A partir da década de 90, o Brasil passou a conviver com significativas transformações no processo de repartição da renda do trabalho. Dois traços convergentes marcam a trajetória das remunerações do conjunto dos trabalhadores no país. De um lado, a compressão do rendimento do trabalho no total da renda nacional. No ano de 2005, por exemplo, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional foi de apenas 39,1%, enquanto em 1980 representava 50%. Em resumo, percebe-se que a renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de imóveis) cresceu bem mais rapidamente que o conjunto da renda nacional. Por conseqüência, o rendimento do trabalho perdeu participação em relação à renda dos ricos proprietários no país, especialmente devido ao avanço dos detentores da riqueza financeira, com ganhos extraordinários, geralmente validados pelo orçamento governamental.
De outro lado, nota-se que no interior da renda do trabalho ocorre o achatamento dos maiores rendimentos dos ocupados. Isso porque o estrato superior da distribuição pessoal da renda dos trabalhadores, que envolve remunerações acima de cinco salários mínimos mensais (maiores de 1,9 mil reais), decaiu a sua importância relativa desde 1990. Assim, percebe-se que, no ano de 2005, os 10% de maior remuneração entre o conjunto dos ocupados, representados por parcela de categorias profissionais como petroleiros, bancários, professores, médicos, engenheiros, entre outros, absorviam 44,7% do total da renda do trabalho. Quinze anos antes, em 1990, esse mesmo segmento era responsável por 48,1% de todo os rendimentos dos trabalhadores.
Esse achatamento nos maiores rendimentos das ocupações parece ser resultado direto do novo modelo econômico em curso, com fortes características neoliberais. Ou seja, a privatização do setor produtivo estatal e o avanço da lógica empresarial na administração pública vêm acompanhados da flexibilização dos contratos de trabalho, da remuneração variável, da rotatividade dos ocupados (troca de empregados de maior remuneração por de menores salários), terceirização da mão-de-obra, entre outros).
A força do novo modelo econômico encontra-se sustentada na desestruturação do mercado de trabalho, decorrente do baixo crescimento da economia nacional e da forma com que o país se insere na economia mundial, cada vez mais dependente da produção e exportação de bens de baixo valor agregado, contida intensidade tecnológica e crescente uso do padrão de emprego asiático (baixa remuneração, alta rotatividade e extensa jornada de trabalho). Por desestruturação do mercado de trabalho compreende-se o aumento dos empregos precários e sem regulação, responsável pela baixa geração dos empregos da classe média. Da mesma forma, o expressivo desemprego, que também expressa a desestruturação do mercado de trabalho, termina por comprometer ainda mais a trajetória das remunerações, com a elevação da rotatividade dos trabalhadores ocupados.
Frente a isso tudo, percebe-se que a marcha do novo modelo econômico está por construir uma outra sociedade, fundada na polarização social entre a baixa remuneração dos trabalhadores e muitos ricos fundados na renda financeira. Os perdedores diretos são, portanto, os trabalhadores da classe média.
Aglomeração Urbana do Sul (Ausul): uma região que precisa, com urgência, retomar a trajetória do desenvolvimento
José Antônio Alonso*
A Ausul é um recorte territorial, localizado no âmbito da “Metade Sul”, constituído por cinco municípios: Pelotas, Rio Grande, São José do Norte, Capão do Leão e Arroio do Padre. Os dois primeiros são centros primazes, não só da Aglomeração, mas também de vasta área supra-regional. Somente Pelotas e Rio Grande representam 90,5% da população (2000) e 92,8% do PIB da Aglomeração.
A situação socioeconômica da Ausul reveste-se de especial singularidade, qual seja a de ter sido a região mais próspera do estado até o final do século 19 e ter ingressado numa rota de lento declínio na segunda metade do século 20. Essa afirmação é corroborada pelo fato de que os dois maiores municípios da Aglomeração geravam 15,93% da produção industrial do estado em 1939 declinando persistentemente nas décadas seguintes até alcançar 4,93% em 2004. A mesma tendência ocorreu no setor de serviços. No mesmo período, a oferta de serviços caiu de 11,05% para 4,32%, na verdade uma queda preocupante. Esses resultados revelam uma perda de competitividade, não só sistêmica, mas também dos agentes econômicos da região.
Esse conjunto de resultados de longo prazo é, na verdade, o reflexo, nesse recorte territorial, da crise mais ampla, semisecular, que atinge a economia da chamada “Metade Sul” do Estado. O centro mais atingido pelos efeitos da crise regional foi a cidade de Pelotas, que se desindustrializou relativamente ao resto do estado nas últimas décadas. O mesmo fenômeno ocorreu com a cidade de Rio Grande. Todavia, a situação desse centro é distinta, na medida em que dispõe de atributos que lhe conferem alguma vantagem com relação ao resto da Aglomeração. A localização costeira associada à disponibilidade das mais amplas instalações portuárias do Rio Grande do Sul e de uma longa história industrial acabam por conferir “permanentes” relações inter-setoriais com as regiões mais prósperas do estado. Nesse sentido, alguns investimentos têm sido realizados em Rio Grande, sem contudo sinalizar mudança estrutural que conduza a economia local e regional para uma trajetória sustentada de desenvolvimento.
Impõe-se, nesse caso, a adoção de um conjunto de medidas integradas, aderentes às necessidades regionais, isto é, com capacidade de dinamizar os fatores endógenos mais dinâmicos e, se possível, que estabeleça novas potencialidades na região.