A face discriminatória do desemprego
Foto: Igor Sperotto Foto: Igor Sperotto
O número de empregados com carteira de trabalho assinada recuou tanto em relação ao último trimestre de 2016 (-1,8% ou menos 599 mil pessoas) quanto na comparação no mesmo período do ano passado (-3,5% ou menos 1,2 milhão). Consequência da crise política que capturou o país, o desemprego em alta enfraquece a economia ao aniquilar postos de trabalho e retirar o poder de compra da população brasileira. Em Porto Alegre, o número total de desempregados, em abril de 2017, foi estimado em 203 mil pessoas, 6 mil a mais em relação ao mês anterior.
A fila dos desempregados aumenta e atinge ainda mais os vulneráveis. Incorporada ao movimento sindical, a metodologia regional de pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese/RS) comprova com percentuais que a maior taxa de desemprego da história brasileira é também a que atinge com maior intensidade os jovens, as mulheres e os negros.
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Todas as metodologias apontam para a mesma direção, e a capital gaúcha não fica de fora da realidade de outros estados. “O desmonte da estrutura teve um ponto inicial que foi a indústria da transformação, a extrativa, de petróleo e gás, e a exportadora. E ainda, as denúncias de corrupção de empresas da construção civil foram determinantes na redução dos gastos públicos nas obras de infraestrutura e no crédito para a habitação”, explica a técnica da Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese/RS Lucia Garcia.
O Brasil está vivendo a primeira onda de crescimento do desemprego. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, a situação não é diferente. De 2014 em diante, começou a alcançar as populações mais marginalizadas e em desvantagem social, como os jovens, as mulheres e os negros. “A destruição do mercado de trabalho é distinta ao que aconteceu nos anos 1990. No centro dinâmico da economia, a primeira força de trabalho a ser atingida foi a masculina, branca, qualificada e entre os 30 e os 45 anos”, compara Lucia.
Fim dos direitos
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Na reinserção ao mercado de trabalho, outro desafio vivido pelos brasileiros na luta pela sobrevivência será a de ter uma renda muito inferior, sem convenções coletivas e outros direitos adquiridos. No que se refere aos reajustes abaixo da inflação – sempre na comparação com a variação do INPC –, a proporção praticamente dobrou em relação ao ano anterior: representava 19% das negociações em 2015 e passou, em 2016, a quase 37%. “As pessoas não vão conseguir manter o padrão de consumo, e isto vai afetar os serviços, setor que tem o maior volume de desemprego. É um efeito dominó, que vai desmanchando toda a corrente do crescimento econômico”, acrescenta Virginia Donoso, também técnica do Dieese.
As perspectivas para o futuro na geração de postos de trabalho, conforme os institutos de pesquisa, não mostram uma mudança positiva. E o resultado do desemprego são os contratos precarizados, com a terceirização, a pejotização e o banco de horas. “Alguns autores no Brasil afirmam que nós estamos saindo de uma situação de exploração para o de espoliação”, reafirma Lucia. “A renda que está disponível na economia para o consumo das famílias é zero. Prova disso é o resultado do PIB”, acrescenta Virginia.
Desigualdades de gêneros
O Sistema PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego), adotado pelo Dieese e divulgado em março de 2017, mostra que a última década foi marcada por avanços na redução das desigualdades no âmbito laboral entre os sexos. Contudo, no ano passado, o processo foi interrompido. A taxa de desemprego total das mulheres aumentou pelo segundo ano consecutivo, passando de 9,1% em 2015, para 11,2% da População Economicamente Ativa (PEA) em 2016, crescimento de 23,1%. Para os homens, passou de 8,4% para 10,2%, resultando em 21,4% no mesmo período.
As mulheres continuam a ter menos acesso nas ocupações de melhor qualidade, além de menor remuneração. As mais afetadas foram aquelas na condição de chefes de domicílio, passando de 19,8% para 24,8%; comportamento inverso ao dos homens chefes, que passou de 46,1% para 42,9% dos desempregados. “É um efeito multiplicador socialmente negativo, pois muitas famílias dependem apenas do rendimento da mulher”, diz Lucia.
De acordo com o levantamento do Dieese, o contingente de mulheres ocupadas foi estimado em 779 mil, sendo 38 mil a menos do que no ano anterior. “Agora sim elas estão sofrendo as maiores discriminações. De um exército de desempregados entre ambos os sexos, quem os empresários vão preferir? As trabalhadoras engravidam, cuidam dos filhos e dos pais, logo são descartadas”, avalia Virginia.
