ECONOMIA

Com sucessivas quebras de safra, setor da uva vive momento de nervos à flor da pele

As enchentes agravam a situação dos pequenos produtores da uva que chega às mesas dos brasileiros na forma de produto in natura, sucos e vinhos
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 10 de junho de 2024
Com sucessivas quebras de safra, setor da uva vive momento de nervos à flor da pele

Foto: Fecovinho/ Divulgação

Produção de pequenos produtores de uva, sucos já vinha sendo comprometida pelos ciclones e foi inviabilizada com as enchentes

Foto: Fecovinho/ Divulgação

As mudanças climáticas têm vitimado com força os pequenos produtores do setor da viticultura gaúcha. Se olhos leigos viram com alívio a safra da uva deste ano ter sido colhida antes da tragédia que toma conta do Rio Grande do Sul, a realidade da agricultura familiar na viticultura gaúcha, de fato, tem sido de um revés atrás do outro.

Com uma vindima que já apresentou uma perda de 40% em relação a 2023 por força da série de chuvas extemporâneas de setembro e outubro, a promessa para 2025 não deve ser muito diferente. Há, no entanto, agravantes que podem levar até à necessidade de reassentamentos de famílias que têm suas terras sob ameaça de desmoronamento.

Helio Luiz Marchioro, diretor executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), relata casos que ilustram bem essa situação.

São exemplos de perdas de parreiras ou de mudas por alagamento, outros de parreiras que mudaram de local pelas enxurradas e a situação extrema de quem teve suas casas e terras condenadas pela fatalidade.

Com sucessivas quebras de safra, setor da uva vive momento de nervos à flor da pele

Foto: Fecovinho/ Divulgação

Parreirais foram arrasados pela água nas pequenas vindimas da Serra

Foto: Fecovinho/ Divulgação

“Esse produtor terá que reconstituir a sua vida, a sua atividade produtiva em outro lugar. Ali não vai poder mais”, lamenta Marchioro sobre esta última condição.

Não está quantificado aí, lembra o executivo da Fecovinho, por exemplo, o prejuízo com máquinas e equipamentos que ficaram inutilizados.

“É uma coisa importante de dizer, senão as pessoas acham que é “só” a casa do agricultor que foi embora. Não. É um contexto todo, né? Que vai desde a perda do carro da própria família, de um trator e até de animais que garantiam a sua subsistência”, elenca Marchioro.

Avalanches

Apesar dos números ainda não estarem consolidados e na dependência de reportes dos municípios, dados preliminares da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural no Rio Grande do Sul (Emater/RS) registram a destruição de ao menos 500 hectares de plantações de uva em pequenas propriedades na Serra gaúcha.

Destes, pouco mais de 50% foram danificados pelo que se convencionou chamar de verdadeiras avalanches em decorrência dos alagamentos na região serrana.

Comparada com outras culturas, como a da soja e do arroz, 500 hectares, explica o dirigente, é pouca área. Mas, segundo ele, ao levar em consideração que a média de um parreiral por produtor gira em torno de 2,8 a 3 hectares, o caso aponta para a realidade de que são pequenos produtores rurais, responsáveis por algo em torno de 3% do PIB do Rio Grande do Sul.

“Nós podemos dizer que, da produção de uva, independente se é para indústria ou para consumo in natura, o Rio Grande do Sul é responsável ainda por uns 85% da produção nacional. Não necessariamente tudo isso vira vinho, que dá um pouco mais de 1% (do PIB)”, detalha Marchioro.

Alteração do processo vegetativo

Com sucessivas quebras de safra, setor da uva vive momento de nervos à flor da pele

Foto: Acervo Pessoal

Marchioro afirma que mudanças climáticas já interferem até no processo vegetativo das videiras e conta que teve que antecipar a colheita

Foto: Acervo Pessoal

O diretor da Fecovinho dedica-se também à produção de vinhos orgânicos. Tem uma propriedade de 2,5 hectares em Pinto Bandeira, dos quais usa 1,3 hectare para cultivar a própria uva. Como produtor, ele registra outro efeito que sente na pele por causa da mudança climática.

