ECONOMIA

O Brasil já está em uma recessão, afirma economista

Por Gilson Camargo / Publicado em 7 de agosto de 2020

 O Brasil já está em uma recessão, afirma o economista Thomaz Jensen

Foto: Divulgação

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Graduado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e mestrando em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o assessor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Thomaz Jensen, afirma nesta entrevista que o país pode ter uma queda de 8% do PIB neste ano, o que acrescentaria 4,5 milhões de desempregados a um contingente de 12,6 milhões de desocupados no país. “Os indicadores oficiais ainda serão divulgados, mas tecnicamente o Brasil já está numa recessão”, resume.

 

Extra Classe – Quais são as principais constatações do Dieese sobre a crise?
Thomaz Jensen – No ano de 2020, o Brasil passa por uma crise de pelo menos quatro dimensões. A primeira delas é um persistente baixo crescimento que já vem desde 2014, lembrando que em 2015 e 2016 a economia brasileira acumulou uma queda do seu PIB da ordem de quase 8% e depois nunca se recuperou. No governo tampão do Temer tivemos um crescimento de 1%, no ano passado, no primeiro ano do governo Bolsonaro, também 1% e, ao final de 2019, a economia já é desacelerada. Então temos um baixo crescimento e, a partir de fevereiro, vivemos a mais devastadora pandemia do último século, nos aproximando de 100 mil óbitos oficiais. Nesse meio tempo, estamos impactados por uma crise política também sem precedentes pela magnitude e pelo fato de lidarmos com um governo que vive de crises políticas e de estratégias de destruição institucional.

EC – De que forma a economia mundial impacta nesse cenário interno?
Jensen – Em meio a tudo isso, a economia global, também impactada pela pandemia, mas especialmente China e Estados Unidos, que vinham passando por um processo de aprofundamento que a gente chama de quarta revolução industrial. Um debate que explicita isso, por exemplo, é a nova rede de telefonia celular, a 5G, que é uma grande disputa geoeconômica, geopolítica entre EUA e China. E o Brasil é praticamente um espectador passivo disso. Em síntese, é essa crise de quatro dimensões que o Brasil vem enfrentando.

EC – O país caminha para uma recessão ou ela já é realidade?
Jensen – Já estamos em recessão. Os indicadores oficiais ainda serão divulgados, mas tecnicamente o Brasil – ou qualquer país – entra em recessão se acumula dois trimestres em seguida de queda do PIB. Os dados do primeiro e do segundo trimestre indicam que o Brasil atravessa uma recessão (No primeiro trimestre, a economia caiu 1,5% em relação ao 4º trimestre de 2019; o PIB do segundo trimestre de 2020 ainda não foi divulgado).

EC – Qual é a sua expectativa de queda do PIB neste ano?
Jensen – Trabalhamos no Dieese com a projeção de uma queda acima de 8% do PIB neste ano. O indicadores do mercado trabalham com algo entre 6% de queda. A se configurar esse cenário de uma queda de 8%, ou quase 9%, adicionaremos um contingente de 4,5 milhões de trabalhadores no contingente de desocupados. Inegavelmente, 2020 já é um ano em que o Brasil experimenta e vive mais uma recessão. O grave é que em 2015 e 2016, nesses dois anos de profunda crise política provocada pelos atores que geraram o caos que levou ao golpe parlamentar, o país já vivenciara uma recessão, com queda de 8% do PIB. Quatro anos depois, de novo, vamos passar por uma recessão. Agora, obviamente, agravada pela pandemia, mas diante de um cenário de desaceleração que já vinha ocorrendo.

EC – O que o governo deveria estar fazendo para enfrentar essa crise econômica e a pandemia?
Jensen – A equipe econômica deste governo é incapaz até para lidar com crescimento econômico. Lidar com a recessão, com uma economia afetada pela pandemia, exige muito mais capacidade do que essa equipe tem condições. Nós estamos vendo isso. O governo como um todo é um desastre pra lidar com qualquer uma das dimensões da crise que a gente está vivendo, seja a dimensão sanitária, seja a dimensão de pensar uma política industrial para engatar o Brasil na quarta revolução industrial ou mesmo para fazer a sustentação da economia no contexto de queda provocada pela pandemia. Essa equipe econômica não vai ter condições de fazer isso. Austeridade monetária e fiscal, privatizações, depender de investimento estrangeiro. Tudo isso é uma miríade para enfrentar o tamanho do problema que nós temos pela frente.

