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O governador eleito assumirá o estado em 1º de janeiro com a promessa de colocar os salários dos servidores em dia durante o primeiro ano de governo e após garantir repetidamente que vai promover uma ampla revisão da matriz tributária no prazo de dois anos. Sem deixar claro como pretende enfrentar o endividamento histórico do estado, na prática, sua primeira iniciativa como eleito foi solicitar a prorrogação, até o final de 2020, das alíquotas majoradas do ICMS pelo seu antecessor – que deixa um legado de salários parcelados, crise na segurança e atraso de repasse para fornecedores, sem ter equacionado o déficit das contas públicas
Eduardo Leite (PSDB) chegará ao Piratini pressionado pelo déficit nas contas públicas, que a gestão atual estima em R$ 7,3 bilhões para 2019, apesar de o número cair para R$ 1,1 bilhão se o Estado seguir sem pagar as parcelas da dívida e mantiver a majoração das alíquotas de ICMS. Também não aponta claramente se vai aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) nas bases negociadas até aqui, que aumentarão muito a dívida de R$ 58,5 bilhões com a União (projeções de posse de aliados indicam que a negociação pode, na prática, gerar um incremento na casa dos R$ 20 bilhões na conta). Nem apresentou até agora outras iniciativas para tratar da questão da dívida, uma cifra questionada historicamente. E fala de forma genérica sobre a necessidade de um debate sobre a reforma na estrutura das carreiras do serviço público.
A pressão da folha sobre as contas e o peso crescente dos inativos são alvo de divergências entre políticos e técnicos. A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) usam diferentes metodologias para os cálculos e o governo de José Ivo Sartori (MDB) congelou os reajustes, limitando os gastos com pessoal ao crescimento vegetativo da folha e ao cumprimento de aumentos concedidos na gestão anterior. No final de novembro, o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) lançou indicadores inéditos sobre o assunto. Na Proposta de Lei Orçamentária (PLOA) de 2019 encaminhada ao Legislativo, o Executivo prevê a destinação de R$ 30,5 bilhões à rubrica Pessoal e Encargos. Em 2017, conforme os dados oficiais do Estado, foram empenhados R$ 24,5 bilhões com a folha, sendo R$ 14,5 bilhões com inativos. O governo aponta a questão previdenciária como o mais sério dos seus problemas.
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Para completar, Leite vai chegar ao comando com pouca colaboração do governo que se despede, integrado por antigos aliados, e aos quais propõe a renovação da parceria. De saída, o Executivo atual está atrasando repasses a áreas essenciais, como Saúde. Faltando pouco mais de um mês para seu término, e após quatro anos de crise na área da Segurança, anunciou o chamamento de 700 aprovados em concurso. E, em outubro, nenhum servidor recebeu o salário do mês no último dia útil. Foi a primeira vez que isso aconteceu desde o início dos parcelamentos. Os pagamentos tiveram início apenas em 12 de novembro. No dia 26 de novembro ainda estavam sendo feitos depósitos, referentes aos salários mais altos, e não havia definição sobre se a integralidade da folha seria quitada dentro do mês. Até agora negado, o risco do acúmulo dos parcelamentos assombra os tucanos.
Ante o cenário, o governador eleito não disse, até o momento, qual seu plano na prática para alterar a matriz tributária, alvo de questionamentos constantes não apenas de partidos de oposição, como de parte de órgãos de controle e de entidades que representam servidores, que reclamam do acesso limitado aos dados sobre incentivos fiscais. E ainda não expôs um planejamento sobre como será possível colocar os vencimentos do funcionalismo em dia até o final de 2019. Os servidores do Executivo amargam parcelamentos de salários desde julho de 2015, com um breve intervalo entre setembro daquele ano e fevereiro de 2016, quando os pagamentos fracionados voltaram para ficar. Juntas, as duas medidas – aumento do ICMS e parcelamentos – impactaram a inflação e a crise econômica no conjunto da economia gaúcha.
Foto: Igor Sperotto
Nas sucessivas ocasiões em que tem sido provocado a detalhar os planos para as finanças, o ex-prefeito de Pelotas reconhece o ‘grave quadro’, diz que vai ‘trabalhar pelo equilíbrio das contas’ e ‘ter uma política de investimentos e desenvolvimento’. “Não há desespero, precisamos ter muita tranquilidade e serenidade”, considerou, no final de novembro, durante encontro com prefeitos na sede da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs). Nos diferentes eventos e reuniões que marcam o período da transição entre governos, tem repetido frases da campanha, dando destaque para a elaboração de parcerias público-privadas e para a concessão de rodovias. Cita a necessidade da ‘entrega de resultados’ para a população; da contenção de gastos; da reforma da ‘máquina’; da ‘dinamização’ da economia com a redução de custos sobre a produção. Entre opositores, a opinião corrente é de que tende a manter a linha adotada por Sartori. Já ex-aliados, magoados com o resultado do pleito, repetem que “media training até ganha eleição, mas não resolve a crise”.
