ECONOMIA

Pandemia escancara distorções fiscais no Brasil

A crise sanitária provocada pelo novo coronavírus jogou luz sobre um assunto que está parado no Congresso Nacional desde a promulgação da Constituição em 1988: a taxação das grandes fortunas do país
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 17 de abril de 2020
Estudos apontam que a elevada carga tributária média sobre o consumo tem aliviado os chamados ultrarricos, que têm sua renda efetivamente tributada em 6,5%. Assim, concretamente, são as camadas mais baixas que acabam de forma proporcional arcando de fato com o custeio do Estado.

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Elevada carga tributária média sobre o consumo tem aliviado os chamados ultrarricos, que têm sua renda efetivamente tributada em 6,5%. Assim, são as camadas mais baixas que acabam de forma proporcional arcando de fato com o custeio do Estado.

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Enquanto dividendos, grandes heranças e fortunas não são tributados e a União deixa de arrecadar mais de R$ 300 bilhões ao ano, bancos e grandes empresários fazem marketing doando recursos, muito aquém de seus lucros, para uma população fragilizada pela pandemia.

O banco Itaú Unibanco, por exemplo. No ano passado, foi a instituição financeira que registrou o maior lucro da história entre todos os bancos do Brasil (R$ 28,3 bilhões). Enquanto paga algo em torno de R$ 18,7 bilhões aos seus acionistas, que não repassarão nenhum centavo aos cofres da União (não são taxados), o Itaú anunciou o repasse de R$ 1 bilhão para o combate a pandemia Covid-19 no país.

A doação do Itaú Unibanco está sendo realizada ao seu braço filantrópico, a Fundação Itaú para que faça a gestão dos recursos. De fato, mesmo dizendo que o dinheiro não será doado ao governo porque um grupo de médicos do setor privado decidirá seu destino, além da publicidade institucional, o Itaú Unibanco ainda pode abater a doação no seu imposto devido. É o sistema tributário brasileiro apresentando suas ironias.

Para o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP, esta doação é um acinte. “Se pegar a Forbes (revista americana de negócios e economia) veremos que os 206 bilionários do Brasil aumentaram suas fortunas em R$ 230 bilhões. Isso em uma economia parada”, dispara. E destaca que muitos desses “super-ricos” são acionistas do sistema financeiro nacional. Para efeito de comparação, Dowbor desabafa: “lembre que o Bolsa Família, que o governo diz que não cabe no orçamento, é R$ 30 bilhões”.

Segundo o economista, somente em 2018 o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 320 bilhões nos chamados lucros e dividendos.

Lobbies e pressões no Congresso

Foto: Agência Brasil/EBC

Ulysses Magalhães: Inimigo da Constituição Federal é inimigo do povo

Foto: Agência Brasil/EBC

No último dia 13 de abril, as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo criaram um abaixo assinado para pressionar os presidentes da Câmara Federal e do Senado a dar celeridade às discussões para a regulamentação do tema praticamente 32 anos após Ulysses Guimarães apresentar a “Constituição Cidadã”.

Apontado na Assembleia Nacional Constituinte como um forte instrumento para combater a desigualdade no país, a taxação das grandes fortunas sempre esbarrou em lobbies e pressões para que não fosse regulamentada.

Um dos mais inusitados bloqueios aconteceu em maio de 2012. O lobby da Confederação Nacional da Indústria (CNI) estabeleceu uma parceria com deputados evangélicos e católicos ligados ao movimento Renovação Carismática e impediu a aprovação de um projeto que criava a Contribuição Social das Grandes Fortunas (CSGF) para ser destinado a área da saúde.

Concretamente, na ocasião, assessores da CNI e deputados evangélicos negociaram boicotar a reunião. Em jogo, além do interesse da CNI de barrar o imposto, os religiosos trabalhavam para evitar um projeto que criava direitos previdenciários para dependentes de homossexuais.

Empresários e religiosos atingiram o seu objetivo, esvaziando a sessão. Contaram com o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) que pediu verificação de quórum na comissão, uma manobra parlamentar para impedir aprovação de projetos.

Defendendo a Pessoa Física

O tema é controverso e reprovado pela maioria dos agentes do mercado de capitais. Isso, na realidade, explica o lobby de uma confederação empresarial como a CNI em um assunto que – pelo menos nos projetos de taxação de grandes fortunas que tramitam atualmente no Congresso – não estão focados nas empresas, mas, sim, no setor financeiro e, em especial nas pessoas físicas que recebem dividendos.

Ao contrário de um trabalhador que tem seu Imposto de Renda retido na fonte, em alíquotas que variam de 7,5 a 27,5%, os dividendos, segundo Dowbor, são um recurso que “uma vez distribuído, desde 1995 sequer paga impostos”. Ainda nas palavras do professor: “um dreno poderoso”.

Um bom exemplo desse paradoxo são os grandes bancos brasileiros. No ano passado, essas instituições financeiras distribuíram mais de R$ 52 bilhões em dividendos aos seus acionistas que, por sua vez, em nada foram tributados.

Os ultrarricos pagam menos que os pobres

O certo é que a tributação sobre patrimônio e renda atinge o topo da pirâmide. De acordo com a manifestação das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, de cada mil contribuintes, só 8 contam com uma renda mensal de mais de 80 salários mínimos. Uma elite que “responde sozinha por um terço de toda a riqueza declarada em bens e ativos financeiros” do país, declaram.

Estudos apontam que a elevada carga tributária média sobre o consumo tem aliviado os chamados ultrarricos, que têm sua renda efetivamente tributada em 6,5%. Assim, concretamente, são as camadas mais baixas que acabam de forma proporcional arcando de fato com o custeio do Estado.

O professor Dowbor registra que os impostos sobre o consumo, no conjunto, representam 50% da arrecadação do Estado brasileiro. Salienta que, em 1995 – quando se isentou o pagamento de impostos sobre dividendos – o argumento usado era que estava havendo bitributação. “Ora, eu, como professor, também poderia dizer que estou sendo tributado duplamente”, ironiza ao lembrar que paga Imposto de Renda sobre o seu salário e, depois, nas compras que realiza, com os impostos sobre o consumo.

Tudo isto fez com que no dia 23 de março passado a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF) e a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), apresentassem 14 propostas para amenizar os impactos econômicos da Covid-19 no país.

As entidades entendem que tributar adequadamente as grandes fortunas através da taxação de dividendos, grandes heranças e fortunas, entre outras medidas pode gerar uma arrecadação de R$ 272 bilhões para fazer frente a crise econômica que será aprofundada pela crise de saúde pública produzida pelo novo coronavírus.

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