ECONOMIA

O discurso da crise

Inflação, arrocho, alta do dólar, desemprego: sobram argumentos para quem aposta que 2015 seria um ano de recessão. Mas já houve anos piores
Por Gilson Camargo / Publicado em 12 de março de 2015

O resultado negativo da indústria que reduz o Produto Interno Bruto (PIB), a inflação do IPCA de 1,24% em janeiro, o agravamento do desequilíbrio fiscal, somados à crise da água e os escândalos da Petrobras prenunciam as dificuldades da equipe econômica para reverter o déficit das Contas Públicas e atingir um superávit primário de 1,2% em 2015. O próprio presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, admite que não haverá crescimento econômico em 2015, mas em 2016 a economia voltará a crescer. Os analistas financeiros da pesquisa Focus, do BC, preveem expansão zero neste ano.

Mercado financeiro foi influenciado por projeções negativas

Foto: Hugo Arce/ Fotos Públicas

Mercado financeiro foi influenciado por projeções negativas

Foto: Hugo Arce/ Fotos Públicas

Apesar das baixas perspectivas de crescimento econômico, desvalorização da moeda e medidas duras de controle da inflação, o país pode estar longe do quadro de recessão alimentado todos os dias por setores políticos, agentes do mercado financeiro e imprensa especializada. Há setores produtivos como a agricultura, que acumularam gordura, isto é, ganharam muito nos últimos anos e apresentarão crescimento, ainda que baixo, em 2015. Além disso, para segmentos como o coureiro-calçadista e moveleiro, as projeções são de aumento nas exportações devido à valorização do dólar.

Outro exemplo é a agricultura, especialmente a produção de grãos que, a despeito dos batidos argumentos de quebra de safra, fatores climáticos, endividamento de produtores e excesso de tributos, vai de vento em popa. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou no dia 9 de fevereiro balanço da produção de grãos no Brasil. De acordo com os dados, o país deve produzir, na safra 2014/2015, 202,18 milhões de toneladas. O número representa aumento de 4,5% com relação à última safra. A previsão também cresceu em relação à estimativa anterior, que era 201,55 milhões de toneladas. Com relação à área plantada, houve aumento de 1,3% (de 56,98 milhões para 57,8 milhões de hectares). Este é o quarto levantamento da safra atual. Segundo o presidente da Conab, Rubens Rodrigues dos Santos, a previsão para a colheita de grãos ainda pode crescer. “A tendência do milho de segunda safra e a produtividade da soja podem fazer com que tenhamos um ano ainda melhor”, disse. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, lembra que, apesar da queda de preços do milho em razão do excesso de produção, o Brasil continua sendo o segundo maior exportador mundial do grão.

Safra de grãos 2014/2015 deve atingir 202,18 milhões de toneladas, aumento de 4,5%; e área plantada cresceu 1,3%

Foto: Jonas Oliveira/ANPr

Safra de grãos 2014/2015 deve atingir 202,18 milhões de toneladas, aumento de 4,5%; e área plantada cresceu 1,3%

Foto: Jonas Oliveira/ANPr

“Se olharmos períodos anteriores veremos que o cenário atual está longe de um quadro de recessão – ainda que haja risco, tendo em vista a magnitude do ajuste anunciado”, pondera o economista Ricardo Franzoi, do Dieese. As projeções negativas, que começaram bem antes da realização da Copa e das eleições, estabeleceram um ciclo de pessimismo que passou a alimentar o próprio mercado financeiro. “Ocorre que as mesmas pessoas que fazem essas projeções negativas na maioria das vezes vão se beneficiar dos acontecimentos negativos, caso dos bancos e dos beneficiários da economia predatória, que ganham com a alta dos juros”, aponta Franzoi.

ERA FHC – Para o economista do Dieese, a comparação do momento atual com períodos anteriores do país é fundamental para se entender por que o país está longe de um quadro recessivo, apesar das turbulências. A desvalorização do real frente ao dólar em 2014 chegou a 21%, bem abaixo dos 100% de 1999, quando a valorização da moeda norte-americana, no início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, mais que duplicou, passando de R$ 1,10 para R$ 2,20. Ou dos 55% de aumento de 2009, após a crise do setor imobiliário nos EUA, quando o dólar aumentou de R$ 1,55 para R$ 2,42. Além disso, o desemprego em dezembro de 2014 foi o menor dos últimos 20 anos; a inflação em dezembro de 2002, por exemplo, atingiu 14,7%. Em maio de 2003, chegou a 20,4%. Hoje está em 7,1%.

