Brasil pode reduzir 80% das emissões mesmo com PIB crescendo a 2%
Foto: Divulgação/Diogo Moreira/MáquinaCW/Governo do estado de São Paulo
Um levantamento do Observatório do Clima (OC), realizado durante um ano e divulgado nesta terça-feira, 22, projeta possibilidade de redução em cerca de 400 milhões de toneladas de dióxido de carbono no setor de energia até 2050, sem parar o crescimento econômico. A pesquisa também traça caminhos para a transição energética e o abandono gradual de combustíveis fósseis.
O estudo do OC indica que o Brasil poderá chegar a 2050 emitindo cerca de 102 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2e) no setor de energia, ou seja, cerca de 80% a menos do que é emitido atualmente, mesmo que a economia cresça, em média, mais de 2% ao ano no período.
O documento apresenta proposta para uma transição energética com metas e compromissos, sem ignorar o crescimento da demanda energética em diferentes cenários de crescimento econômico, além das particularidades e desafios de cada atividade analisada.
Segundo as organizações que formam parte do grupo de trabalho de energia do OC, caso as tendências atuais para o setor de energia se mantenham – mesmo incluindo compromissos positivos relacionados à produção de biocombustíveis e ao aumento de fontes renováveis –, o setor de energia brasileiro deverá chegar a 2050 emitindo 558 milhões de toneladas de CO2e, número superior ao pico alcançado em meados da década passada.
Em 2022, as emissões do setor ficaram em 490,6 milhões de toneladas de CO2e, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG/OC).
Por isso, a descarbonização é necessária diante do quadro de crise que se configura no Brasil e no planeta, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do OC. “O relatório mostra que é possível reduzir o uso de combustíveis fósseis mesmo num cenário de crescimento econômico. Com análises técnicas sólidas, demonstra que podemos alterar rotas equivocadas e contribuir no setor de energia para que o Brasil se torne um país carbono negativo até 2045”, salienta.
Medidas que o Brasil precisa adotar
As medidas contemplam áreas como transportes de carga e de passageiros, produção de combustíveis e biocombustíveis, indústria e geração de eletricidade. Também são abordadas questões como as perspectivas para a produção de hidrogênio verde, o fechamento de termelétricas a carvão, o crescimento das fontes eólica e solar e o papel das térmicas a gás fóssil em médio e longo prazos.
Essas diretrizes buscam reduzir em 92% as emissões líquidas até 2035 em relação aos níveis de 2005, número defendido pelo OC para uma nova proposta brasileira de NDC (meta atualizada para o Acordo de Paris). Isso significaria diminuir as emissões líquidas de gases de efeito estufa de 2,44 bilhões de toneladas de CO2e, cifra de 2005 estimada pelo SEEG, para no máximo 200 milhões de toneladas de CO2e.
Os objetivos também se inserem na Estratégia Brasil 2045 do OC, que defende que o país pode se tornar a primeira grande economia do mundo a sequestrar mais gases de efeito estufa do que emite, tornando-se negativo em carbono até o ano de 2045. O estudo foi motivado pelo entendimento de que, embora imprescindível, zerar o desmatamento da Amazônia e de outros biomas não é o suficiente para que o Brasil cumpra as metas de Paris.
Conforme os pesquisadores, o Brasil larga na frente por conseguir gerar 90% de sua energia elétrica a partir de fontes renováveis, mas ainda assim há um longo trabalho a ser feito nas atividades que mais emitem gases de efeito estufa do setor de energia. Para que ocorra uma transição, o OC ainda se debruçou sobre os impactos socioambientais – que já ocorrem – das novas fontes renováveis e da mineração de metais estratégicos, apontando quais salvaguardas e iniciativas de mitigação o poder público deve adotar.
Além disso, destaca temas como a reforma do setor elétrico, traz diretrizes sobre como superar a pobreza energética e corrigir injustiças, além de apontar os caminhos para melhorar a eficiência energética de diversos setores.