No final de novembro, o governador eleito anunciou como seu futuro secretário da Fazenda o superintendente de Crédito do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Marco Aurélio Santos Cardoso, funcionário de carreira do banco e que entre 2009 e 2016 foi subsecretário de gestão da Fazenda, superintendente do Tesouro Municipal e, nos últimos cinco anos, titular da pasta na prefeitura do Rio de Janeiro, então comandada pelo ex-prefeito Eduardo Paes (DEM). Apontada publicamente como um indicador de que Leite pretende marcar posição e mostrar que resistirá a pressões que diferentes setores sempre tentam fazer sobre a administração do caixa, a escolha de Cardoso, na avaliação de políticos experientes, sinaliza mais do que isso: ele tem conhecimento qualificado sobre todos os trâmites e pontos que precisam ser cumpridos para a concessão de crédito.
Foto: Evandro Leal/ Divulgação
“O governo Eduardo Leite deve se alinhar com um tipo de política de privatizações e ajustes que vem sendo propagandeada também no governo eleito nacionalmente. Seria uma contradição ele fazer o contrário, uma vez que defende claramente a venda de estatais e outras bandeiras como o enxugamento do Estado desde a campanha. Também não há indicativo até o momento de que o debate comece a ser feito a partir da ótica da receita. Dá para mexer na matriz tributária, mas a mudança não pode ser cosmética, precisa ser estrutural. E precisamos tomar muito cuidado com os falsos debates. Por exemplo: é um falso debate o que vincula a necessidade de privatizações com a redução do déficit”, assegura o professor adjunto de Administração Pública da Ufrgs, e integrante do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Administração Pública (Gedap), Aragon Érico Dasso Júnior.
O especialista aponta o acordo para adesão ao RRF como uma falácia, e lembra que o modelo já fracassou no passado. “O acordo se apresenta como um oásis, mas está mesmo é vinculado ao fechamento do ciclo de privatizações. Já aconteceu no governo Antônio Britto (MDB) no Rio Grande do Sul, em outros estados brasileiros e na Argentina: enquanto o Estado possuir ativos, patrimônio para vender, vai de alguma forma saneando o déficit. Na sequência, o suspiro acaba junto com o ingresso extraordinário das receitas, porque não ataca a estrutura do problema”, alerta.
Mais três décadas de endividamento
Foto: Maria Eduarda de Lima/Piratini
Até o final de 2017, a dívida pública totalizava R$ 67,6 bilhões, dos quais R$ 58,5 bilhões se referem ao débito com a União. Os dados constam no Relatório Anual da Dívida Pública Estadual 2017, o último lançado, em junho passado. Negociações realizadas desde 2013 resultaram na inclusão de dois aditivos ao contrato original, celebrado em 1998, que permitiram recentemente o recálculo retroativo a janeiro daquele ano, com substituição do IGP-DI pelo IPCA como indexador e a redução da taxa de juros de 6% para 4% ao ano, limitados à variação da Selic. O prazo de pagamento foi estendido de 2028 para 2048. Conforme o relatório da Fazenda, a projeção é de que, até 2028, em relação às regras iniciais, R$ 22 bilhões sejam desembolsados. O abatimento no valor principal é de R$ 4,9 bilhões. Os ganhos de caixa estimados, resultantes das mudanças, são de R$ 400 milhões em 2018, e de aproximadamente R$ 1,5 bilhão nos próximos quatro anos. Além disso, em agosto de 2017 o Estado obteve liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu também o pagamento das parcelas da dívida. Mas, mesmo com as alterações, o saldo da conta teve aumento real de 2,5%, resultantes dos juros e da correção, e em função de o Estado ter deixado de repassar quase R$ 3 bilhões ao governo federal em 2017.
No início de 2017, após a substituição de Dilma Rousseff (PT) por Michel Temer (MDB) no Planalto, o governo Sartori passou a insistir na necessidade de adesão ao chamado Regime de Recuperação Fiscal (RRF), idealizado na gestão Temer, e que se transformou na Lei Complementar 159/2017. Em função das condições tidas como bastante desfavoráveis, além do RS, apenas o Rio de Janeiro, também sob o comando do MDB, se interessou pela adesão. Ao invés de abatimento nos valores, as regras do acordo propõem a suspensão do pagamento por três anos, renováveis por mais três, o que aumenta o saldo da conta. Ele abre ainda espaço fiscal para obtenção de financiamentos, mas os valores têm destinação específica: não podem ser usados para investimentos em infraestrutura, por exemplo. E exige “a autorização de privatização de empresas dos setores financeiro, de energia, de saneamento e outros”. Sartori tentou levar a cabo a privatização das três empresas do setor energético, sem sucesso. E, apesar de vender a adesão ao RRF como a solução para a crise, não a efetivou.
