ECONOMIA

Em breve, o Brasil poderá ter a conta de luz mais cara do mundo

Preços manipulados desde a ditadura militar, um processo de privatização sem órgão regulador forte e investimentos numa matriz energética cara e poluente pesam no bolso dos brasileiros
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 14 de janeiro de 2022
A usina termelétrica GNA I, localizada no Porto do Açu, município de São João da Barra, Rio de Janeiro, é a segunda maior do país

Foto: UTE GNA I/Divulgação

A usina termelétrica GNA I, localizada no Porto do Açu, município de São João da Barra, Rio de Janeiro, é a segunda maior do país

Foto: UTE GNA I/Divulgação

De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último dia 11 de janeiro, em 2021 o reajuste acumulado na conta de luz para o consumidor residencial no Brasil foi de 21,21% nos 12 meses do ano. Mais do que o dobro da inflação acumulada, de 10,06% (o maior patamar já verificado dos últimos seis anos). Sendo um principais componentes inflacionários, a energia elétrica mantém desde o ano passado a condição da segunda tarifa mais cara do mundo.

No ranking geral, o país fica atrás apenas da Alemanha. No setor empresarial, onde há valores diferenciados porque o insumo é fundamental para a cadeia produtiva, também houve reflexos. Saindo da sexta posição em 2018 para a segunda posição em três anos, hoje as tarifas praticadas . Nesse segmento, ficando atrás da Itália, que lidera o ranking da tarifa empresarial.

Ao lado dos inúmeros aumentos dos combustíveis e gás de cozinha decorrentes da política de preços da Petrobras sob o governo Bolsonaro, as tarifas de  Energia Elétrica puxaram a inflação acumulada no país para os dois dígitos, mais do que o dobro da meta prevista pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que era de 3,5%.

Tudo indica que a situação tende a piorar, fazendo com que os consumidores brasileiros acabem tendo a tarifa mais onerosa do planeta brevemente. Em especial com relação ao poder de compra da população. Documentos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já fazem uma previsão de 21,04% de aumento médio nas contas em 2022.

NESTA REPORTAGEM
Na contramão da história, o presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) sancionou a lei que que obriga o uso de usinas termelétricas movidas a carvão mineral de Santa Catarina até 2040.

Antes, em junho passado o Congresso aprovou na Medida Provisória que possibilita a privatização da Eletrobras (MP 1.031/21) a obrigatoriedade de instalação de usinas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, locais onde hoje não existe fornecimento de gás natural.

Mais poluente e mais cara

A energia gerada nas ditas usinas termelétricas, além de serem mais poluentes, causando um maior impacto ambiental, também é a mais cara. Segundo o Instituto Clima e Sociedade, a insistência em um modelo de geração térmica colocou na conta de luz um custo de R$ 37 bilhões somente no ano passado.

A lógica, segundo o instituto seria a utilização de fontes renováveis para diminuir o impacto no bolso do consumidor. Insolação para as usinas fotovoltaicas e ventos para as eólicas é o que não faltam no Brasil.

O que contribui também para o alto valor da energia brasileira são os impostos que incidem sobre a prestação do serviço.

Historicamente o sistema tributário brasileiro privilegia o Governo Federal. Assim, os Estados adotam como “tábua de salvação” o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em energia e telefonia, itens relevantes da base tributária.

O ICMS sobre as faturas de energia chega a atingir uma alíquota nominal de 25%. No entanto, um artifício na forma de calcular esse índice eleva essa alíquota para 33,3%, um terço do valor pago pelo consumidor final. É o chamado “por dentro” no jargão contábil.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que essa alíquota não poderá passar de 17% nominais ou 20,5% “por dentro”, mas definiu também uma regra de transição que vai até 2024.

Manipulação da ditadura

Para um experiente executivo de regulação do setor elétrico que pediu para manter seu nome em anonimato, o Brasil “pulou” de um sistema elétrico nacional público, com custos artificialmente baixos para exercer controle sobre a inflação, para um sistema privado, com um órgão regulador fraco ou incompetente que é incapaz de conter abusos das empresas concessionários.

“Na era Delfin Neto, o preço da tarifa final do consumidor era manipulado para conter a inflação, levando as empresas estatais ao sucateamento sem capacidade de expansão para atender o crescimento da demanda” afirma o executivo. Ele ainda lembra que na ocasião a tarifa média final era na faixa de U$ 50 por kWh. Estudos indicavam, por outro lado, que a tarifa deveria ser U$ 65 por kWh para retomar a eficiência das empresas.

Sem regulação

Por outro lado, a privatização do setor realizada nos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) iniciou sem um órgão regulador. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) surgiu depois. Para a fonte de Extra Classe, a Aneel se mostra até hoje incompetente. Como exemplo ele cita os altíssimos deságios que ocorrem em todos os leilões de transmissão. “Denotam que ela não sabe calcular as tarifas”.

Outra crítica recai sobre a legislação que rege os reajustes e revisões tarifárias. “Com relação às distribuidoras, tem-se a clara noção de tratar-se de um sistema artificialmente sofisticado, de difícil entendimento de qualquer pessoa não especializada que, na prática, se transforma em uma ‘caixa preta’ muito difícil de ser questionado por órgãos externos, inclusive o judiciário”, denuncia.

Fim dos grandes reservatórios

Outro aspecto do período é que, por razões de ordem ambiental, as usinas hidrelétricas deixaram de ser construídas com reservatórios plurianuais e passaram a ser construídas como “fio d’água”, pequenos reservatórios.

Isso fez o país ficar mais exposto as variações das incertezas hidrológicas, o regime de chuvas. Em épocas de seca, com reservatórios abaixo da sua capacidade, são acionadas as térmicas que levam os preços da energia às alturas. A saída encontrada pela Aneel foi a criação de mais um custo para o consumidor, as chamadas bandeiras tarifárias.

Impacto na economia

O impacto Econômico a alta da energia elétrica no país em 2021, segundo relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na queda de 0,11% do PIB. Isso equivale a uma perda de R$ 8,2 bilhões comparados aos preços de 2016. Já o impacto sobre o emprego, foi o decréscimo de 0,19%, uma perda de cerca de 166 mil empregos em relação à quantidade de pessoas ocupadas entre abril e junho de 2017.

Os países onde a energia é mais cara:

Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), os dez países onde a tarifa de energia elétrica mais pesa no bolso da população (maior Paridade do Poder de Compra) são:

1º – Alemanha
2º – Brasil
3º – Itália
4º – Turquia
5º – Singapura
6º – Indonésia
7º – Japão
8º – Índia
9º – Reino Unido
10º – África do Sul

 

 

 

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