ECONOMIA

Justiça derruba liminar e Campos Neto volta a ser investigado

A Comissão de Ética Pública investiga se o presidente do Banco Central, dono de uma offshore nas Ilhas Virgens, se beneficiou com o cargo
Por César Fraga / Publicado em 8 de agosto de 2024
Justiça derruba liminar e Campos Netto volta a ser investigado

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Campos Neto, presidente do Banco Central desde 2019, aparece na lista como proprietário uma offshore nas Ilhas Virgens desde 2004, o que levantou suspeitas de que tenha se beneficiado do cargo, a partir de 2019, para multiplicar sua fortuna

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Com decisão unânime, a 1ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassou a liminar que suspendia a continuidade do processo de investigação da Comissão de Ética Pública – ligada à Presidência da república – sobre suspeitas de conflito de interesses na atuação Roberto Campos Netto na presidência do Banco Central.

No julgamento, os três desembargadores do TRF1 analisaram um recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) contra uma liminar expedida em setembro do ano passado pela 16ª Vara Federal de Brasília a pedido da defesa de Campos Neto.

O Partido dos trabalhadores publicou em seu site que a decisão da Justiça sinaliza para uma possível demissão de Roberto Campos Neto do cargo de presidente do BC.

A investigação na comissão foi aberta em 2021, após o escândalo dos Pandora Papers, que revelou a riqueza secreta e os negócios de líderes mundiais, autoridades e empresários. Na ocasião, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) publicou 11,9 milhões de documentos vazados. Além do presidente do Banco Central, a Pandora Papers apontou operações suspeitas do ex-ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro Paulo Guedes, da Prevent Senior e dos empresários Luciano Hang e Eike Batista, entre outros.

Campos Neto, presidente do Banco Central desde 2019, aparece na lista como proprietário uma offshore nas Ilhas Virgens desde 2004 com US$ 1 milhão aplicado, levantando suspeitas na Comissão de Ética Pública de que possa ter multiplicado sua fortuna a partir de decisões tomadas no cargo, como a definição da taxa Selic, por exemplo.

A partir da decisão do TRF1, a comissão poderá retomar a investigação, que havia sido interrompida pela liminar quando o colegiado se preparava para analisar o relatório sobre o caso, que é desfavorável ao presidente do BC.

O colegiado propõe instaurar contra Campos Neto um processo administrativo ético, uma espécie de investigação avançada que pode resultar em uma simples advertência ou até em uma recomendação para que o presidente Lula o demita.

A 1ª Turma do TRF1 começou a analisar o recurso da AGU contra a liminar em abril deste ano. Votaram a favor do recurso o relator, Morais da Rocha, e também Marcelo Albernaz. Na sequência, o presidente do colegiado, Gustavo Soares Amorim, pediu vista para analisar o caso com mais profundidade, o que suspendeu o julgamento.

Amorim entrou no tribunal em 2022, último ano de Jair Bolsonaro na presidência. Ele ocupou a vaga deixada por Nunes Marques, indicado por Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, e contou com o apoio do atual ministro para entrar no TRF1. Na quarta-feira (7), o desembargador finalmente apresentou o seu voto, a favor da continuidade da investigação da Comissão de Ética Pública.

Em setembro do ano passado, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou à Comissão de Ética Pública um pedido de investigação sobre um outro fato considerado suspeito na conduta do de Campos Neto à frente do BC: a existência de um fundo exclusivo registrado, em 10 de janeiro de 2018, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Receita Federal.

Quando Lindbergh fez o pedido à comissão, o fundo possuía um único cotista, pessoa física e detentor de 100% do patrimônio desde o início. O CNPJ é 30.077.624/0001-78.

Em 26 de outubro do ano passado, uma reportagem da revista CartaCapital informou que os investimentos no fundo exclusivo começaram em 29 de janeiro de 2019, um mês antes de Campos Neto assumir a presidência do BC, e o montante aplicado à época somava R$ 12,5 milhões.

Ainda conforme a revista, em agosto de 2020 o fundo investiu R$ 5 milhões em Letras Financeiras do Tesouro, títulos indexados à taxa Selic, que é definida pelo Banco Central. Em outubro do ano passado, segundo a reportagem, o valor chegou a R$ 30,5 milhões – crescimento de 144% em pouco menos de cinco anos.

O deputado Lindbergh, além de pedir investigação à Comissão de Ética Pública, também inquiriu diretamente Campos Neto sobre o assunto. Foi em setembro do ano passado, durante audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Além de perguntar se o bolsonarista era dono do fundo exclusivo, quis saber se eram feitos investimentos em Tesouro Direto ou em títulos do Tesouro. Ficou sem resposta.

Título público é um papel que o governo vende no mercado financeiro em troca do compromisso de devolver o dinheiro lá na frente ao comprador e de pagar um adicional sobre o valor original da venda. Uma das referências usadas para remunerar compradores de títulos é a taxa básica de juros (Selic), que o Banco Central mantém nas alturas, sufocando a economia e multiplicando os lucros dos especuladores, como Campos Neto.

A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), comentou, pela rede social X, o desfecho do julgamento do TRF1 e questionou o motivo de Campos Neto ter recorrido à Justiça para barrar a investigação da Comissão de Ética Pública.

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