A polêmica se instalou no Planalto Médio por conta do processo encami-
nhado pela Universidade Luterana do Brasil com vistas ao reconhecimento de seu campus em Carazinho. As críticas partem do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) que vê com preocupação a política expansionista da Ulbra e encaminhou um documento de quatro páginas ao ministro da Educação, Paulo Renato Souza, onde questiona dados e relata procedimentos que, segundo o consórcio, em nada contribuem para o fortalecimento do ensino superior e das universidades da região.
“Muitos dos fatos e dos números que a Ulbra faz referência em seus processos para obter reconhecimento não são verdadeiros, seus métodos de ação não condizem com a boa prática universitária e estão em claro desacordo com a política do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação” é a denúncia constante no documento, assinado pelo presidente do Comung e reitor da Universidade de Passo Fundo, Ilmo Santos.
Entre as contestações à Ulbra está o fato de que Carazinho seria uma das poucas cidades gaúchas com 50 mil habitantes que não tem universidade. “Na verdade, existe em Carazinho um campus da Universidade de Passo Fundo, em atividade desde 24 de janeiro de 1990 e onde atualmente funcionam os cursos de graduação em administração, ciências contábeis, ciências (licenciatura plena), direito, letras, matemática, música (piano), pedagogia – habilitação em educação infantil, pedagogia, habilitação em séries iniciais, pedagogia – habilitação em educação de excepcionais e setor de deficientes mentais, psicologia, ciências (habilitação matemática), geografia e tecnólogo em processamento de dados”, informa Ilmo Santos. Na pós graduação, acrescenta, são oferecidos os cursos de informática aplicada à educação, supervisão escolar e gestão estratégica empresarial.
Outra informação fornecida pela Ulbra – que a Universidade de Passo Fundo não possui os cursos de agronomia, fisioterapia e medicina veterinária – é questionada pelo Comung: “A sede da UPF está a apenas 45 quilômetros de Carazinho, oferece 49 cursos de graduação, abrangendo praticamente todas as áreas de conhecimento, nos quais se incluem cursos de agronomia, fisioterapia e medicina veterinária, este com um hospital universitário de 5.400 metros quadrados, o maior do Estado e um dos maiores do país”.
Para obter seu reconhecimento, a Ulbra também teria dito que a UPF possui 8.500 alunos, o que o Comung também contesta. “A Universidade de Passo Fundo tem 14.470 alunos em 49 cursos de graduação, 34 de pós-grauação lato-sensu e 13 cursos de pós-graduação stricto-sensu”. Também, segundo o Consórcio não condiz com a verdade a informação de que a região é mal atendida em termos de cursos, pois só de universidades pertencentes ao Comung há cursos superiores em 48 municípios do Estado, com 267 cursos de graduação e 239 de pós-graduação.
Além disso, a Universidade Luterana alega que a UPF em Carazinho possui instalações precárias e que o aluguel e as despesas de manutenção são assumidos pelo município. “A sede da UPF é própria, não havendo nenhuma participação do município, tanto em relação à construção como na manutenção. Possui uma área construída de aproximadamente 10 mil metros quadrados, com amplas e modernas salas de aula, salas para atividades de pesquisa, extensão, administração, diretório acadêmico, sala para professores, atividades para a terceira idade, atividades artísticas e culturais, amplos e modernos laboratórios, ampla biblioteca, auditório, restaurante e estacionamento”.
Por fim, sobre a notícia dada pela Ulbra ao MEC de que teria acertado com o governo do Estado a ocupação de uma área de 280 hectares, onde funciona uma escola técnica estadual, o documento revela que, na verdade, o convênio está estabelecido entre o Estado e a Universidade de Passo Fundo, que desenvolve nessa escola vários projetos na área agrícola, não existindo, portanto, nenhum convênio estadual com a Ulbra a respeito.
