ECONOMIA

Brasil e Argentina, quando a visão do mercado tenta se impor à realidade

“Ajustes” na economia Argentina geram desemprego e miséria, enquanto avanços no Brasil são acompanhados com ceticismo por quem gostaria de ter um Milei no Planalto
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 30 de dezembro de 2024
Brasil e Argentina, quando a visão do mercado tenta se impor à realidade

Foto: Ricardo Stuckert/PR

O “Mercado” e a imprensa da financeirização preferem exaltar o anarcocapitalista Milei em sua sanha de produzir miséria e desemprego na Argentina, do que acreditar no Brasil dando certo mais uma vez com o eterno sindicalista Lula

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Fim de 2024. Segundo ano de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência do Brasil e primeiro ano de Javier Milei, na Argentina. Enquanto o Brasil alcançou avanços históricos na redução da pobreza e no desemprego e cresce 3,5% com inflação abaixo de 5%, a Argentina registrou níveis recordes de pobreza, desemprego, retração econômica de 3,5% e inflação próxima a 200%. Apesar disso, o chamado Mercado, se mostra entusiasmado com a economia do país do Prata e descontente com a economia brasileira.

Para economistas ouvidos pelo Extra Classe, a questão central sobre a desconexão entre indicadores econômicos concretos e as percepções do “Mercado” é que esta entidade – para muitos misteriosa – prioriza políticas que ampliem margens de lucro e reduzam custos para investidores, mesmo à custa de condições sociais e econômicas mais amplas para o conjunto de uma população.

Nessa lógica, para o doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, Paulo Kliass, a insatisfação com o Brasil é menos ligado aos resultados econômicos. É, concretamente, mais vinculada à orientação política e ideológica do governo.

Milei, mesmo com os indicadores desastrosos, em especial gera um otimismo entre investidores por sua agenda de privatizações, dolarização e cortes no Estado. Uma pauta extremamente bem-vista pelo setor financeiro global.

Por outro lado, o governo Lula enfrenta resistências devido à sua ênfase em políticas sociais e críticas à austeridade fiscal. Isso, aliado a uma grande imprensa de viés liberal, gera desconfiança nos mais variados setores conservadores do país.

Erro, especulação, ou manifestação de vontade?

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Foto: Divulgação

Para o economista Kliass, a insatisfação com o Brasil está menos relacionada aresultados econômicos do que à orientação política e ideológica do governo

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Kliass costuma dizer que o tão propalado “Mercado” no Brasil se resume, de fato, a 160 pessoas escolhidas a dedo para dar suas opiniões para a elaboração do Boletim Focus do Banco Central (BC).

É tudo gente, explica o economista, com altas posições em bancos e outras instituições financeiras que operam no Brasil. Assim, Kliass, deixa claro: “a gente precisa ter bastante pé atrás. Na realidade, o tal ‘Mercado’ reflete muito mais o desejo e a vontade desses setores do financismo, a nata do sistema financeiro, do que efetivamente uma avaliação mais correta, mais científica, mais cuidada”, discorre.

Não por coincidência, o Extra Classe registrou, em 5 de março de 2024, que o seleto grupo conseguiu errar todas suas previsões econômicas tanto para o primeiro ano do governo de Lula quanto – num sentido inverso – em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Erros que persistiram. Não só no Brasil, mas, também, em projeções de organismos internacionais como o FMI, tanto para a economia conduzida por Milei, na Argentina, quanto por Lula, no Brasil.

Para 2024, a previsão do FMI era que a economia argentina iria crescer 2,8% e a do Brasil, menos de 2%. No final das contas, a economia argentina diminuiu 3,5% e a do Brasil cresceu 3,5%.

O casuísmo da hora

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Imagem: Reprodução

Apito de cachorro: “análise” da Folha de S. Paulo, exclusiva para iniciados em golpe de Estado

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O erro nas previsões de um organismo que, em tese, deve ter em seus quadros profissionais extremamente acima da média acaba mostrando uma realidade paradoxal.

Em especial diante de quem afirmava que o autoproclamado Anarcocapitalista iria tirar seu país do buraco e o eterno sindicalista, apesar de seu terceiro mandato, quebraria o Brasil.

Se a administração Milei fez a pobreza atingir o maior número de pessoas da série histórica argentina, a redução da pobreza no Brasil atingiu o maior número de pessoas de sua série histórica.

No campo da empregabilidade, outra discrepância nas séries históricas dos países vizinhos. Enquanto a Argentina atingiu o maior número de pessoas desempregadas, saindo da casa dos 5% para 7% nos dois primeiros trimestres de 2024, com mais de 1 milhão de argentinos desempregados, desde a posse de Lula o desemprego entre os brasileiros tem caído paulatinamente. De 9,3% no último ano de Bolsonaro, 2022, para 6,1% no governo Lula, de acordo com os últimos dados do IBGE.

