Ruralistas querem banir a palavra “agrotóxico” para tornar “alimentos mais seguros”
Foto: Michel de Jesus/ Agência Câmara
Além de revogar a Lei dos Agrotóxicos de 1989, propõe a substituição do termo “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário” e “produto de controle ambiental”. O deputado Covatti Filho (PP-RS) justifica que é preciso tirar a carga negativa que acompanha o termo “agrotóxico”
Os corredores e gabinetes da Câmara dos Deputados estão sendo palco de uma guerra, invisível aos olhos da grande maioria da população, mas com consequências diretas para o seu futuro. O Projeto de Lei 6299/2002, de autoria do então senador e atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, junto com outros 29 textos anexados a ele, pretende flexibilizar a legislação que regulamenta o uso de agrotóxicos no Brasil. Entre outras medidas, o PL prevê que o Ministério da Agricultura passe a aprovar sozinho a liberação de registro dos agrotóxicos. O Ibama e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que compartilham essa atribuição hoje, passariam a “analisar e, quando couber, homologar os pareceres técnicos apresentados nos pleitos de registro”.
Ao longo de todo o mês de junho, o parecer do relator Luiz Nishimori (PR-PR), favorável ao projeto, foi objeto de intensa polêmica na Comissão Especial da Câmara que trata do tema. No dia 25 de junho, esse parecer foi aprovado por 18 votos a 9, com apoio maciço da bancada ruralista e agora deve ser votado no plenário da Casa. Três deputados gaúchos votaram a favor do projeto: Alceu Moreira (MDB), Covatti Filho (PP) e Luis Carlos Heinze (PP). O deputado Elvino Bohn (PT) votou contra.
Além da flexibilização de normas, o projeto envolve também uma disputa por palavras e conceitos. Entre os projetos agregados ao PL 6299, está o PL 3200/15, de autoria do deputado Covatti Filho que, além de revogar a Lei dos Agrotóxicos de 1989, propõe a substituição do termo “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário” e “produto de controle ambiental”. Na justificativa, o deputado diz que é preciso tirar a carga negativa que acompanha o termo “agrotóxico”.
Essa “carga negativa” é baseada em parecer de instituições científicas respeitadas como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Em março de 2015, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), ligada à OMS, publicou um artigo que sistematizou pesquisas sobre o potencial cancerígeno de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos realizadas por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo o Brasil. Baseada nestas pesquisas, a agência classificou o glifosato e os inseticidas malationa e diazinona como prováveis agentes carcinogênicos para humanos e também os inseticidas tetraclorvinfós e parationa como possíveis agentes carcinogênicos. Destes, a malationa, a diazinona e o glifosato são amplamente usados no Brasil. Herbicida de amplo espectro, o glifosato é o produto mais usado no país.
O Inca divulgou uma nota oficial chamando a atenção para os riscos que a exposição ao glifosato e a outras substâncias representam para a saúde dos brasileiros. Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos, o Inca cita, além do câncer, infertilidade, impotência, abortos, malformações fetais, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos sobre o sistema imunológico. O Inca e a OMS estimaram que, nos próximos cinco anos, o câncer deve ser a principal causa de mortes no Brasil.
Para tentar neutralizar esses estudos e alertas da comunidade científica, a bancada ruralista passou a implementar uma estratégia de greenwashing (lavagem verde), uma campanha de marketing, mídia e relações públicas para tentar ocultar os impactos dos agrotóxicos sobre a saúde e o meio ambiente. Essa bancada, na avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), é a maior da Câmara, possuindo 120 integrantes do total de 513 deputados. O site O Joio e o Trigo (www.outraspalavras.net/ojoioeotrigo) fez um levantamento sobre as relações entre esses parlamentares e o agronegócio.
Covatti Filho, que quer banir a palavra “agrotóxicos”, recebeu na campanha eleitoral de 2014 doações de R$ 326 mil do agronegócio, do total dos R$ 737.510 mil declarados na sua campanha. Já o relator Luiz Nishimori recebeu R$ 880 mil em doações do agronegócio, do total dos R$ 2,4 milhões declarados na sua campanha. Já a presidente da comissão especial que avaliou o tema, Tereza Cristina (DEM-MS), recebeu R$ 2.563 milhões em doações de empresas do agronegócio, do total de R$ 4.298 milhões que declarou na campanha de 2014. Esses parlamentares, além de propor a eliminação da palavra “agrotóxicos”, resolveram batizar a lei que apoiam de Lei do Alimento Mais Seguro. Aparentemente, segundo essa estratégia, se ninguém mais falar em agrotóxicos, os alimentos se tornarão mais seguros…