Inflação medida pelo IGP-10 variou 0,42 em janeiro e 0,43% em fevereiro

Foto: Marcelo Camargo/ABr

Inflação medida pelo IGP-10 variou 0,42 em janeiro e 0,43% em fevereiro

Foto: Marcelo Camargo/ABr

No que se refere à inflação e ao câmbio, esse primeiro ano de segundo mandato de Dilma Rousseff está longe de ser o pior da história do país. “O título continua nas mãos de FHC, no início de seu segundo mandato em 1999”, repara o sociólogo Marcos Coimbra, presidente do Instituto Vox Populi e colunista do Correio Braziliense e da Carta Capital. Megainflação, erosão do real, fuga de capitais, descontrole administrativo, suspeitas de favores, policiais a vasculhar a vida do presidente do Banco Central. Esse era o cenário do primeiro ano de governo de FHC depois da reeleição.

Em janeiro de 1999, a inflação anualizada explodiu de 1,78% para 20% e a cotação do dólar foi de 1,32 para 2,16; as reservas internacionais se esvaíram após uma malograda tentativa de valorização do real, o que fez com que o país perdesse US$ 48 bilhões. “Janeiro de 1999 foi um mês de tanta balbúrdia na economia que o Banco Central teve três presidentes, um dos quais preso pela Polícia Federal. Ficou evidente que o governo tinha “amigos” no mercado financeiro, pois alguns bancos e corretoras receberam informações privilegiadas e amealharam uma fortuna, enquanto o resto do país pagava a conta”, aponta Coimbra. O ex-diretor do BC, Francisco Lopes, foi condenado em 2005 a dez anos em regime fechado por favorecimento aos bancos Marka e Fonte Cindam, que receberam informações privilegiadas às vésperas da desvalorização do real e compraram dólares com cotação abaixo do mercado. Também foram condenados o episódio o banqueiro Salvatore Cacciola, e a ex-diretora de Fiscalização do BC, Tereza Grossi.

BARÕES DA MÍDIA – A vantagem de FHC no seu primeiro ano de segundo mandato era a simpatia dos “barões da mídia” e dos jornalistas empregados nesses meios de comunicação. “Por mais que se inquietassem com o vendaval a vergar a economia e as denúncias de malfeitos, nada do que se vê hoje contra Dilma acontecia. Se você duvida, imagine como ela seria tratada pelas corporações midiáticas se um cenário como o de 1999 se repetisse agora”, provoca o sociólogo. No entanto, a complacência da mídia não impediu a derrocada da popularidade do tucano. Levantamento do Vox Populi em fevereiro daquele ano mostrou que 19% dos entrevistados consideravam o governo FHC “ótimo” e “bom”, ao passo que as avaliações “ruim” e “péssimo” somavam 47%. Em setembro de 1999 a avaliação positiva caiu para 8% e a negativa avançou para 65%. Em janeiro de 2015, a avaliação positiva de Dilma, a despeito dos ataques de setores da mídia e de fantasias golpistas alimentadas pela oposição no período pós-eleitoral, bate em 42% e a negativa chega a 22% nas pesquisas disponíveis.

Setor calçadista aposta nas exportações
Para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, o ano é mais favorável para o setor do que o período pré-eleitoral. “Hoje sabemos o que temos pela frente. Em 2014, o quadro não era claro. Dessa forma, as empresas poderão se preparar para enfrentar o problema de quedas nas demandas internas, inflação alta e endividamento das famílias.

Exportações de calçados atingiram US$ 1,067 bilhão em 2014

Foto: Fábio Winter/ Divulgação

Exportações de calçados atingiram US$ 1,067 bilhão em 2014

Foto: Fábio Winter/ Divulgação

Talvez o ambiente recessivo que se desenha para 2015 seja até mais grave que do ano passado, mas, imaginamos que agora as empresas estejam mais bem preparadas para enfrentar essas turbulências”, argumenta. Klein espera que as medidas do governo para ajuste da economia não derrubem ou desconsiderem as iniciativas de caráter macroeconômico que impactam na competitividade do produto brasileiro. “O governo vem tentando conter a alta da inflação. A política monetária tem essa finalidade de aumentar os juros para conter a demanda e equilibrá-la com a oferta. Há forte desaquecimento do consumo e, consequentemente, de recessão”, avalia.

A tendência de desaquecimento das vendas internas leva à aposta da indústria calçadista na recuperação das exportações. “A expectativa é de aumento nos embarques, pois nosso preço fica mais competitivo”. Para o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (SDECT), Fábio Branco, as políticas estaduais de desenvolvimento carecem de aproximação com os setores produtivos. “A estrutura do estado não conhece as suas potencialidades de maneira integrada. Por isso, estamos elaborando um mapa estratégico de desenvolvimento com ênfase nos polos de desenvolvimento”, explica Branco.

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