Para fazer o consumidor aderir às linhas de crédito pessoal, os bancos promovem um verdadeiro bombardeio publicitário. Na guerra para conquistar o cliente, vale de tudo, desde pessoas de terceira idade dançando, passando pela lâmpada de Aladim – que exala a imagem de um cifrão no lugar do gênio – até modelos ao estilo zen-budista. As imagens em geral são recheadas com slogans do tipo: “Seu desejo é para já”; “O que é importante não pode esperar”; “Dinheiro a mais na hora”; “Temos o caminho certo para você passar tranqüilo este fim de ano”. De acordo com levantamento do Banco Central, a estratégia está dando resultado, pelos menos para as financeiras. Em agosto último, o estoque de empréstimo na economia atingiu R$ 541 bilhões. Deste total, a concessão para crédito de pessoa física aumentou em 31,4% nos últimos 12 meses. Já a modalidade do consignado em folha registrou um crescimento de 98%. No que se refere aos aposentados e pensionistas, eles foram assediados de tal forma pelas propagandas que hoje as linhas de financiamento com desconto em folha de pagamento/benefício do INSS já atingem mais de R$ 16 bilhões, correspondente a 31% do total do crédito pessoal e a 0,81% do PIB, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (ANEFAC). Estudo feito pela Partner Consultoria publicado no jornal Folha de S. Paulo (edição de 22 de novembro) mostra que, em dezembro de 1996, a participação dos consumidores no total de crédito do país era de apenas 12,1%. Já em 2000 subiu para 34,5%. O grande boom veio em 2003, quando o empréstimo com desconto em folha de pagamento foi regulamentado, passando para 40,4% e atingindo agora 45,8%.
Porém, por trás da idéia de convivência harmônica entre endividamento e felicidade, o que as campanhas publicitárias escondem é que, na vida real, a história é diferente e o custo pode ser muito alto. Em vez de paz, o consumidor pode comprometer o orçamento mais do que imagina. E não é para menos. Pesquisa feita pela ANEFAC, no mês de outubro, em sete estados – São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Brasília, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul –, mostra que a média da taxa dos juros cobrados para crédito pessoal foi de 93,83% (bancos) e 276,45% ao ano (financeiras) (Veja na tabela as modalidades de empréstimos e taxas.). Na prática, isso significa que por um sonho de consumo de R$ 1 mil, parcelado em 12 vezes, por exemplo, o desembolso pode ser de R$ 3.764,50, quase três vezes a mais do que o solicitado.
A facilidade de acesso ao crédito é outra estratégia publicitária que funciona também como uma espécie de “pré-empréstimo”; a maioria dos bancos já disponibiliza, na abertura da conta, recurso para financiamento pessoal que pode ser requerido no auto-atendimento. As transações podem ser feitas também pelo site das instituições ou telefone. Nenhum nicho de mercado passa ileso à avalanche de ofertas desses serviços. Há pacotes para todas as idades e rendimentos, até mesmo para jovens que sequer trabalham, mas podem ter um cartão de crédito por serem universitários. O pior, segundo os economistas, é que, levada pela onda, a maior parte da população não calcula os juros nem o impacto da dívida no orçamento. Conforme o vice-presidente da ANEFAC, Miguel José Ribeiro de Oliveira, 96% das pessoas nem mesmo perguntam quanto é a taxa de juros. “A preocupação é saber se a prestação cabe no bolso, sem se dar conta de que a taxa é um diferencial no preço, que varia de banco para banco, prazo e tipo de financiamento”, ressalta.
Além de esvaziar a carteira, a falta de informações e planejamento pode levar o credor direto para o rol de cadastro negativo. Só para se ter uma idéia, no mês de setembro, 33,2% das pessoas que constavam no Serasa como inadimplentes apresentavam dívidas com cartões de crédito e financeiras. Miguel Oliveira destaca que se organizar dentro do limite financeiro evita esses problemas e pagamento de juros desnecessários. “É preciso ter a consciência de não gastar mais do que ganha. Dessa forma, não seremos corrompidos pela propaganda”, pontua, acrescentando que a educação para o uso do dinheiro e do crédito é fundamental e deve começar cedo. “Atualmente, 46% dos cadastros negativos do país que constam no SPC, Serasa, etc., são de jovens.”