EC – Qual a sua avaliação sobre a política de auxílio emergencial?
Jensen – Esse governo não vai ter condições de enfrentar essa crise. Nós estamos vendo isso em relação à política de auxílio emergencial. A posição original do governo federal era de não ter essa política. Depois, o Paulo Guedes (ministro da Economia) chegou a manifestar que deveria ser um valor de R$ 200,00 por dois meses. Foi justamente a pressão do movimento sindical que convenceu os parlamentares que sem o auxílio emergencial a situação seria catastrófica, uma convulsão social. E lá, no Congresso, a pressão popular do movimento sindical é que fez com que o valor do auxílio passasse a R$ 600,00, inicialmente em três meses, prorrogado por mais dois. Então, nem isso o governo federal teve condições de pensar.

Pensar uma estratégia de retomada econômica, que é algo muito mais complexo, está fora da órbita e mesmo do interesse dessa equipe econômica.

EC – Considerando os indicadores do mercado de trabalho registrados pelo IBGE, quais os cenários possíveis para o país pós-pandemia?
Jensen – Caminhamos para aumentar o número de desocupados, talvez em até 4,5 milhões. Vivenciamos uma política que também foi criada pelo movimento sindical que permite a redução de jornada de trabalho e de salário, com a complementação pelo seguro-desemprego ou por um valor pago pelo governo federal e isso tem permitido que mais ou menos 9 milhões de trabalhadores formais, com carteira assinada, não tenham sido demitidos. Mas essa política também vai acabar agora em setembro. De novo, temos um cenário em que o desemprego, especialmente agora o desemprego formal, deve aumentar.

EC – Mas a crise econômica é anterior à pandemia.
Jensen – Com a pandemia, estamos exacerbando um cenário de crise que já vinha se arrastando desde as eleições de 2014. Vamos completar cinco anos de um período extremamente conturbado, de profunda crise econômica, política, e aí os desafios que nós deveríamos estar enfrentando, a partir do crescimento econômico, da geração de emprego formal, que tivemos a partir de 2003, nós não estamos conseguindo enfrentar.

EC – O país viveu de fato uma realidade de pleno emprego?
Jensen – O crescimento econômico dos anos Lula e Dilma não estamos conseguindo transformar em desenvolvimento, pelo contrário, uma vez que o Brasil entrou numa profunda crise econômica e política a partir de 2015. Falar em pleno emprego no caso brasileiro é complexo, mas inegavelmente em 2012 e 2013 tivemos as menores taxas históricas de desocupação no Brasil, ao redor de 5%, e de fato foram taxas que nos permitiam pensar em atacar outros problemas estruturais do mercado de trabalho. Por exemplo, a informalidade, que sempre foi muito alta. Agora com esse cenário de crise, a gente está completamente distante de poder pensar nisso.

EC – Quais são as evidências de deterioração das condições de vida da população após 2015?
Jensen – A principal delas é a taxa de desocupação, que veio de um mínimo histórico de 5% pra chegar ao que nós temos hoje e mais grave do que isso, temos uma taxa de subutilização da força de trabalho da ordem de 25%. Isso tem persistido praticamente desde 2015. Significa que além da taxa de desocupados, temos um número muito grande de trabalhadores que gostariam de trabalhar mais do que trabalham. Ou seja, estão sendo subutilizados. Numa economia em que um quarto da sua força de trabalho é subutilizada, isso evidentemente gera impactos na taxa de crescimento, na remuneração média dos ocupados e, inclusive, na arrecadação fiscal da União, estados e municípios. Ou seja, o problema do saneamento permanece sem solução, os gargalos no atendimento à saúde que nós estamos vendo, ou seja, um série de situações que foram se agravando. Essa subutilização da força de trabalho, com os efeitos que eu mencionei, faz com que a economia gire cada vez mais lenta. Assim, a recuperação econômica deverá ser muito mais dificultada a partir do momento em que haja condições sanitárias, notadamente, uma vacina contra a Covid-19, que permita uma retomada, com segurança, das atividades de trabalho.