Segundo ele, as chuvas verificadas nos últimos tempos alteraram o processo vegetativo das videiras. “Eu mesmo tive problema de colheita da minha uva. No ano passado, colhi a cepa no início de março e agora, em 2024, tive que fazer a colheita em 15 de fevereiro”, ilustra.

Além da alteração do sistema vegetativo da planta, houve problemas de produtividade, relata ao recorrer a outro exemplo da sua produção. Foi a presença de pragas que, em tese, não deveriam afetar sua lavoura por causa do modo de cultivo que pratica, o coberto.

No meio de tudo, Marchioro destaca o surgimento de uma incógnita. “Como é que eu entendo isso? Eu não entendo. Ninguém explica. Alterou o sistema vegetativo da planta de tal maneira que a pergunta é: o que eu faço com essa planta no inverno? Quais os tratamentos?”, questiona.

Nervos à flor da pele

A expectativa do diretor-executivo da Fecovinho é que, depois da calamidade que tomou conta do Rio Grande do Sul, os sistemas de produção e de relações sociais possam entrar em outro patamar.

“De solidariedade, de colaboração, de cooperação, né? Não apenas setorial, humanitário”, vislumbra.

Além de problemas econômicos, o saldo deixado até o momento, explica o dirigente cooperativo, é de questões de abalo psicológico, com atingidos tendo a necessidade de alguém que converse com eles.

Marchioro ressalva que é inequívoca a série de notícias que surgem a todo o momento de apoios, de ajuda humanitária, e de que os governos estadual e federal estão definindo políticas para a reconstrução do Rio Grande do Sul. Mas alerta para os efeitos da catástrofe na saúde mental da população como um todo e dos próprios agricultores do setor.

“Os nervos estão à flor da pele. Tem que ter muita calma em todos os ambientes, porque as pessoas estão nervosas, com o comportamento alterado por consequência de uma insegurança total. Teve muito produtor que ficou sem energia elétrica por mais de 15, até por 20 dias. Sem estrada, sem conseguir voltar para sua propriedade e sem saber se, quando voltasse iria encontrar sua casa, como muitos não encontraram”, registra.

Entraves do rentismo

No entanto, critica ele, “não vi até agora nenhum banco se manifestar e dizer o seguinte: ‘nós, por conta própria, vamos buscar o governo e vamos negociar as taxas por dentro para diminuir o ônus e o custo do dinheiro para emprestar para esses agricultores’”, critica.

Todos, para Marchioro, estão dispostos a repassar o dinheiro ao custo do governo. “Não, para lá. Vamos parar. A taxa de juros que o governo está oferecendo, que seja 4% para resolver ajudar os agricultores, ele faz a equalização. Ou seja, o banco nunca perde e ainda vai cobrar um spread bancário de quanto? O spread bancário pode ser maior que a taxa de juros que o governo definir?”, questiona, ironizando.

Para ele, não há a menor dúvida ainda da necessidade de um fundo garantidor, porque os vinicultores já têm quatro safras passadas comprometendo suas garantias para financiar as quebras que aconteceram por conta das secas.

“Se você comprometeu em financiamentos as suas garantias, agora você não tem garantia. Então, nós precisamos de um fundo garantidor. O fundo garantidor normalmente já pede 0,8%, 0,7%, 1% de taxas e, normalmente, só garante 75%, 80%. Para o resto, o agricultor vai ter que buscar a garantia e ainda pagar o fundo. Ou seja, essas medidas em que um sistema de rentismo não abre mão de nada, para nós não servem”, reclama.

Marchioro desabafa: “Nós estamos aqui produzindo alimento, comida, não para exportar. Nós não temos nenhuma compensação tributária. O vinho está na cesta do imposto seletivo. O suco de uva, o espumante e o vinho até há pouco tempo atrás pagavam tributo antes de sair das vinícolas”, ao se referir ao mecanismo de substituição tributária. Para Marchioro, quem produz alimentos, sucos, vinhos e espumantes para consumo interno não deveria ter essa tributação.

“Nós não somos isentos para vender no mercado interno, somente se exportasse. Me coloco no lugar do presidente (Lula), que diz querer baixar o custo do alimento para que todo mundo possa comer. Como? Com a taxa de juros do Banco Central, com a Selic como está, com os juros que os bancos estão pedindo, enfim, com a usurpação praticada pelo rentismo financeiro nesse país, é impossível, conclui.

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