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O Globo exalta Milei e omite que o desemprego na Argentina cresceu de 5% para 7% nos dois primeiros trimestres de 2024, enquanto no Brasil o desemprego caiu de 9,3% em 2022 para 6,1%, segundo o IBGE

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O sucesso alcançado pelo Brasil, frente aos percalços passados pelos hermanos, diante dos objetivos de se manter aceso o espírito de polarização, gera narrativas de setores da extrema direita que joga para o IBGE a suspeita de manipulações de dados, mesmo que eles com frequência tenham sido confirmados por instituições privadas como a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em abril, por exemplo, a FGV estimou que a extrema pobreza no Brasil chegou a atingir o menor nível já registrado.

O ex-presidente Bolsonaro logo após a divulgação dos dados do IBGE afirmou ser mentira o índice do desemprego e seu apoiador, o deputado Nikolas Ferreira (PL/MG), promete protocolar um pedido de CPI contra o que chama “fábrica de realidade paralela” do IBGE.

Tanto Bolsonaro quanto Nikolas defendem, por outro lado, a versão do Ministério do Capital Humano do governo Milei, que diz que a pobreza caiu para menos de 40% no país que chegou a registrar um disparo que atingiu 15,7 milhões de pessoas em setembro passado, conforme veículos de imprensa como a britânica BBC.

Quando a informação tem rabo preso

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Foto: Univates/ Divulgação

Schröder: “a mídia brasileira, em geral, enxerga a realidade através do filtro da ideologia de mercado, rejeitando qualquer movimento de redistribuição de renda ou alternativa ao modelo econômico vigente”

Foto: Univates/ Divulgação

Pela lógica aplicada por setores da oposição a Lula, o que é dito por uma importante autarquia brasileira – responsável por uma série de dados para a geração de políticas públicas – seria mentira; e o que é divulgado pelo governo de um presidente já pego em uma série de fake news, deve ser aceito como verdade absoluta.

O problema se agrava quando a versão é assumida por veículos de imprensa, sem maior criticidade, casos registrados no Infomoney, Exame, Revista Oeste e Jovem Pan.

No caso da mídia a cabresto, há um capítulo à parte, mas também em sintonia com a análise do economista Kliass: orientação política e ideológica.

Para o jornalista Celso Schröder, ex-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas do Brasil (Fenaj), que lecionou durante décadas na PUCRS disciplinas como Comunicação Comparada, “a mídia brasileira, em geral, enxerga a realidade através do filtro da ideologia de mercado, rejeitando qualquer movimento de redistribuição de renda ou alternativa ao modelo econômico vigente”.

Para Schröder, isso ficou evidente na conduta dos meios de comunicação em relação aos governos Lula e Dilma que, mesmo com resultados econômicos e sociais positivos, foram constantemente atacados. “Agora, o governo Lula, que conseguiu recuperar o país de uma crise profunda, também sofre com tentativas de desmerecimento”, analisa ele, que vê no plano de cobertura internacional ainda maior conservadorismo.

Acontece que, na ótica do jornalista, narrativas importadas são adotadas, como no caso da Argentina. Uma comparação entre os governos Milei e Lula é uma coisa absurda e distorcida que serve apenas para minimizar os avanços dos brasileiros e reforçar um discurso ideológico alinhado ao mercado, analisa Schröder.

“Tratar o governo dessa figura meio que caricata que é o Milei como um governo bem-sucedido, seja do ponto de vista que for, como, por exemplo, conter a inflação à base de uma recessão criminosa que condena a maioria do povo argentino à miséria, me parece uma irresponsabilidade”, conclui.

Outra questão sobre a mídia brasileira tem chamado a atenção também nos últimos anos. Além do já mencionado alinhamento liberal da grande imprensa, veículos dedicados à economia têm sido adquiridos por empresas do mercado financeiro.

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Site de notícias Infomoney, que pertence à XP consultoria

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É o caso do portal Infomoney. O site de notícias financeiras foi adquirido por Guilherme Benchimol, fundador da XP, que queria ter um veículo de comunicação voltado para o varejo. Mas hoje o portal é controlado pelo XP Inc.

A Exame, antigo título da Editora Abril, que chegou a ser a mais importante revista de negócios do Brasil, hoje tem uma parceria com a BTG Pactual Holding. Atrelada ao maior banco de investimentos da América Latina que opera em diversos segmentos, a revista diz ser uma combinação perfeita para cuidar melhor de recursos e promete dar acesso às melhores informações do “Mercado”.

Um dos principais conglomerados de mídia do Brasil, o Grupo Folha, responsável pela Folha de São Paulo, pelo Portal Uol, pela agência de notícias Folhapress e pelo Datafolha que é uma respeitada empresa de pesquisa brasileira é comandada pelo empresário Luiz Frias.

Filho de Octávio Frias de Oliveira, fundador do Grupo Folha, o empresário tem outros interesses além do jornalismo. Ele também controla o PagBank. A empresa que diz oferecer soluções completas para todas as pessoas, como maquininhas de cartão, vendas on-line, conta digital para Pessoas Físicas e Pessoas Jurídicas, além de investimentos tem sede na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Isto, de certa forma, já diz tudo.

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