EC – Qual seria o salário mínimo necessário para suprir as demandas de um trabalhador de acordo com o que determina a Constituição?
Jensen – O último dado do salário mínimo necessário é referente a junho: R$ 4.595,60. Esse cálculo é feito com base na pesquisa de cesta básica que nós fazemos em algumas capitais do Brasil. Esse salário mínimo necessário é para cumprir o preceito constitucional de que uma família com dois adultos e duas crianças deveria ter esse rendimento mensal para garantir a sua subsistência, não apenas de alimentos, mas também vestuário, habitação, educação, etc. Se considerarmos uma família com duas pessoas adultas ocupadas, com algum tipo de rendimento, vamos chegar a R$ 2.297,80. Seria mais ou menos esse o valor per capta do salário mínimo necessário.

EC – Ou seja, equivalente ao valor do salário habitual definido pela pesquisa.
Jensen – O rendimento efetivo dos trabalhadores, segundo a pesquisa Pnad Covid-19 de maio que citamos na nota técnica, foi R$ 1.899,00 e o habitual é R$ 2.320,00. O salário mínimo necessário equivale ao rendimento habitual dos ocupados no Brasil, que têm rendimento de salário mínimo. Essa é uma informação estrutural importante do mercado de trabalho pra gente ter em mente e ver o nosso desafio de como isso precisa melhorar. O problema do Brasil nunca foi o alto valor pago como rendimento aos trabalhadores ocupados.

EC – O estudo aponta um aumento da população desalentada, pessoas economicamente ativas que desistiram de procurar emprego. O que isso sinaliza?
Jensen – No cenário de crise, o noticiário mostra a cada minuto que a situação se agrava, as empresas estão fechando, ninguém está contratando. Isso gera o desalento. É evidente que o auxílio emergencial, enquanto ele está sendo recebido, garante também uma certa segurança nas pessoas para, naquele instante, não procurar trabalho. Especialmente num cenário em que ninguém está contratando. A taxa de desocupação, inclusive, deve ser impactada mais à frente, quando de fato o auxílio emergencial cessar.

Existem várias propostas no Congresso, inclusive para que esse auxílio seja prorrogado até o final do ano, outra para que o valor pago pelo Bolsa Família seja duplicado quando o auxílio emergencial cessar. Há a proposta que o próprio governo tem falado, mas que não esclarece direito, a tal Renda Brasil. De alguma forma, isso vai ter que ser equacionado porque, se não, milhões e milhões ficarão sem rendimento e isso é um passo para a convulsão social.

EC – A informalidade não para de crescer, enquanto diminui o trabalho formal. As reformas prepararam o terreno para essa destruição das garantias, direitos e proteção do mundo do trabalho?
Jensen – A reforma trabalhista de 2017, ainda no governo Temer, já sinalizava a individualização da negociação, ou seja, retirava o sindicato desse espaço de negociação com os empregadores. As modalidades de contrato individual que passaram a ser legalizadas aumentaram muito e uma flexibilização no sentido da forma de pagamento das remunerações, especialmente aquelas flexíveis, como a participação nos lucros ou resultados; e especialmente a flexibilização do uso da jornada. O exemplo mais importante é a criação do contrato de trabalho intermitente de trabalho, aquele em que o empregador chama o trabalhador, inclusive pelo whatts app, e ele vai receber efetivamente na medida em que trabalhar. Essa é a ultraflexibilização do uso da jornada. A reforma de Temer sinalizava nesse sentido. O governo Bolsonaro tentou aprofundar essa flexibilização e principalmente a redução de direitos associados ao trabalho. E o governo chama isso de Carteira Verde e Amarela. Eles tentaram esse ano, em plena pandemia. O Congresso, pressionado pelo movimento sindical deixou a MP da Carteira Verde Amarela caducar. Mas a todo instante o governo tem tentado recolocar na agenda a flexibilização que precariza a inserção no mercado de trabalho.

EC – E a reforma da Previdência?
Jensen – Faz parte do contexto de diminuição desse direito associado ao trabalho. No contexto da reforma da Previdência aprovada no ano passado, já no governo Bolsonaro, se retarda o acesso ao direito da aposentadoria. Os trabalhadores vão ter que trabalhar muito mais tempo para ter direito ao benefício da aposentadoria integral. Obviamente que num mercado de trabalho em que a informalidade é crescente você vai colocar num horizonte muito distante a aposentadoria para a maior parte dos novos trabalhadores que estão ingressando no mercado de trabalho agora. Mesmo aqueles que já estão lá terão um longo percurso pela frente para poder acessar o direito da aposentadoria. São reformas que estão nesse mesmo espectro liberal de flexibilização dos contratos de trabalho e redução do acesso a direitos do trabalho.

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