Câmara temática pede mudança nas leis para barrar terceirizadas
Foto: Igor Sperotto
Em audiência pública sobre a terceirização do trabalho, nesta segunda-feira, 11, no Plenarinho da Assembleia Legislativa do RS, a Câmara Tripartite da Terceirização encaminhou aos parlamentares gaúchos um pedido de alteração Lei Federal das Licitações 14.133/21 e Lei estadual 16.077/23 que rege os contratos das empresas terceirizadas no RS.
A iniciativa integra as ações do Pacto pelas Boas Práticas Trabalhistas e Enfrentamento à Concorrência Desleal no Trabalho Terceirizado no RS, fórum criado em dezembro de 2023 com representantes dos empresários, dos trabalhadores, legislativo (TRT4) e Ministério Público trabalhista (MPT-RS), Ministério do Trabalho e Emprego e Instituto do Trabalho e Transformação Social (ITTS).
As mudanças na legislação objetivam a melhorar o ambiente de trabalho no setor público e privado, assegurar o cumprimento dos contratos e os direitos dos trabalhadores, bem como qualificar as contratações de mão de obra. No encontro, também foi lançada uma cartilha nas versões impressa e on-line que qualifica as relações de trabalho e incentiva empregadores às boas práticas no mercado de trabalho.
O material intitulado O enfrentamento ao dumping social e a promoção do trabalho decente no RS – A valorização das boas práticas na prestação dos serviços terceirizados pode ser acessado nos sites do Ministério Público do RS (MPT-RS), Ministério Público (MPRS) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Trabalho decente
Foto: Igor Sperotto
Os documentos foram preparados ao longo do ano em reuniões mensais entre entidades empresariais e de trabalhadores em áreas terceirizadas com a coordenação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, no âmbito da Câmara Setorial.
As propostas de mudanças foram sistematrizadas nos textos das duas leis para serem apresentadas aos parlamentares e será criada uma comissão de acompanhamento dos deputados.
Constituída a partir do Pacto pelas Boas Práticas Trabalhistas e Enfrentamento à Concorrência Desleal no Trabalho Terceirizado no RS, em dezembro de 2023, com a presença do ministro do trabalho e emprego, Luiz Marinho, a Câmara Setorial foi uma resposta à deterioração das relações de trabalho no estado a partir da reforma trabalhista, com sucessivos flagrantes de trabalho escravo por fiscais do trabalho e do MPTRS, envolvendo o setor vinícola na Serra Gaúcha.
“Esses passos demonstram muita determinação em construir coletivamente um ambiente de confiança, produtividade, serviços de qualidade e compromisso com práticas para o trabalho decente e combate à concorrência desleal”, destaca o superintendente regional do Trabalho e Emprego, Claudir Nespolo.
A Câmara Setorial é composta por três grandes sindicatos empresariais, sete organização sindicais de trabalhadores em áreas como vigilância, telemarketing, asseio e conservação com acompanhamento do Instituto Trabalho e Transformação Social e vários órgãos públicos.
Sonegação, fraude e mortes
Um levantamento feito pela Câmara temática do trabalho terceirizado junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região encontrou 576 processos trabalhistas contra um único CNPJ de empresa terceirizada. O caso foi debatido durante a audiência pública para ilustrar o passivo trabalhista gerado por empresas terceirizadas que não são fiscalizadas ou se aproveitam de brechas na legislação para deixar de recolher direitos trabalhistas.
A assessora técnica do Instituto Trabalho e Transformação Social (ITTS), Lúcia Garcia, enfatizou a urgência na adoção das mudanças propostas para a legislação dos contratos e da Lei das Licitações.
Para ela, essas alterações visam a impedir que uma empresa pratique preços aviltados para ganhar uma concorrência já projetando que poderá economizar por não recolher direitos trabalhistas. Ao não ser acompanhada nem fiscalizada pelo poder público, essa empresa vai degradando as condições de trabalho ao longo do contrato, aponta.
“Os empresários idôneos estão nesta luta conosco, porque essas práticas geram uma concorrência desleal. O empresário mal-intencionado entra na licitação, baixa preço, não paga os empregados e cria uma degradação no mercado, impede empresas boas de concorrer. E para além disso, nós, comunidade, ficamos sem os serviços que foram contratados pela administração pública, e cai a massa salarial, porque esses trabalhadores terceiros são a maioria de nós. E isso faz com que a própria economia local seja prejudicada”, explicou.
Equatorial e Santander
No setor privado, relatou a economista, o passivo criado pelas terceirizadas vai além das fraudes e degradação do ambiente de trabalho e flertam com o trabalho escravo.
Lúcia explicou que “existe o paradigma da Equatorial, que acumula oito óbitos de trabalhadores no estado.
“Estamos estudando o caso da Equatorial, porque a legislação do ponto de vista privado é muito mais liberal ainda, mais dificil identificar os responsáveis. É preciso que as pessoas entendam que um trabalhador terceiro muitas vezes é recrutado em outras regiões do país pelas empreiteiras dos serviços que foram privatizados, chegam ao RS e são submetidos a situações degradantes de trabalho, eles não conseguem retornar, e muitas vezes, quando se chega a óbito, a prática das empresas é procurar a família, que em geral é uma família vulnerável, propor um acordo financeiro, e esse problema desaparece da vida social a partir da compra”.
Segundo ela, no ambiente privado, a terceirização ainda permite um outro fenômeno, que é a terceirização dentro do próprio conglomerado econômico.
“É o caso do Santander, que nós estamos discutindo e que é um problema que abrange o país inteiro. A empresa vai abrindo CNPJ e subcontratando pra ela mesma, com o objetivo de burlar a legislação trabalhista e criar limitações à atuação sindical. Isso porque o trabalhador terceiro nessas condições ele deixa de participar de uma categoria regulada, muitas vezes regulada por uma NR que o protege diante de acidentes”.
De acordo com a técnica do ITTC, a Câmara temática constatou acidentes “muito graves” tanto no Polo Petroquímico quanto na Refap, “que são exemplos claros de que os terceirizados estão em todos os ambientes e estão nos ambientes da grande indústria, onde a gente esperava que fosse um ambiente mais regulado e mais protegido”.