Solução para todas as necessidades
A idéia de que o dinheiro está ao alcance da mão, apelo ostensivamente utilizado nas campanhas, funcionou como uma armadilha para a empresária Marleide Madruga. Sem nenhuma orientação ou pesquisa, ela resolveu fazer um empréstimo, dentro do limite oferecido. O objetivo era saldar alguns débitos da sua empresa. Porém, em vez de sanar os problemas, aumentou as dívidas. Ela não tem idéia de quanto paga de juros nem tampouco consegue analisar porque não conseguiu liquidar as pendências. “A prestação era pequena. Peguei R$ 1,2 mil, acho que vou pagar R$ 2 mil, não sei bem o valor e nem no que gastei”, relata.
O uso do cartão de crédito é outra tentação para a qual o consumidor deve estar atento. Este pequeno pedaço de plástico realiza os mais diversos anseios de consumo: “adquirir o ingresso do show”, “uma esticadinha no lugar da moda”, “para tudo o que você ama”, conforme trechos de um anúncio veiculado em revistas de circulação nacional. Porém, com a taxa de juros de 224,27% ao ano, a falta de critérios para utilização pode nocautear a saúde financeira. Atrasar o vencimento ou optar pelo pagamento mínimo faz aumentar a dívida com a velocidade de uma progressão geométrica, situação vivida pelo gerente financeiro, Giovani Besson. “Nas férias, gastei além da conta e quando saía à noite pagava com cartão”, relata. Diferente da imagem de facilidade vendida pela publicidade, ele ficou sem condições de arcar com as parcelas. Para fugir dos juros astronômicos, fez um financiamento de crédito pessoal, diminuindo a taxa para cerca de 70% ao ano. “Eu já tinha passado por isso antes, mas não consegui me controlar e cometi o mesmo erro”, revela.
Já a professora Cleyda Hernandez nem sabe ao certo quando vai conseguir sair do que chama de roda-viva das dívidas. Impulsionada pelo consumismo e estimulada pelo conceito de que não é preciso esperar para realizar os desejos, ela acabou contraindo financiamento consignado em dois bancos. “Tentava sempre dar um jeito, quando vi estava em uma situação complicada”, conta. Endividada em um banco, não teve dúvida em aceitar a oferta de outro banco com limite de crédito, saída que só deixou sua vida financeira mais comprometida. Um dos resultados é que hoje cerca de 15% do seu salário são destinados ao pagamento de juros de cheque especial, de financiamentos e taxas diversas. “De março para cá, pisei no freio e dei uma segurada, estou conseguindo me controlar mais”, comemora. Ela não sabe ao certo quando vai se livrar dos débitos; por enquanto, o limite do cheque especial faz parte do seu orçamento. “Não tenho nem idéia da taxa de juros que eu estou pagando e nem quero saber, senão vou me desesperar”, desabafa.
Consumo consciente do crédito e do dinheiro
“Pequenas economias no dia-a-dia podem fazer a diferença no final do mês”, pontua Maluh Barciotte, gerente de mobilização social, do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Barciotte explica que estipular os critérios de escolha e fazê-la o mais consciente possível são ferramentas que o consumidor dispõe para fugir dos apelos das propagandas. “O brasileiro é muito afetivo e age por impulso, mas vale pensar que ninguém ganha dinheiro, todo mundo presta um serviço e no final do mês recebe por este trabalho. Portanto, dinheiro é tempo, é dedicação, é energia solidificada. Então, temos de escolher muito bem onde aplicá-lo”, relata.
Ela frisa que, independente do patamar salarial, as pessoas fazem opções e ao dizer sim para um determinado produto está dizendo não para outros. “Muitas vezes o dinheiro daquela viagem ou daquele curso é gasto em pequenas coisas supérfluas”, pondera. Em fase de elaboração, a ONG está desenvolvendo uma cartilha para estimular o consumo consciente do crédito e do dinheiro, trazendo dicas que podem ser incorporadas ao cotidiano da vida financeira. “Se a pessoa poupar R$ 8 por dia, no final do mês terá R$ 250; em 10 anos, caso invista em uma poupança que renda 6% ao ano, economizará R$ 41.065,00.