O COMEÇO – Em 1998, último ano de seu governo, o então peemedebista Antônio Britto aderiu ao Programa de Apoio à Reestruturação e Ajuste Fiscal dos Estados, idealizado pela gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e renegociou a dívida, uma conta que, à época, já estava em ascensão há duas décadas. O contrato, contudo, não possuía as chamadas cláusulas de equilíbrio econômico-financeiro, que garantem a manutenção da equação pactuada, o que é apontado por especialistas em finanças públicas como extremamente danoso para o estado, e confirmado pelo montante que a conta alcançou: o RS tomou R$ 9 bilhões emprestados da União, pagou mais de R$ 30 bilhões e ainda deve quase R$ 60 bilhões.
Em nome do equilíbrio das contas e da necessidade de prestar melhores serviços à população, o governo Britto também vendeu parte da CEEE e a totalidade da companhia telefônica, a CRT. Uma fatia do obtido com a venda da CEEE foi para o Fundo de Reaparelhamento de Estradas. Uma fatia do recebido pela venda da CRT deveria ir para o Fundo Especial da Educação, mas acabou no Fundo do Programa de Reforma do Estado (PRE). A maior fatia dos recursos foi usada no pagamento de serviços da dívida e no chamado Financiamento de Complexo Industrial, que incluíram os incentivos para a instalação da Ford e da General Motors. Ainda em 1998, o governo aprovou a Lei Estadual 11.235/98. O texto permitiu que os recursos do fundo do PRE fossem usados para suprir, em caráter ‘transitório’, as insuficiências do Tesouro.
O DÉFICIT – Na Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) encaminhada à Assembleia Legislativa, o governo do estado projeta um déficit de R$ 7,3 bilhões para caso siga sem pagar as parcelas da dívida à União, o número é reduzido em R$ 4 bilhões. E a manutenção das alíquotas atuais de ICMS abatem mais R$ 2,2 bilhões. Os dois fatores reduzem a projeção para R$ 1,1 bilhão. Outro motivo de polêmica desde o início da administração Sartori, o déficit, conforme os dados da Fazenda, chegou a R$ 4,9 bilhões em 2015, despencou para R$ 143 milhões em 2016, e foi a R$ 1,6 bilhão em 2017 (com o governo empurrando o equivalente a R$ 1,4 bilhão do pagamento do 13º salário para 2018). Para este exercício, a projeção inicial era de um déficit de R$ 6,9 bilhões. Mas o governo já adiantou que o número vai cair para cerca de R$ 3 bilhões.
Projeto de Sartori pode manter aumento do ICMS até 2020
Foto: Dani Barcellos/Palácio Piratini
O Rio Grande do Sul convive com as alíquotas elevadas de ICMS desde 1º de janeiro de 2016, após a Assembleia Legislativa aprovar, em setembro do ano anterior, projeto de iniciativa do Executivo comandado pelo emedebista José Ivo Sartori. A medida teve resultado claro na receita: a arrecadação bruta anual pulou de R$ 27,1 bilhões em 2015 para R$ 31,9 bilhões em 2017, conforme os dados da Secretaria da Fazenda. A projeção para 2018 é de arrecadação bruta de R$ 33,7 bilhões. A Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2019, que projeta o orçamento anual do governo, enviada pelo Executivo à Assembleia, estima que a manutenção das alíquotas majoradas no próximo ano (assim como Leite, caso se reelegesse Sartori também tinha como meta estender o aumento em vigor, por mais quatro anos) garantam R$ 3,1 bilhões a mais na arrecadação, ou R$ 2,2 bilhões líquidos ao governo estadual. A pedido do tucano, o emedebista enviou ao Legislativo em novembro projeto de lei prevendo a continuidade das alíquotas elevadas para 2019 e 2020. Leite procurou pessoalmente todas as bancadas para articular a aprovação do projeto e, internamente, vinculou a votação à definição do secretariado. A projeção inicial é de que a votação ocorra entre 11 e 18 de dezembro, e a perspectiva é de que seja aprovado.
Como os governos enfrentaram o déficit público:
Arte: Fábio Alves
Arte: Fábio Alves
Arte: Fábio Alves
Arte: Fábio Alves