Tesouro gastou quase R$ 3 tri com o Banco Central desde 2010
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Nos últimos dez anos, o Tesouro Nacional gastou quase R$ 3 trilhões com o Banco Central com a emissão de títulos da dívida pública sem contrapartida financeira. A denúncia é da associação Auditoria Cidadã da Dívida (ACD).
Na última quinta-feira, 27, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou o Banco Central a repassar R$ 325 bilhões para o Tesouro Nacional. Os recursos, que poderão ser ampliados, de acordo com o CMN, deverão ser usados no pagamento da Dívida Pública Mobiliária Interna, ou seja, cobrir o endividamento feito pelo governo em moeda. O banco registrou saldo positivo de R$ 503,2 bilhões no primeiro semestre. Desse valor, R$ 478,5 bilhões têm origem em operações cambiais – reservas e derivativos.
A entidade enviou Carta Aberta ao presidente do Banco Central questionando essa operação e alertou que esse “lucro” seria meramente escritural, não sendo, portanto, possível transferir o valor em dinheiro efetivo.
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DINHEIRO VIRTUAL – “O Banco Central ainda não respondeu qual é a fonte do dinheiro que pretende transferir, em efetivo, ao Tesouro Nacional, já que o anunciado “lucro” cambial é meramente contábil, decorrente do ajuste contábil do valor das reservas em dólar, ou seja, não houve o ingresso desse dinheiro no BC”, questiona a ACD. “Há anos temos denunciado o funcionamento distorcido e danoso da política monetária exercida pelo Banco Central, que tem consumido centenas de bilhões de reais do dinheiro do orçamento federal anualmente”, afirma Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora nacional da ACD.
Segundo ela, em pesquisa nos balanços do próprio BC, o anunciado “lucro” cambial decorre de simples ajuste contábil, isto é, a cotação do dólar subiu e por isso o volume de reservas cambiais passou a valer mais, quando se faz a conversão para reais. “Porém, na prática, ninguém “pagou” essa valorização. Esse dinheiro não entrou no caixa do BC, por isso esse dinheiro não existe fisicamente. Assim, como o BC vai entregar – em dinheiro físico – ao Tesouro?”, questiona Fattorelli.
De acordo com a ACD, o Tesouro Nacional emite e entrega títulos da dívida pública ao BC sem contrapartida financeira, mas o Tesouro paga juros ao BC sobre esses títulos. Só essa parte da “política monetária” custou, nos últimos 10 anos, R$ 2,79 trilhões, sendo R$ 1,67 trilhão de renúncia financeira e R$ 1,12 trilhão de juros que o Tesouro pagou ao banco, explica.
“O volume dessas operações chega a cerca de 20% do PIB no Brasil, algo que não encontra paralelo em nenhuma parte do mundo”
“O que o Banco Central faz com esses títulos da dívida pública que recebe de graça do TN? A maior parte é destinada às chamadas “operações compromissadas”, instrumento que no Brasil tem sido desvirtuado e usado de forma abusiva pelo BC para, na prática, remunerar a sobra de caixa dos bancos, como o antigo overnight”, Diz Fattorelli. Segundo ela, o volume dessas operações chega a cerca de 20% do PIB no Brasil, “algo que não encontra paralelo em nenhuma parte do mundo”.
Esquema mantém lucro dos bancos na crise
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No documento, a associação enumera que devido a esse mecanismo, R$ 1,2 trilhão de liquidez liberado pelo BC em 23 de março “não chegou a ser emprestado à sociedade em geral, levando milhões de empresas, principalmente as pequenas, a fecharem as portas por falta de crédito”. Em vez de correr risco e emprestar às empresas, os bancos preferiram receber a remuneração diária paga pelo BC. “Milhões de pessoas perderam suas empresas e seus empregos por causa disso. Mas os lucros dos bancos continuam firmes, em plena pandemia”, aponta.
Esse mecanismo foi também o principal responsável pela fabricação da crise financeira enfrentada pelo país a partir de 2015. “O abuso na utilização das operações compromissadas esteriliza a maior parte do dinheiro que deveria ficar disponível para empréstimos, gerando uma falsa escassez de moeda, que provoca a elevação dos juros de mercado. Naquele momento, quando a taxa básica Selic se encontrava em 14,25% ao ano, os juros de mercado alcançaram patamares inviáveis para milhões de empresas comprometidas com empréstimos bancários”. A quebradeira geral derrubou o PIB em 7% em apenas dois anos, o desemprego bateu recorde e a economia brasileira parou. “Mas o lucro dos bancos continuou batendo recordes”, expõe Fattorelli.