ECONOMIA

Privatização da água tem armadilhas nos contratos para prefeituras

Sindiágua denuncia ação lesiva e falta de transparência na venda da Corsan. Em parecer contraditório, Agergs aprova privatização, mas admite que estatal tem equilíbrio econômico-financeiro
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 22 de março de 2022

Foto: Itamar Aguiar/ Palácio Piratini

Em novembro do ano passado, o diretor-presidente da Corsan, Roberto Barbuti e representantes de 13 municípios assinaram aditivos aos contratos de programas vigentes com a Corsan para adequação ao Marco Legal do Saneamento

Foto: Itamar Aguiar/ Palácio Piratini

Na cruzada contra o processo de privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiágua/RS) denunciou o que chama de “armadilhas” no novo aditivo apresentado às prefeituras gaúchas. O prazo de adequação dos contratos vence no próximo dia 31 de março para que os executivos municipais autorizem a privatização da estatal.

A questão da falta de transparência no processo continua impactando. Para o Sindiágua/RS, a nova versão apresentada pelo governo Eduardo Leite (PSDB) fez a façanha de aglutinar em quatro cláusulas as 58 mudanças do primeiro documento que foi rechaçado por 75% dos municípios gaúchos que são acionistas da Corsan.

Rogério Ferraz, diretor de divulgação do Sindiágua/RS, aponta que a diferença é que no primeiro documento os termos de privatização eram claros, bem como os termos de aumento de tarifa. “Neste segundo documento tudo é feito de forma sorrateira, disfarçada, dissimulada”, denuncia.

Condições leoninas

Foto: Divulgação

Ferraz, do Sindiágua/RS: “tudo é feito de forma sorrateira, disfarçada, dissimulada”

Foto: Divulgação

Exemplos dessa dissimulação apontada pelo sindicato estão fortemente cristalizadas na segunda e quarta cláusula do aditivo apresentado. No primeiro caso, segundo Ferraz, “há uma tentativa de fazer com que os prefeitos renunciem a “um contrato com termos plenamente vigentes e que estão de acordo com a legislação da época em que foi assinado”.

O Sindiágua/RS registra que Leite pede permissão para a inserção automática no contrato de qualquer lei que possa ser decretada no futuro, sem a necessidade de um novo aval dos municípios.

No segundo caso, denuncia a entidade, a atual direção da Corsan quer que os chefes dos executivos municipais assinem o contrato sem saber o que estão assinando.

Concretamente, o quarto requisito diz que devem permanecer em vigor todas as demais cláusulas e condições estabelecidas e seus eventuais aditamento. A exceção ficaria nos casos contrários ou abolidos no Novo Marco Legal do Saneamento Básico (NMLSB) ou em futuras leis para o setor.

Agência reguladora

Foto: Joaquim Moura/ALRS

Fernandes afirma que a Agergs induz a privatização ao invés de cumprir o seu papel de defender os interesses dos gaúchos

Foto: Joaquim Moura/ALRS

Já o deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) fala que está sob o impacto do recente parecer da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) emitido em 15 de março passado. “Diz que a Corsan apresenta equilíbrio econômico-financeiro, mas, ao mesmo tempo, diz que tem que privatizar”, resume Fernandes, ao ressaltar o que entende ser uma dubiedade.

O parlamentar vai mais longe. “É assustador esse documento que vem de uma agência que, em tese, deveria defender os consumidores, mas que, praticamente, está induzindo uma privatização sem transparência”.

Diante disso, Fernandes informa que entrou com um pedido de informações na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (Alergs). Ressalta ainda que a bancada do PT tomou também a providência de renovar todos os pedidos de informações que questionam a Agergs, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o processo de privatização da Corsan. Desta vez, via presidência do parlamento gaúcho.

Inspeção sigilosa

Foi a própria CVM, lembra o parlamentar, que colocou obstáculos no andamento do rito de privatização da Corsan que, agora, o governador Leite promete para julho. A ideia inicial era fevereiro deste ano.

Há uma inspeção dentro do TCE sobre a questão. Isso fez com que a CVM, entre outros fatos, solicitasse detalhes sobre o encaminhamento, o que inviabilizou a ideia do governador, além da óbvia falta de concordância da maior parte dos municípios acionistas da estatal.

Parte interessada (amicus curiae) no processo de inspeção, Fernandes relata as dificuldades de se conseguir informações sobre a investigação que é promovida pelo TCE. “Mesmo na condição de ‘parceiro’ da inspeção, eu não estou conseguindo muito acesso ao processo”, desabafa o deputado diante do que vê como uma grande falta de transparência.

“O governador (Leite) gravou um vídeo nos Estados Unidos dando um recado ao mercado. Nitidamente foi uma cortina de fumaça sob o questionamento do próprio mercado, que é representado pela CVM”, conclui Fernandes.

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