ECONOMIA

Teto de gastos: as finanças do estado no piloto automático

Projeto de Lei Complementar enviado pelo governador Eduardo Leite em regime de urgência à Assembleia Legislativa congela investimentos públicos até 2025
Por Gilson Camargo / Publicado em 18 de novembro de 2021

Foto: Itamar Aguiar / Arquivo/ Palácio Piratini

Governador Eduardo Leite (PSDB) reuniu-se com secretários e representantes de bancos no início da pandemia, em março de 2020

Foto: Itamar Aguiar / Arquivo/ Palácio Piratini

O Projeto de Lei Complementar 378/2021, que define o teto de gastos do Executivo estadual, foi encaminhado pelo governador Eduardo Leite (PSDB) em regime de urgência à Assembleia Legislativa no dia 28 de outubro. A proposta, que conclui as exigências da União para a adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), deve trancar a pauta da sessão do dia 30 de novembro. O projeto substitui a PEC 289/2020, que instituiu o teto de gastos estadual.

Assim como a Emenda do Teto (EC 95/2016), que limita os gastos do governo federal, a intenção do governo do estado é limitar o crescimento das despesas primárias na fase de empenho Conforme definido no próprio projeto de lei enviado ao legislativo, despesa primária são os “gastos necessários para a prestação dos serviços públicos à sociedade”. A proposta prevê a aplicação dessas regras por 10 anos a contar de 2022 e permite que investimentos sejam excluídos já a partir do quarto ano.

O cálculo do teto considera o valor da despesa primária empenhada, sem a inclusão de despesas intra- orçamentárias, no exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do IPCA/IBGE. Não inclui pagamentos decorrentes de sentença judicial, transferências constitucionais aos municípios, emendas individuais, transferências voluntárias ao SUS. Os investimentos mínimos constitucionais com saúde (18%) e educação (25%) foram “preservados”, ou seja, para atingir os gastos mínimos com educação e saúde, o governo poderá aplicar percentuais superiores ao teto.

O texto do PLC enviado por Leite à Assembleia Legislativa não deixa claro qual será o parâmetro adotado do IPCA/IBGE, apenas refere que a despesa primária do ano anterior deve ser corrigida por esse índice, deixando lacunas para interpretações, aponta a análise do Dieese.

O limite é individualizado para as despesas primárias dos poderes, do Ministério Público, do Tribunal de contas e da Defensoria Pública do Estado, compreendidas as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes.

Na avaliação do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o projeto do governo gaúcho propõe os mesmos moldes adotados em nível federal pela Emenda Constitucional (EC 95), a PEC do Teto dos Gastos.

“É pertinente destacar que nesse período de pandemia o governo federal pode pagar auxílio emergencial, e sustentar outros programas para o enfrentamento do coronavírus, porque tratou-se de despesas extra teto, em função do decreto de calamidade, do contrário, nada disso poderia ter sido feito. Nesse momento, se discute no congresso nacional a PEC dos Precatórios, que inclui “romper” o Teto de gastos. A proposta apresentada aos gaúchos é a concretização do projeto de Estado Mínimo, do retrocesso nas despesas sociais – aquilo que empiricamente não deu certo”, alerta a economista Anelise Manganelli, em nota técnica do Dieese divulgada nesta quarta-feira, 17.

“Para melhorar a economia do estado, o governo precisa fazer obras, investimentos públicos, a fim de gerar emprego e renda e acenar ao empresário que há uma retomada vigorosa em curso. Com o  Teto, isso fica limitado, pelo menos até o 2025, o que leva a crer que, o governo não tem projetos robustos para o desenvolvimento regional e/ou foca exclusivamente na privatização”, constata.

Diante do impasse de ter que atender a população com o básico, e não poder aumentar gastos, o governo criará forçadamente a necessidade de vender patrimônio público, mesmo se a arrecadação estiver crescendo, colocando as finanças do estado no piloto automático, prevê a técnica do Dieese. “O PLC 378/21 impede o aumento dos investimentos sociais, mesmo num período de crescimento econômico”.

Impactos na qualidade de vida

Uma das questões mais pontuadas em relação ao déficit público orçamentário do Rio Grande do Sul, que não é recente, as despesas previdenciárias crescem por uma questão demográfica, ou seja, a população idosa cresce mais que a população em geral, portanto, só esse fato faz com que a variação do gasto seja maior que a inflação. O exemplo ilustra como a medida deverá impactar a vida dos gaúchos. “O PLC 378 não se restringe a um congelamento dos gastos, é uma redução de gasto por habitante. Como se observa no caso federal (EC 95) e aqui no Rio Grande do Sul será ainda mais acentuado, decorrente da configuração demográfica. O aumento dos gastos públicos não implica necessariamente piora dos resultados das contas públicas, mas tem impacto direto na melhoria da qualidade de vida da população”, demonstra.

