Em alguns casos não têm outro jeito: é preciso hospitalizar. Isso assusta, angustia, além da pessoa ter de lidar com as privações que significam o afastamento de casa, dos familiares, emprego e escola. Mas, estar internado nem sempre significa passar os dias no leito, sem qualquer atividade. Algumas instituições refletiram sobre a questão e criaram alternativas, como é caso do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Em 1979, a professora responsável pela disciplina de recreação da UFRGS, Teresa Galvão, iniciou uma atividade recreacional na pediatria do HCPA. A professora de educação física e recreacionista, Regina Sikilero, que trabalha há 18 anos no hospital e acompanhou a implantação desse trabalho, recorda que as pessoas, e até os próprios funcionários, não sabiam exatamente qual o papel que estavam ocupando: “nos viam, muitas vezes, como babás de luxo”.
A pedagoga e chefe de serviço, Paula Rosana da Silva, diz que já naquela época existiam pesquisas verificando que o bem-estar do paciente na instituição contribuía para a menor permanência: “porque cuida-se da saúde mental, diminui-se a ansiedade, o que favorece para que a pessoa consiga entender melhor o que está se passando”, garante Paula.
A recreação em hospital geral – com crianças e adultos -, colabora para a quebra de alguns tabus do “estar doente”. Para a recreacionista Anna Macedo, isso é mais claro em idosos: “eles dizem que estão doentes, então como é que vão jogar?”, explica Anna, avaliando que é comum o adulto ter mais resistência. “Ele tem medo, por exemplo, de vir para a recreação e o médico passar e não o chamarem”, admite Anna, relatando que alguns idosos, com problema sério de visão, em caso de internamento, deixam os óculos em casa. O que comprova a crença de que o enfermo, ao ser hospitalizado, deve ficar em repouso absoluto, invariavelmente.
ESPAÇO – O HCPA possui três salas de recreação: uma infantil, outra para adolescentes e adultos e mais uma na oncologia pediátrica, unidade mantida pelo Instituto do Câncer. Elas contém vários tipos de jogos, objetos para trabalhos manuais, televisão, vídeo cassete, vídeo game, livros, brinquedos, etc. Normalmente, os internos começam a freqüentá-las estimulados pela própria equipe de recreacionistas, ou indicados pelos médicos, e também pela “propaganda” entre os pacientes. Aqueles sem condições de sair dos quartos e até mesmo os que estão na UTI, também são atendidos, pois os profissionais levam até eles várias possibilidades de atividades, dependendo das condições de cada um.
ALÍVIO – A paciente Adriane Picinini, de 20 anos, diz que ao chegar no HCPA ficou contente por existirem as atividades de recreação. “Acho interessante, passa o tempo, porque ficar no hospital não é boa coisa, principalmente se você fica o dia inteiro no quarto, sem ter nada para fazer, chega-se a passar mal”, depõe. “Eu fico de manhã, de tarde e à noite, até que feche”. Sua mãe, Santina, diz ter certeza que isso ajuda no tratamento, pois nos outros hospitais a filha se deprimia muito. “Está se recuperando mais rápido.”
Jéssica Martins, 5 anos, está na oncologia pediátrica e a sua mãe, Kátia, tem opinião bastante otimista sobre a recreação. “Aqui é a segunda escola dela e está sendo a segunda casa”, reconhece Lígia. Ela diz que a filha pede para ir para a recreação e, “quando volta para o quarto, ela já quer brincar, já fica mais sentada. Sai de lá animada”, tranqüiliza-se a mãe.
Outro paciente da oncologia, Fábio Abreu Haase, 16 anos, segundo sua avó, Liana, é muito nervoso. “Nós notamos que a recreação ajuda muito. Geralmente ele acorda muito nervoso, daí vai para lá e, quando volta para o quarto já está bem animado”, alegra-se a vó. Alegria também é o que sente Lígia Mohr, mãe de Monique, 4 anos. Afinal, na recreação a filha encontra um ambiente mais parecido com a casa. O paciente Alberto Soares Santos, 39 anos, só tem uma reclamação a fazer: a sala da recreação não abre aos domingos. “Era preferível que não abrisse na segunda-feira”.
CRAQUE – Além das brincadeiras e passatempos, os pacientes que usufruem da recreação ainda recebem visitas especiais. Na manhã do dia 16 de julho, foi a vez de Dunga, capitão da Seleção Brasileira, causar euforia na oncologia pediátrica do HCPA. “Eu acho que é uma forma de distração. Sabemos que o tratamento é bastante longo e difícil, e é uma maneira de continuarem mantendo o mesmo ritmo de vida, tendo uma integração com outras crianças. É uma forma de preencher o tempo, tendo a cabeça sempre ocupada com coisas novas, com criatividade. Isso faz com que eles tenham mais coragem e, ao mesmo tempo, o organismo reaja melhor”, testemunha Dunga. “É uma forma de educação mental, confraternização”.
JORNADA – Para estimular o debate e a reflexão sobre a recreação em instituições hospitalares, o Serviço de Recreação Terapêutica do HCPA, promoverá, de 26 a 29 de agosto, a 2ª Jornada de Recreação. O encontro será realizado no anfiteatro do HCPA. Informações e inscrições no Serviço de Eventos do HCPA, na rua Ramiro Barcelos, 2350/sl. 49D. Fone/ fax: (051) 316.8090. O evento tem o apoio da Centrocópias, Nutrella, Centro Lydia Coriat, Associação Cristã de Moços de Porto Alegre e da Fronteira.