Repactuação da dívida do RS depende da primeira etapa da Reforma Tributária
Foto: Caco Argemi/Palácio Piratini/Divulgação
Há décadas que o Rio Grande do Sul convive com um grave problema estrutural: a dívida do Estado. Essa dívida, na casa das dezenas de bilhões de reais sufoca a capacidade de investimentos do Estado, prejudica a qualidade dos serviços públicos e dos salários pagos aos servidores. É, sem dúvida, “o” problema que desafia todos os governantes. Já há um consenso hoje que a solução para ele não é contábil, mas sim política, exigindo algum tipo de repactuação junto ao governo federal. A situação do Rio Grande do Sul é mais grave que a da maioria dos outros estados da Federação, o que prejudica, e mesmo inviabiliza, soluções isoladas. Mas qual é mesmo o tamanho do problema?
A dívida consolidada do Estado do Rio Grande do Sul é de R$ 44,412 bilhões, segundo dados da Secretaria da Fazenda e do Tesouro nacional. A maior parte dessa dívida é com a União, para onde o Estado repassa todos os meses 13% de sua receita corrente líquida. Essa é a “prestação” salgada que o Rio Grande do Sul tem que pagar todos os meses. O total da dívida contratada com a União é de R$ 37 bilhões. O restante se divide entre mais de R$ 3 bilhões de dívidas com o BNDES, Proes (Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária), INSS e FGTS. Além disso, o Estado deve mais de R$ 3 bilhões em precatórios, dívidas com bancos internacionais, débitos parcelados do Pasep e outras dívidas menores. Só para este ano, o déficit estimado do Rio Grande do Sul é de R$ 550 milhões.
A receita corrente líquida, ou seja, o Rio Grande do Sul deve mais que o dobro da média dos estados à União. Se o RS quisesse saldar suas dívidas com a União no menor tempo possível, teria de ficar dois anos sem pagar o salário do funcionalismo, sem promover investimentos, manutenção de equipamentos ou pagar fornecedores, ou seja, teria que deixar de ser um Estado, na prática.
As origens do problema
A crise financeira do Estado remonta aos anos 1970, quando o governo começou a contratar dívida pública como forma de enfrentar o desequilíbrio financeiro do RS. Em um artigo intitulado A crise das finanças públicas no Rio Grande do Sul: origem e evolução nos anos 1999/2006, os professores de Economia Anderson Casa Nova e Adalmir Antonio Marquetti sustentam que, a partir desse período, o processo de endividamento público se deu de forma desordenada e culminou em uma das mais graves crises financeira envolvendo um estado brasileiro. Os autores identificam assim o momento em que a situação começou a sair de controle: “A partir de 1975, para cobrir o desequilíbrio das finanças estaduais, o governo gaúcho passou a realizar com frequência operações de crédito e emitir títulos públicos. A dívida pública do Rio Grande do Sul, cuja média nos primeiros cinco anos da década de 1970 foi de 1,5% do PIB, elevou-se na segunda metade do decênio para 3,3%. Já o início dos anos 1980 é marcado como o ponto de inflexão, com a “explosão” do nível de endividamento público do Estado. Em função das altas taxas de juros nacionais, os serviços da dívida cresceram significativamente. Para honrar seus compromissos com dívidas passadas o governo endividava- -se, num claro processo de “autoalimentação” da dívida pública. Durante a década de 1980, a dívida gaúcha elevou-se rapidamente de 4,3% em 1979 para 17,2% do PIB em 1989”.
Em busca de uma solução
O governador Tarso Genro aposta em uma saída política para o problema, embora reconheça as dificuldades para se conseguir uma renegociação da dívida junto ao governo federal. “Nas reuniões que tive em Brasília para tratar da Reforma Tributária, coloquei a renegociação da dívida dos estados com a União como um dos itens a ser discutido com o Ministério da Fazenda”, disse Tarso Genro ao Extra Classe. Existe um entendimento, assinalou o governador, de que os indexadores utilizados hoje para o cálculo estão desatualizados e que isso pode ser repactuado. “Nossos técnicos estão trabalhando para buscar uma solução. Porém, temos que aguardar a movimentação da Fazenda. A expectativa é que, antes da renegociação da dívida, seja apresentada a primeira etapa da Reforma Tributária”.