Foto: Marcopolo/Divulgação
Foto: Marcopolo/Divulgação
Economia
O trabalho levou em conta um crescimento médio do PIB de 2,1% ao ano até 2050, projeção usada para calcular a demanda energética e as emissões de gases de efeito estufa de cada atividade do setor de energia sob as premissas e diretrizes defendidas. Foi a partir dessa projeção de crescimento que se chegou à previsão de 102 milhões de toneladas de CO2e emitidos pelo setor de energia em 2050.
Considerando um crescimento médio do PIB de 2,1% ao ano e as diretrizes deste cenário tendencial (ou seja, se a matriz de produção de energia não tiver ajustes), o setor de energia chegará em 2050 emitindo 558 milhões de toneladas de CO2e. Entre as conclusões, o transporte de cargas, majoritariamente rodoviário, continuará sendo a principal atividade emissora do setor de energia. Mesmo considerando os objetivos propostos pelo OC (se o cenário de transição for ajustado), a atividade é a que apresenta os maiores desafios por conta das dificuldades de eletrificar caminhões pesados e semipesados, seja pelos custos das baterias e de outros componentes, seja pelas longas distâncias percorridas.
Assim, a redução dessas emissões deverá ser relativamente lenta até 2040, com o aumento do uso de biodiesel, eletrificação parcial, concentrada em caminhões médios e leves, e aumento de eficiência. A partir de 2040, contudo, a redução de emissões deve se acelerar com a maior inserção do diesel verde.
Os cálculos indicam que o nível de emissões deve cair de 115 milhões de toneladas de CO2e em 2022, segundo dados do SEEG, para 38 milhões de toneladas em 2050 – isto é, 38% das emissões projetadas para o setor de energia. “A maior oportunidade para reduzir as emissões rapidamente está no transporte de passageiros”, afirma o OC.
Os resultados que seriam alcançados a partir dos compromissos defendidos pelo OC são comparados com os obtidos em um cenário tendencial, que buscou projetar as emissões a partir das tendências para os próximos anos. Para isso, foram analisados os compromissos – positivos ou negativos – assumidos pelo poder público, com foco nos programas do governo federal e nas legislações discutidas no Congresso, além das tendências de mercado e dos planos estratégicos de empresas como a Petrobras.
Contradições
As emissões do setor de energia não têm sido tratadas com a atenção necessária no caso brasileiro, aponta o relatório. “Além da insistente priorização das fontes fósseis, há retrocessos regulatórios que ainda têm de ser corrigidos pelo governo Lula. Não se reverteu, por exemplo, nem a contratação de energia carbonífera até 2040, prevista pelo Programa de Transição Energética Justa (Lei 14.299/2022), nem a exclusão formal do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) da lista de iniciativas abrangidas pelo Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Decreto 9.578/2018)”, cita.
Ao mesmo tempo, o Congresso se mobiliza para aprovar ainda mais retrocessos, como a inclusão no Projeto de Lei (PL) 11.247/2018, “que cria o marco legal das eólicas offshore, do jabuti estendendo a contratação de térmicas de carvão até 2050”.
Em contradição com o discurso referente ao processo de transição energética, o próprio PDE 2034, incluiu em suas previsões a expansão da produção líquida de gás fóssil – crescimento de 158% previsto para 2034, quando comparado a 2023. “Soma-se a isso a previsão de maior participação das termelétricas a gás na geração de eletricidade, o que não é compatível com os compromissos globais de redução de emissões de GEE e mitigação de desigualdades para os próximos anos”, ressalta o documento.
Outro ponto fundamental diz respeito aos subsídios embutidos nos custos suportados pelas tarifas, observa o OC. “Não é possível compreender, tampouco justificar, que as tarifas de energia elétrica ainda possam servir para dar continuidade aos subsídios da indústria carbonífera e das termelétricas que utilizam esse combustível fóssil. O consumidor acaba duplamente apenado: pela emissão de GEE e por mais poluição de ar, do solo e contaminação de água; e pelos subsídios que as usinas de carvão precisam para operar. Trata-se de uma energia suja e cara”, enfatizam os pesquisadores.