Talvez o mais comprometedor da denúncia seja em relação às questões acadêmicas, de legislação do ensino superior, normas, resoluções, portarias, Leis de Diretrizes e Bases (LDB) e outras orientações do Conselho Nacional de Educação. O Comung lembra que foi aprovada a proposta da Universidade Luterana de colocar em funcionamento, em 2000, os cursos de sistemas de informação, pedagogia e administração. Em 2001, estariam funcionando os cursos de direito e arquitetura, em 2002, psicologia e, para 2003, odontologia e engenharia de alimentos.
“Apesar dessas disposições oficiais, no dia 21 de julho de 2000 foi divulgada pela imprensa local a abertura da inscrição para o vestibular nos cursos de administração (ênfase em agrobusiness e comércio exterior), enfermagem, direito, desenho industrial com habilitação em programação visual, serviço social e sistemas de informação”. Pior do que isso, denuncia o Comung, entre a divulgação do vestibular, em 27 de julho, e a sua realização, em 12 de agosto, não foi obedecido o prazo de 30 dias previsto pela Portaria 1449/99 do Sesu/MEC. “Aliás, não houve publicação do edital na imprensa local nem no Diário Oficial”.
Mais ainda: as matrículas não obedeceram ao Manual do Processo Seletivo 2000/2, que previa o preenchimento de 50 vagas em cada curso. Nos casos da administração e direito, houve uma chamada extra para a abertura de turmas suplementares, cada uma com 50 vagas. “Há a informação de que vários alunos fizeram a matrícula sem realizar o processo de seleção”, denuncia Ilmo Santos.Em seu documento, o Comung acrescenta que, dos cursos oferecidos, apenas dois (administração e sistemas de informação) têm autorização para funcionar em 2000, conforme parecer do Conselho Nacional de Educação. Os demais (enfermagem, direito, desenho industrial e serviço social) não estão aptos. “As universidades do Comung, que sempre cumpriram as normas, leis, resoluções, portarias e todas as orientações do MEC e do Conselho Nacional de Educação, tratando das questões que envolvem a educação superior com muita seriedade e respeito, gostariam de ver essa prática universalizada, sem exceções, para o bem das instituições e, principalmente da comunidade”, encerra o documento-denúncia.
O diretor da Ulbra em Carazinho, Reni Rigo, assumiu o cargo em agosto e disse não ter conhecimento nem do pedido encaminhado pela universidade para reconhecimento do campus e nem da denúncia do Comung por não ter participado do processo, informando que o assunto está nas mãos da sede, em Canoas. Mas argumentou que há na região, universidades comunitárias e a Ulbra, por não ser do grupo, gerou uma disputa natural. “Tudo dentro da normalidade, não tenho conhecimento de nenhum fato fora do comum”.
Rigo confirmou que, no segundo semestre de 2000, a universidade ofereceu vagas nos cursos de administração, desenho industrial, direito, enfermagem, serviço social e sistemas de informação, totalizando o ingresso de 400 alunos. “Isso, na verdade, é a extensão das vagas em Canoas. Não entendo muito de legislação, mas quando há vagas na sede, elas podem ser estendidas para os campi”.
O diretor explicou também que o curso de sistemas de informação já foi aprovado pelo MEC e que a seleção para ingresso de alunos obedeceu à mesma forma como é feito em Canoas. “O vestibular foi feito em um dia porque a lei não exige que seja feito em três, não havia necessidade”, disse, solicitando que mais informações fossem obtidas junto à Ulbra em Canoas.
A sede da Ulbra em Canoas foi procurada para falar, mas a posição da diretora de Comunicação Social, Sirlei Dias Gomes, é de que ninguém fala sobre o assunto. A instituição limitou-se a informar que seus cursos estão de acordo com a legislação e autorizados pelo MEC.
O Ministério da Educação, por sua vez, recebeu o documento em outubro, mas ainda não se pronunciou. A Universidade Luterana possui campus em Cachoeira do Sul, Gravataí, Guaíba, São Jerônimo e Torres e sua última investida é justamente Carazinho, com dois prédios em uma área total de 200 mil metros quadrados. Uma universidade que cresceu rápido demais, a Ulbra acumula, em dez anos, uma série de polêmicas por conta disso.