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Para as mulheres, observou-se redução tanto do emprego com carteira assinada (-7,6%) quanto do sem carteira (-2,9%). Os dados indicam que o fechamento de postos de trabalho no setor privado atingiu mais as mulheres do que os homens, o inverso do que ocorreu no ano anterior.
Entre 2015 e 2016, constatou-se também o crescimento no contingente de mulheres ocupadas em modalidades de inserção ocupacional consideradas de menor qualidade. Esse é o caso das autônomas (1,3%) e das empregadas domésticas (2,3%), em que se verificou redução para as mensalistas e aumento para as diaristas.
O maior aumento da desigualdade ocorreu no comércio, em que a proporção do rendimento feminino em relação ao masculino passou de 82,9% para 77,9%. “Com a atual política econômica, houve uma retomada da pior distribuição de renda. Todos os ganhos obtidos vão retrocedendo. E as pessoas que se inserem de forma mais precária no mercado de trabalho, com o fim da crise, serão as últimas a se beneficiar”, analisa o professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Cassio Calvete.
Discriminação de jovens e negros
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O mesmo acontece com os jovens sem experiência. Até 2014, a taxa de desemprego era de 13,8%, passando para 24% em 2017. Segundo o Diretor Técnico do Dieese Nacional, Clemente Ganz Lúcio, no período de uma década, muitos desistiram de procurar emprego, pois as famílias resolveram priorizar os estudos. “Agora eles voltaram a procurar uma vaga no mercado por necessidade”, afirma.
A taxa de desemprego dos homens negros, que era de 7,9%, elevou-se para 12,4%. O das mulheres negras era de 9,2%, tendo aumentado, em 2015, para 12,8% da respectiva PEA. Elas ainda tiveram redução do nível ocupacional (-4,5%), principalmente no trabalho autônomo (menos 3 mil, ou -30%) e no serviço público (menos 3 mil, ou -17,6%). O rendimento médio real também teve queda mais intensa (-9,2%), em comparação com eles (-1,4%). Mas, além de Porto Alegre, pesquisas feitas pelo Dieese demonstram que os problemas relacionados ao desemprego atingem as classes trabalhadoras mais vulneráveis em todo o país.
Por exemplo, o rendimento médio por hora dos negros permanece inferior ao dos não negros, em todas as regiões. Em Salvador, apesar da maior presença de negros na estrutura produtiva, foi onde se constatou a maior desigualdade relativa: o rendimento médio por hora recebido correspondia a 76,6% da população branca.
A diferença salarial desse segmento, avalia o instituto de pesquisa, revela a dimensão da discriminação vivida, já que os negros estão mais presentes em ocupações mais precárias, caracterizadas pela ausência de proteção social e menores remunerações. “Em Salvador, a taxa de desemprego é superior a 25%. O nível de informalidade é muito grande e mais de 50% da força de trabalho está sem proteção social e registro em carteira, vivendo em uma insegurança muito maior”, explica Clemente.
Entre 2014 e 2015, esta força de trabalho cresceu apenas em São Paulo e, de modo menos intenso, em Fortaleza. A participação relativa dos negros é maior nas ocupações nas quais prevalece a ausência da proteção previdenciária e, em geral, onde os direitos trabalhistas são desrespeitados, com assalariados trabalhando sem carteira de trabalho assinada, como autônomos e empregados domésticos.
IBGE confirma falta de oportunidades
A Região Nordeste permanece registrando a maior taxa de desocupação (de 12,8% para 16,3%), seguida pelo Sudeste (de 11,4% para 14,2%). O índice de jovens sem emprego ficou em 28,8%. O comportamento oscilou entre 19,1% no Sul e 32,9% no Nordeste. Nos grupos de pessoas de 25 a 39 e de 40 a 59 anos de idade, foi de 12,8% e 7,9%, respectivamente. No 1º trimestre de 2017, o nível da ocupação dos homens, no Brasil, foi estimado em 63,2% e o das mulheres, em 43,8%. Na Região Norte, o percentual das mulheres desocupadas foi o maior, elas representando 52,2% das pessoas. As Regiões Sul (42,8%) e Sudeste (40,9%) apresentaram os maiores percentuais de idosos fora da força de trabalho. No primeiro trimestre de 2017, a pesquisa mostrou que, no Brasil, entre as pessoas ocupadas, 27,6% não concluíram o ensino fundamental, 57,0% tinham somente o ensino médio e 18,8% tinham concluído o nível superior.