A tendência atual, acrescentou o governador, é que seja definida uma alíquota única de ICMS para as transações estaduais, o que acarretaria o fim da guerra fiscal. “Isso será de fundamental importância para o Rio Grande do Sul, que ao longo dos anos sofreu com a disputa por atração de investimentos, já que São Paulo e os estados do Nordeste tinham privilégios que diminuíam nossa competitividade”.
Em uma reunião realizada em maio deste ano com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os sete governadores das regiões Sul e Sudeste – Tarso Genro; vice-governador Eduardo Moreira (SC); Beto Richa (PR); Geraldo Alckmin (SP); Antonio Anastasia (MG); Sérgio Cabral (RJ) e Renato Casagrande (ES) – discutiram a possibilidade de incluir o problema das dívidas dos estados na negociação da mudança do ICMS.
Mas enquanto a solução política em nível nacional não vem (e ela está ligada fundamentalmente ao debate sobre a Reforma Tributária), o Estado tenta encontrar mecanismos e espaços para respirar. O Palácio Piratini quer renegociar a dívida de R$ 800 milhões que o Estado possui com a União em relação ao Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes). Essa dívida remonta a 1997, quando o governo Fernando Henrique Cardoso criou o Proes e injetou recursos nos bancos públicos estaduais para fortalecê-los, sob a condição de que fossem privatizados. O Banrisul recebeu R$ 800 milhões. Na época, o então governador Antônio Britto colocou esse valor no orçamento do Estado, sem especificar, porém, que esses recursos estavam vinculados a uma futura privatização do banco estadual. Britto não conseguiu se reeleger, a privatização acabou não saindo, mas os R$ 800 milhões foram incorporados à dívida do Estado. O atual governo cogita a possibilidade de contrair um empréstimo de R$ 800 milhões com uma instituição financeira. Deste modo, liquidaria essa dívida com a União e passaria a pagar ao banco com juros menores que os aplicados na dívida do Proes.
Para contar com alguma capacidade de investimento, o Estado fez um empréstimo de R$ 2 bilhões junto ao BNDES e ao Banco Mundial, dinheiro que deve entrar nos cofres públicos ainda este ano. Além disso, pretende buscar mais uma operação de crédito de R$ 1 bilhão em 2012.
“Sem negociação política, Tarso Genro não fará grande coisa”
O governo estadual apresentou também um Plano de Sustentabilidade Financeira, destinado principalmente a tentar diminuir o rombo nas contas da Previdência. O governo informa que seu gasto anual é de R$ 7 bilhões com a Previdência, sendo que R$ 5,4 bilhões são bancados pelo Estado. O governo propôs um aumento de alíquota para os servidores que ganham mais que o teto do INSS, que é de R$ 3.689,00, e a criação de um fundo de capitalização para os novos funcionários. “Se não tomarmos essas medidas agora, a Previdência pública estará comprometida nos próximos cinco ou dez anos. Nesse período, o sistema seguramente estaria falido e pode deixar de pagar”, argumentou o governador Tarso Genro. O plano enfrentou resistência dos sindicatos de servidores públicos, o que fez o governo diminuir o aumento da alíquota proposto para conseguir aprovar o projeto na Assembleia.
A verdade é que o peso da dívida sufoca a capacidade de investimento do Estado e inviabiliza a recuperação dos serviços públicos que sofrem um processo de sucateamento há vários anos. “O enfrentamento desse problema é crucial. Sem fazer isso, o governador Tarso Genro não conseguirá fazer grande coisa em seu governo”, diz o presidente da seção gaúcha da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Celso Woyciechowski. O sindicalista defende uma solução política para o problema que passa, necessariamente, por uma renegociação com a União.
Em uma resolução crítica ao plano de sustentabilidade financeira apresentado pelo governador Tarso Genro à Assembleia Legislativa, a CUT-RS defendeu que “o único caminho para enfrentar a crise é mudar a lógica de beneficiar o agronegócio e as grandes empresas, através de incentivos e isenções fiscais, atacar a sonegação e acabar com os privilégios daqueles que recebem altos salários no estado, como, por exemplo, o auxílio-moradia concedido aos juízes e as aposentadorias irregulares concedidas pelos poderes”. Além disso, defende “mudanças na matriz salarial, produtiva e tributária, assim como a renegociação da dívida do Estado que compromete os investimentos nas políticas públicas e a aplicação do Piso Nacional dos Professores”.