Um dos desafios para organizar melhor o orçamento é conter o impulso e pensar em investimento ativo. Uma meta alternativa a ser estabelecida para não cair no consumismo é fazer investimento ativo, ou seja, reservar parte da renda para adquirir imóveis, investir no aperfeiçoamento profissional, entre outros. Outro aspecto destacado pela gerente é a sustentabilidade do planeta. “Temos que lembrar que os recursos são findáveis e que não precisamos de coisas da última moda para termos qualidade de vida e felicidade”, conclui.
Brasil: juros muito altos
O que não está dito nos anúncios: enquanto no Brasil a taxa média mensal para empréstimo pessoal é de 7,58% ao mês (Pesquisa ANEFAC), na Europa e Estados Unidos elas variam de 7% a 17% ao ano. Outra discrepância observada no mercado financeiro é em relação ao acréscimo dos salários versus os juros cobrados. Conforme levantamento do IBGE/PME, o crescimento do rendimento médio dos trabalhadores com carteira assinada entre 2004 e 2005 foi de 1,96%, levando em conta que neste ano 86,3% das categorias tiveram reajuste superior à inflação.
No entanto, uma das menores taxas que o consumidor pode conseguir no mercado financeiro é de 1,5% ao mês, quando o empréstimo é consignado com desconto de benefício do INSS. Ecléia Conforto, economista do Dieese, observa ainda que enquanto os juros para empréstimo são astronômicos, as aplicações financeiras têm remunerações limitadas entre 0,5% e 2,5%. “Fato que torna o pagamento de juros injustificável”, ressalta, pontuando que optar por este tipo de transação só se justifica em momentos de emergência. “Só em caso de doença ou quando a taxa de juros que o consumidor está pagando é superior ao financiamento a ser tomado”, analisa. Ela pontua que mesmo nos empréstimos consignados, quando o banco tem garantia de receber, os índices ainda são altos, variando de 1,5% a 3,99% ao mês. “O grande risco de inadimplência é um dos fatores que influenciam as altas taxas, nesses casos deveriam ser menores”, constata.
Direito do consumidor
Hessia Costilla, economista da Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, orienta o consumidor a buscar informação no Procon, e na ProTeste, caso seja associado. “O senso comum entre os economistas é que o empréstimo é sempre a última opção. Mas, caso não exista outra saída, o consumidor deve buscar informação no Procon”, orienta Hessia Costilla, economista da Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. “Uma boa dica é pesquisar se a instituição que lhe fará empréstimo tem muitas reclamações no Ministério da Justiça.” Já no que se refere a denúncias, devem ser feitas no Banco Central e no Procon. A ANEFAC alerta que as taxas de juros são livres e estipuladas pela própria instituição financeira, não existindo qualquer controle de preços ou tetos pelos valores cobrados.
JUROS ESPECIAIS – Desde novembro de 2003, o Sinpro/RS aderiu à parceria entre a CUT e as instituições bancárias que, através da Lei 10.820, concede empréstimo especial aos trabalhadores. Com a iniciativa, os professores da base do Sindicato podem solicitar, junto às instituições financeiras, empréstimos com juros especiais que variam de 1,75% a 3,3% ao mês, conforme o número de parcelas. O desconto é feito na folha de pagamento. “Os trabalhadores podem solicitar os empréstimos de R$ 100,00 a R$ 40 mil, sendo que o prazo para o pagamento varia entre um e 36 meses”, explica Sani Cardon, da direção do Sinpro/RS. Se o professor for sindicalizado, as taxas variam de 1,75% a 2,6%, ou de 2% a 3,3%, caso não seja. “O Sinpro/RS vê nessa iniciativa uma alternativa de crédito aos altos juros praticados pelas instituições bancárias nos empréstimos comuns, porém esses convênios só podem ser efetivados com a adesão das instituições empregadoras”, conclui Sani.