O profissional formado nos atuais cursos de Magistério com especialização em pré-escolar não está capacitado para responder às necessidades da criança pequena em ambiente de creche ou de pré-escola, afirma Fúlvia Rosenberg. Para a professora de psicologia social, integrante da equipe de pesquisa sobre creches da Fundação Carlos Chagas, o modelo de formação desenvolvido para os profissionais que trabalham com a educação infantil é muito mais escolar. Ela parte do princípio de que cuidar é muito próximo de educar e educar é muito próximo de cuidar. “Quando você está alimentando, trocando fraldas, atenta às necessidades da criança; cuidando você está educando, colocando esta criança no mundo, na sociedade, dando à ela dimensões de cidadania. Se ela tem de ficar uma hora à espera do banho, da comida, será um modelo de cidadão que ficará esperando uma hora na fila do INPS, vai ser tolerante com tudo”, exemplifica.
A pesquisadora lembra que a expansão da educação infantil no Brasil começou a partir dos anos 70, com um modelo de baixo custo e, para ser mais barato se fez entrar no sistema o chamado “profissional leigo” Dos anos 70 aos anos 80 houve uma expansão do atendimento ao pré-escolar, através de um programa nacional, implantado pela primeira vez pelo Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), além de um programa de creche implantado pela extinta Legião Brasileira de Assistência (LBA), no final dos anos 70. Quem assumiu essa expansão foram as professoras leigas.
Aí começam os problemas, diz Fúlvia Rosenberg, pois o professor leigo não recebe o mesmo salário que o educador, na época com formação equivalente a segundo ou terceiro graus. Em suas pesquisas constatou que o “profissional leigo” é o que sequer tem as quatro primeiras séries do primeiro grau. “São na maioria mulheres que aprenderam, através de sua socialização primária, a cuidar de filhos, crianças, em espaço doméstico, o que não é a mesma coisa que cuidar e educar crianças em espaço coletivo”
O exemplo é clássico: “ouve-se muito que para limpar bunda de criança não é preciso curso superior”, lembra. Ela admite que isso pode ser aceito no espaço doméstico, mas assevera que no espaço coletivo a higiene tem de se desenvolver com a máxima competência. “Durante muito tempo se acreditou que bastava ser mulher e gostar de criança para exercer a atividade”. Esclare que em casa, com um filho, se consegue tratar um tipo de ferimento. Mas dez, vinte crianças com o mesmo ferimento requer um hospital.
Fúlvia chama a atenção para a importância da formação profissional para os atendentes de creche e pré-escola e da própria constituição da profissão. A LDB da Educação indica que se trata de um profissional docente. Porém, ela alerta que a formação do profissional não pode ser igual ao do 1? grau, por exemplo, porque a carga horária da creche às vezes excede a oito horas de trabalho para responder às necessidades de cuidados das crianças, cujos pais trabalham. “Na maioria dos estados e municípios brasileiros, o Estatuto do Magistério propõe jornadas de quatro horas. Então as crianças teriam três profissionais, no mínimo, durante o dia”. Ela revela que existe um movimento para a constituição profissional. “Mas há tensões de todos os lados, inclusive do próprio magistério, e também em nível governamental, porque é preciso formar e profissionalizar esses leigos que já estão trabalhando em pré-escola pelo menos no 2? grau. “Isso significa um grande empreendimento e a valorização dos salários.
Segundo ela, as creches e pré-escolas não regulamentadas, clandestinas, filantrópicas ou privadas com fins lucrativos levam vantagens com esse profissional não formado. É possível que algumas creches e pré-escolas precisem ser fechadas por não atenderem a critérios mínimos de qualidade. Mas denuncia que hoje quem quiser pode abrir uma creche ou uma pré-escola na esquina – desde que não a chame de pré-escola . “É preciso tomar muito cuidado no processo de regulamentação para que as normas não destruam tudo o que está por aí e que um número grande de creches e pré-escolas entrem no sistema”, avalia a pesquisadora, que também é professora do pós-graduação na PUC/SP. “Não adiantam normas equivalentes às que se usam, por exemplo, na Suécia, ou no norte da Itália – que são considerados os melhores modelos de educação infantil -, se todo o sistema ficar fora da regulamentação”.