, amores, fúrias, perseguições, reconciliações, conchavos, e dezenas de fotos, antigas e atuais, charges e reproduções de jornais e, inclusive um achado inédito, guardado em cofre: a histórica metralhadora com que o governador gaúcho se movimentava no Palácio Piratini durante o Movimento da Legalidade, o maior acontecimento político que sacudiu o Brasil após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961.
O livro remonta cenários e esclarece passagens marcantes da política nacional e internacional através de entrevistas e valiosos trabalhos acadêmicos, divulgados recentemente, como a verdadeira história da estatização dos serviços de energia no RS, e das memórias de jornalistas como Flávio Tavares e Carlos Bastos, e de militares como Emílio Neme e Pedro Alvarez.
Tentardini escreve para jornais impressos, revistas e portais jornalísticos. É autor de Patrimônio Ameaçado, sobre as fundações gaúchas extintas; O menino que se tornou Brizola, livro-reportagem; e Usina Eólica Cerro Chato, a primeira usina de geração de energia a partir dos ventos construída no Pampa pela Eletrosul/Eletrobras. É coautor dos perfis parlamentares de João Goulart e Leonel Brizola, da Assembleia Legislativa do RS, e pesquisador de doze livros, entre os mais recentes, História Ilustrada do Rio Grande do Sul e Viamão 300 anos.
Capa: Reprodução Capa: Reprodução
O quê: lançamento do livro No Fio da História, a vida de Leonel Brizola, de Cleber Dioni Tentardini
Quando: 13 de março, das 17h30min às 20h
Onde: Parangolé Bar, na Rua General Lima e Silva, 240, Cidade Baixa, Porto Alegre
Atração: haverá um show de Lígia Lazevi (couvert de R$ 15) a partir das 20h. Reservas pelo WhatsApp 99196-3899