Além disso, os percentuais mínimos constitucionais para aplicação em educação e saúde serão transformados em Teto. “No caso nacional, desde a implantação da EC 95, dados revelam que a saúde perdeu mais de R$ 22 bilhões de seu orçamento, se comparado ao que seria o mínimo anterior, e a educação, que estava acima do mínimo, vem sendo reduzida – a educação saiu (na implantação do Teto) de um patamar de 26% das receitas líquidas de impostos e chegou a um patamar de 19%”. No Rio Grande do Sul, a constituição estadual prevê que 35% da receita líquida de impostos seja aplicada em educação, mas o governo não cumpre esse percentual. Mesmo computando os inativos na conta, em 2020, aplicou apenas 28%. Com o Teto vigente, não deverá passará dos 25% – em decorrência do acirramento da disputa  pelo orçamento, projeta.

A “preservação” da educação e da saúde incluídas no PLC 378, apenas ratifica o que constitucionalmente o estado já está obrigado a cumprir – o mínimo (25% e 18% respectivamente). “Não é garantia de recursos ou preservação do orçamento para essas duas áreas, não se trata de garantir que o governo pague o reajuste do Piso do Magistério, de reposição da inflação (que já chega a 51,33% de redução dos salários), nada disso, pelo contrário”, pondera a economista.

Os proponentes do PLC 378, alegam que o Teto é necessário para ter responsabilidade fiscal além de ser exigência da União para a adesão ao RRF, mas o governo já conta com a Lei de Responsabilidade Fiscal que é bastante rigorosa, contrapõe a análise. “Alegam que cortar gastos permitirá a atração de investimentos e ampliação da competitividade, no entanto, não há qualquer relação entre déficit público e taxas de crescimento e, além disso, essa justificativa equivocada, evidencia o desprezo pelo papel “anticíclico” do gasto – o efeito multiplicador do gasto público”, diz Anelise.

A aprovação do Teto de gastos como condição para a adesão ao RRF impõe, de acordo com a LC 178/2021, algumas prerrogativas aos estados. Por exemplo, o contrato de refinanciamento da dívida deverá prever que o estado vinculará em garantia à União as receitas de  ICMS, IPVA , ITCD, IRPF e transferências. Também define o prazo no qual deverá ser apresentada comprovação do pedido de desistência pelo estado das ações judiciais que discutam dívidas ou contratos de refinanciamento de dívidas pela União administrados pela Secretaria do Tesouro Nacional  ou a execução de garantias e contragarantias pela União em face do respectivo ente federado. “Essa vinculação é uma clara violação à autonomia dos entes (estados), além de poder trazer graves consequências para o funcionamento da máquina pública”.

Único a aderir, Rio gastou mais e se endividou

No artigo A crise fiscal dos estados e o Regime de Recuperação Fiscal: o déjà vu federativo, escrito pelos professores de Economia da Unesp Raphael Torrezan e Cláudio César de Paiva e publicado na Revista de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, o Rio de Janeiro foi o único estado que aderiu ao Regine de Recuperação Fiscal (RRF), em 2017.

Ao contrário do que prevê o receituário de austeridade, o estado gastou mais e se endividou mais após adotar a lei do teto de gastos.

“Os resultados conhecidos são a piora de dois dos três indicadores considerados para a adesão ao RRF: a razão entre Despesa Corrente e Receita Corrente Líquida e a razão percentual entre o total de obrigações contraídas e disponibilidades de caixa de recursos livres apresentaram trajetória crescente no período analisado pelos pesquisadores”, destaca Anelise.

O único dos três indicadores que apresentou “melhora” foi a redução da razão entre o somatório das despesas de pessoal e as despesas relativas ao serviço da dívida e a Receita Corrente Líquida, graças ao arrocho praticado desde 2014 e à falta de concursos públicos para reposição dos quadros, aponta a economista do Dieese.

Comparativo Regra de Teto/RRF Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul

Componente Rio de Janeiro Rio Grande do Sul
Legislação LC 193/2021 PLC 378/2021
Início de vigência 2022 2022
Tempo de vigência 3 anos 10 anos
Abrangência Limite global individualizado por poder
Base de cálculo inicial despesas primárias 2018 despesas primárias 2021
Teto estimado para 2022 21,90% 9,77%
Teto estimado para 2023 4,79% 4,79%
Teto estimado para 2024 3,32% 3,32%

Fonte: LC 193/21, PLC 378/21, IBGE (IPCA), Banco Central (projeções 16/11/2021), Subseção SEPE/Dieese Nota: Projeção do IPCA acumulado de jan. a dez do exercício anterior, com exceção do Teto de 2022 do RJ. Elaboração: Dieese

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